Um esquema perigoso, com ramificações na Secretaria de Saúde do Município e no Hospital Escola Álvaro Alvim, pode vir a se tornar um dos maiores escândalos dos últimos anos na Saúde do município de Campos. Por decisão político-administrativa do governo municipal, um direcionamento tácito de pacientes com câncer para serem tratados no Álvaro Alvim está comprometendo o atendimento e o tratamento oncológico adequado e ágil em Campos, uma vez que essas pessoas não estão tendo informações corretas de todas as possibilidades de serem tratadas em outras unidades credenciadas pelo Sistema Único de Saúde – SUS no município. Em razão disso, um paciente diagnosticado com câncer que está sendo encaminhado para o Álvaro Alvim começa seu atendimento entre 40 e 60 dias, enquanto que se fosse direcionado ao setor de oncologia do Hospital Dr. Beda, por exemplo, que também atende pelo SUS, ficaria apenas um dia na fila de espera.
Irresponsabilidade
Outra situação que beira a irresponsabilidade dos gestores da Saúde municipal, é que em alguns casos de câncer, como o de colo de útero e outros ginecológicos, somente o Hospital Dr. Beda oferece pelo SUS o tratamento mais eficaz em razão de possuir um equipamento específico para esses diagnósticos. Sendo assim, um cidadão campista com determinado tipo de câncer, que poderia estar recebendo tratamento mais rápido e com maior probabilidade de cura está, no entanto, sendo excluído dessa possiblidade em razão de interesses financeiros, políticos e administrativos difíceis de explicar pela parte do governo.
Como deveria ser
Uma vez feito em qualquer unidade de Saúde o primeiro diagnóstico de algum tipo de câncer, o paciente deveria ser encaminhado para o Núcleo de Controle e Avaliação, que funciona dentro das dependências da Secretaria de Saúde de Campos, para então passar por nova avaliação feita por médicos do setor. Cumprida essa etapa, os dados desse paciente deveriam ser encaminhados pelo Núcleo ao Sistema Estadual de Regulação – SER – cujo responsável é o médico Cláudio Petrucci, para finalmente ocorrer o direcionamento do caso para alguma Unidade de Alta Complexidade em Oncologia – UNACON – no município, e o início do tratamento com quimioterapia, radioterapia ou em casos específicos de cânceres ginecológicos, com a braquiterapia.
Em Campos, existem três Unacons que atendem pelo SUS: uma pequena unidade na Beneficência Portuguesa, no Hospital Álvaro Alvim e o mais completo de todos, no setor de oncologia do Hospital Dr. Beda, único na região que oferece as três modalidades de tratamento oncológico, além de ser referência em cirurgia de cabeça e pescoço e apto para cirurgia torácica para certos tipos de cânceres.
Como funciona hoje
Segundo médicos do setor, atualmente pacientes atendidos primeiramente pelas Unidades Básicas de Saúde e diagnosticados com algum tipo de câncer, são encaminhados para o Hospital Álvaro Alvim, que estaria assumindo o papel que seria do Núcleo de Controle e Avaliação da Secretaria de Saúde de Campos e enviando os dados dos pacientes em envelope fechado para o SER, cabendo apenas ao Sistema de Regulação Estadual referendar o direcionamento para o Álvaro Alvim. Segundo informações de funcionários do Núcleo, que preferem não se identificar, esse departamento desde então, perdeu suas funções e está esvaziado. Essa nova forma de direcionamento para o Álvaro Alvim, segundo informações de dentro do setor, é obra de Flávio Persilva Hoelzle, que além de fazer parte da direção do Álvaro Alvim, ocupa cargo dentro da Secretaria de Saúde de Campos, trabalhando junto à secretária Fabiana Catalani. Essa medida tem provocado um total desequilíbrio no setor claramente revelado pelo volume de pacientes encaminhados ao Álvaro Alvim em detrimento dos Hospitais Dr. Beda e Beneficência Portuguesa, provocando o atraso comprovado no atendimento inicial dos portadores da doença de quase dois meses.
Centro da Mulher
Outra informação no mesmo sentido vem do Centro da Mulher, unidade da Secretaria de Saúde que também estaria fazendo esse encaminhamento apenas para o Álvaro Alvim, desconsiderando que a maioria dos casos de cânceres em mulheres é de mama e colo de útero, e que deveriam ser encaminhados para tratamento no Hospital Dr. Beda, em razão de ser o único na região capaz de oferecer o serviço mais adequado por possuir equipamento específico para este fim.
Quem tem câncer tem pressa
Hoje, como a maioria dos casos de pacientes com câncer é direcionada para o Hospital Álvaro Alvim, o início do atendimento só começa entre 40 e 60 dias pelo tamanho da fila de espera. Se o sistema funcionasse de forma correta, com equilíbrio de direcionamento entre as Unacons do município, esse tempo de espera cairia drasticamente. Se esse mesmo paciente fosse encaminhado para o Beda, por exemplo, o atendimento começaria em um dia.
Falta de respeito com a vida
Informações vindas de dentro do setor também apontam para uma outra grave situação, que é a omissão de informações importantes aos pacientes. Todo cidadão tem o direito de saber as opções para se tratar em Campos. O paciente deveria, então, ser informado já nas Unidades Básicas de Saúde que existem três instituições de tratamento de câncer no município, suas especialidades e o tempo de espera para início do atendimento em cada uma. Só que essa informação, que é vital para o paciente, não está sendo transmitida, lembrando que todas essas unidades de tratamento atendem pelo SUS. Não devendo, portanto, ser omitida nenhuma delas em benefício de apenas uma. Revela-se então uma total falta de respeito com a vida humana esse direcionamento para um hospital que não detém de toda estrutura nem capacidade específica para certos tratamentos
Respostas
O prefeito Rafael Diniz que soube do caso através de um assessor direto, disse que não tinha conhecimento e que iria tomar as providências para, uma vez configuradas as irregularidades, adotar medidas para corrigí-las.
Secretária não informa
Desde o ano passado, tenta-se descobrir, de modo oficial e transparente, como funciona o encaminhamento da Secretaria Municipal de Saúde dos pacientes com câncer do SUS para as unidades hospitalares habilitadas para tratamento, em Campos. No dia 31 de julho de 2017, por exemplo, o vereador Cláudio Andrade (PSDC) protocolou ofício (nº327/2017) Da Redação endereçado à secretária de Saúde, Fabiana Catalani, solicitando informações sobre pacientes oncológicos direcionados para tratar de câncer de colo de útero, e para qual instituição foram conduzidos. Foi questionado, ainda, pelo vereador sobre quantos pacientes com necessidade de tratamento com a braquiterapia (método indispensável e mais moderno para tratar câncer de colo de útero) foram notificados naquele período. A secretária de Saúde, Fabiana Catalani, nunca respondeu ao ofício do parlamentar. Mais de oito meses depois, o assunto volta a repercutir dentro do governo, pois cabe à Prefeitura de Campos, por meio da Secretaria de Saúde, cuidar dos encaminhamentos de pacientes do SUS para as Unacons do município.
Diretores do Álvaro Alvim contestam
As acusações de que alguns profissionais do Hospital Àlvaro Alvim estariam se beneficiando com favorecimentos da Secretaria Municipal de Saúde envolvem, entre outros, o diretor administrativo da instituição, Flávio Persilva Hoelzle. Procurado pela reportagem, Flávio preferiu não dar entrevista, e que responderia por meio da assessoria de comunicação do hospital. Um email foi encaminhado então para o diretor administrativo, e também para o superinetendente do Álvaro Alvim, o médico José Manoel Moreira.
Entre os questionamentos, foram perguntados a ambos: se Flávio Persilva Hoelzle desfruta de tratamento privilegiado na Secretaria Municipal de Saúde; como funciona a autorização para pacientes oncológicos do SUS no Hospital Álvaro Alvim, e se este tem condições de atender a quais tratamentos oncológicos; se o tratamento oncológico oferecido pelo Álvaro Alvim atende a todos os requisitos necessários para não comprometer a saúde e a vida desses assistidos; e quantos pacientes oncológicos são atendidos por mês, pela Unacon do Álvaro Alvim, desde que foi criado.
Por meio de nota, o superintendente do Hospital Álvaro Alvim, José Manoel Moreira, alegou que as ações do hospital são transparentes, e que parte dos questionamentos deveria ser feita à Secretaria Municipal de Saúde. Ele afirma que a autorização para pacientes oncológicos do SUS segue as normas vigentes. O Hospital Escola Álvaro Alvim está em condições de atender aos procedimentos para os quais está credenciado, e que não usufrui de pretensos privilégios. Moreira disse ainda que, não vê nas questões uma disputa por pacientes, mas por fatia de mercado. A nota foi encerrada sem os dados relativos ao número de pacientes atendidos. “É uma questão interna da instituição, e não devem ser fornecidos sem que se configure uma situação que justifique tal solicitação”, destacou.
Após envio de nota oficial do Hospital Escola Álvaro Alvim, o diretor administrativo Flávio Persilva Hoslzle procurou a reportagem do Terceira Via por telefone para se defender, alegando que não possui privilégios junto à Secretaria de Saúde, e que lamenta ter sido citado em denúncia que ele considera improcedente. “O Hospital Álvaro Alvim não recebe vantagens, muito menos eu. Basta verificar o faturamento do Hospital Dr.Beda na Secretaria de Saúde, e constatar que foi maior que o do Álvaro Alvim em atendimentos oncoló- gicos. Isto não precisava chegar à imprensa, nem ter meu nome divulgado desta forma. Bastava os representantes de cada unidade se reunir com a Secretaria de Saúde para conversarmos e nos entendermos”, frisou.
O Jornal Terceira Via não conseguiu contato com o responsável pelo órgão estadual que regula os leitos em Campos, o médico Cláudio Petrucci. Um contato foi feito com sua secretária às 13h40 na última quinta-feira (1º), que ficou de comunicá-lo sobre o assunto. Apesar das inúmeras tentativas, até o fechamento desta edição, a equipe de reportagem continuou sem o retorno.
Os números do câncer
Embora a secretária de Saúde, Fabiana Catalani, não tenha respondido ao pedido do vereador Cláudio Andrade desde o ano passado sobre a quantidade de atendimentos oncoló- gicos no município, a reportagem do Terceira Via acionou a assessoria de comunicação da Prefeitura de Campos para levantamento de dados. Foram solicitados esclarecimentos sobre supostos favorecimentos ao Hospital Escola Álvaro Alvim e sobre o número de atendimentos de cada Unacon (Alvaro Alvim, Beneficência Portuguesa e Beda).
A nota da Superintendência de Comunicação afirma que não há tratamento privilegiado a nenhuma unidade contratualizada. As vagas disponibilizadas passam pelo Setor de Regulação da Secretaria Estadual de Saúde, e que o paciente tem o direito de escolher em qual unidade deseja fazer o tratamento, e que a autorização para pacientes oncológicos do SUS segue as normas vigentes nas portarias ministeriais.
Segundo a assessoria do governo, o Hospital Álvaro Alvim tem condições de atender aos procedimentos oncológicos e não usufrui de privilégios, assim como as outras duas Unacons (Beneficência e Beda). Quanto aos números solicitados de atendimentos em cada unidade oncológica de Campos, a nota da Prefeitura não foi específica e objetiva.
Em vez de detalhar o número de pacientes do SUS encaminhados para cada um dos hospitais conveniados, a nota informou que em 2017, foram atendidos com quimioterapia e radioterapia 5.500 pessoas. Os pacientes com alta provisória e acompanhados por cinco anos foram 13.800; e o total de pacientes registrados pelo Sistema Estadual de Regulação no município de Campos foi de 19.300 assistidos.