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O Brasil das interpretações e dos acordos. Que bizarro!

Hoje, país vive momento único: Não há clareza sobre o que está acontecendo e tampouco segurança quanto ao futuro

Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
5 de maio de 2025 - 10h06

Ao longo dos tempos o Brasil pode ser comparado a um medidor de batimento cardíaco descontrolado, que a cada década apresenta gráficos disformes até mesmo quando comparados a limites mais extremos. Falamos, por óbvio, da política e seus entornos.

Quanto ao porquê de não entrar em coma irreversível, é um mistério. Na falta de explicação plausível, remete-se aos atributos de ser um país continental, de riquezas inesgotáveis e, vez por outra, do surgimento de um líder que nos reconduz de volta aos trilhos – aliás, o que há muito não se vê.

Como ilustração dos citados sobressaltos, década após década, em conciso resumo e sem maior recuo no tempo, podemos citar: Anos 50, suicídio de Vargas; 60, renúncia de Jânio Quadros e Golpe de 64. Década 70, aumento da repressão e a crise do petróleo. Anos 1980, ‘desgoverno’ Sarney e eleição de Fernando Collor a qual, com o slogan visivelmente mentiroso de ‘Caçador de Marajás”, ‘só podia dar no que deu’. Anos 90, impeachment de Collor e ‘visitas’ ao FMI. 

Década de 2000, o Mensalão, orquestrado pelo PT-governo e até então o mais escandaloso esquema de propina do País. Já os anos 2010 têm para todos os gostos: Grave recessão, tumultos, manifestações de protestos a cada 15 dias, impeachment de Dilma, prisões em série com a Lava Jato, etc. No meio disso tudo, posse de Michel Temer e novas denúncias de corrupção.

E chegamos a 2019/20, com as falas, ações e atitudes deformadas de Jair Bolsonaro, pandemia, até aterrissar na campanha presidencial de mais baixo nível da história (2022), baseada unicamente em ataques pessoais e graves acusações de lado a lado.

O resultado são os dias conflituosos de hoje. Não só pelo País dividido, mas por ter inovado com um tipo de crise político-institucional que ainda não tínhamos visto e não sabemos onde vai dar.

O que ora se analisa e julga

A suposta trama golpista, no sentido de abolir com violência o Estado Democrático de Direito, é algo inadmissível. Diria, mesmo sem violência, o Estado Democrático de Direito não pode ser usurpado.

Entretanto, distinguir as ações de arruaceiros e depredadores, da efetiva intenção de não respeitar o resultado soberano das urnas – o que configura golpe de Estado – é missão árdua a qual o STF está se debruçando.

Mas a questão é complexa e envolve aspectos pretéritos, visto que recua às manifestações pacíficas na porta dos quartéis, antes mesmo da posse do presidente Lula da Silva. Conforme garantido pela Constituição Federal e pela Lei nº 13.838/2019, não havendo violência, dano ou subversão à norma vigente, a liberdade de expressão, bem como a manifestação crítica aos poderes constitucionais, é um direito fundamental do cidadão, mesmo sendo contrárias aos interesses de determinadas autoridades.

Contudo, a liberdade de se expressar não é absoluta ou infinita. Cada qual é responsável por seus atos, sendo vetado a prática de crimes ou ofensa à honra. Daí ser uma análise que exige profunda reflexão da Justiça.

A trama

Quando se diz que o momento é único e de difícil julgamento, sugere-se a dificuldade em estabelecer, com provas inquestionáveis, se houve uma trama de golpe de Estado e se as invasões e depredações dispunham de efetivas condições práticas para levar adiante o golpe. São questões sutis, com margem a interpretações. Mas, se houve uma trama golpista, que se puna os responsáveis.

O fatídico 8 de janeiro

Cabe ao poder Judiciário averiguar – afastadas ideologias, impressões pessoais e, em especial, sem qualquer preconceito – se todas, frise-se, todas aquelas pessoas que ali estavam planejaram e intentaram um golpe de Estado ou, se ao menos em parte, as invasões configuram crimes de menor potencial ofensivo, como pichações, depredações, etc.

Na visão do ministro Alexandre de Moraes, não. Os crimes do 8 de janeiro caracterizaram um ataque frontal e gravíssimo, contra à democracia e às instituições brasileiras: Abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Golpe de Estado. Dano qualificado pela violência e grave ameaça. Deterioração de patrimônio tombado. Associação criminosa armada.

Mas, pergunta-se: todos os que invadiram os prédios da Praça dos Três Poderes tinham possibilidade e capacidade de dar o golpe? Não há diferença entre os supostos mentores da trama – os aliados do ex-presidente, generais, ministros e gente poderosa – de outras centenas de pessoas processadas e condenadas, como a cabeleireira Débora dos Santos, mãe de dois filhos, condenada a 14 anos, já tendo cumprido dois em regime fechado. (Atualmente está em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica).

Temer: “Golpe só com as Forças Armadas”

O ex-presidente Michel Temer, que nomeou Alexandre de Moraes ministro da Justiça de seu governo e, depois, o indicou para o cargo de ministro do STF, disse em novembro de 2024, conforme amplamente divulgado pela imprensa, o seguinte:

— Convenhamos, um golpe para valer você só tem quando as Forças Armadas estão dispostas a fazer. Se as Forças Armadas não estiverem dispostas a fazer, não há golpe – afirmou.

O ex-presidente, que apesar das denúncias de corrupção apresentadas pela PGR tirou o Brasil da recessão econômica criada no governo Dilma, comparou o 8 de janeiro com atos similares, não-pacíficos, ocorridos durante seu governo:

Invadiram os prédios agora no 8 de janeiro, mas no meu governo quando nós cuidávamos da reforma da previdência, as centrais sindicais levaram 1600 ônibus para Brasília, incendiaram ministérios, tentaram invadir o Congresso […] — disse o ex-presidente.

Sendo ele respeitado constitucionalista, seu entendimento seria de todo descabido?

Para Fux, 1 ano e meio

Cada ministro vota segundo seu entendimento, consciência e nos limites da Constituição. Mas causa surpresa que enquanto um quer pena de 1 ano e meio, outro decide aplicar 14 anos. O ministro Luiz Fux lembrou que “Os erros autenticam a nossa humanidade. Debaixo da toga bate o coração de um homem”.

Pedindo perdão

Foi chorando bastante que Débora dos Santos gravou um vídeo em que, aos prantos, suplicou que o ministro Alexandre Moraes “de todo o coração se compadecesse” dela. Ela disse que “não fazia ideia da gravidade do ato que havida cometido”. Débora pichou com um batom a frase “Perdeu Mané”, na estátua defronte ao prédio STF.

*Pela complexidade e extensão do tema, a matéria terá continuidade na próxima edição, abordando assuntos inusitados os quais, mencionados na introdução, não se cuidou, entre eles o acordo costurado entre o Congresso e o STF.