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Após 110 dias, moradores ainda sofrem em Santo Eduardo

População reclama da Prefeitura por falta de apoio depois que mais de 90% do distrito foi parcialmente destruído

Especial J3
Por Yan Tavares
14 de julho de 2024 - 0h01

Mais de três meses após a enchente que devastou de Santo Eduardo, o recomeço ainda é uma realidade muito distante para boa parte da população local. Problemas de saúde, financeiros e psicológicos acompanham os moradores desde 23 de março, quando fortes chuvas atingiram mais de 90% das casas, no distrito situado na Região Norte de Campos, com a água chegando a três metros em alguns pontos. 

O J3News visitou Santo Eduardo na última quarta-feira (10), quando completavam 110 dias do desastre natural. A equipe de reportagem conversou com pessoas que tiveram suas residências assoladas pela inundação e ainda hoje sofrem tentando se reerguer, carentes de apoio do município para virar a chave. 

A doméstica Maria Cristina da Silva teve a casa destruída e interditada, na Rua Taurino Manoel Sales, no bairro São Sebastião. Além disso, perdeu o emprego por não ter conseguido ir até o local de trabalho na época da enchente. Com o apoio de pessoas próximas, ela e o marido lutam até hoje para recomeçar.

“A Prefeitura interditou nossa casa, falou em nos colocar no Aluguel Social. Mas aqui em Santo Eduardo é difícil isso acontecer. Então, decidimos voltar dias depois. Alguns amigos deram tijolos e cimento, meu marido está refazendo o muro e estamos ajeitando a casa aos poucos. Mas os entulhos estão se acumulando no quintal de casa e não temos para onde levar. E a rua ficou esse tempo todo do mesmo jeito, com a gente respirando toda a poeira que a enchente deixou”, relata. 

Dias após a enchente, a fotojornalista Silvana Rust registrou a casa de Maria Cristina. Em meio aos escombros, chamou a atenção uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, toda suja de barro. Na visita do J3News da última semana, a reportagem fez um novo registro, desta vez com Cristina presente na casa, ao lado da santa, que para ela representa o recomeço.

Na mesma rua, uma situação pior. O que era a residência de Etelvina Lúcia de Oliveira, hoje é um cenário de escombros apenas. Ela conta que, sem estrutura para reformar, precisou se mudar e passou a morar de aluguel:

Etelvina aguarda aluguel social

“Não conseguimos recuperar a casa para voltar até hoje. Tivemos que buscar um novo lugar para morar, agora pagando aluguel. Trabalho fazendo faxina em uma casa dois dias por semana e tenho Bolsa Família para complementar a renda. Meu marido trabalha no campo. Boa parte da nossa renda está indo para o pagamento do aluguel. Estamos com ajuda dos nossos filhos para nos manter. Já busquei o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) para tentar o Aluguel Social, mas estou aguardando resposta”, comenta.

Aos 90 anos, Dona Tereza perdeu tudo

A reportagem registrou ainda a situação de dona Terezinha de Jesus. Ela tem 90 anos e vive aos cuidados de um dos filhos. Desde a enchente, não tem guarda-roupas, entre outros móveis, além da escassez de alimentos em casa. “A Prefeitura esteve aqui, prometeu dar assistência. Mas não voltou mais”, destaca.

A dona de casa Daniella Maria de Souza é moradora da Rua da Lama, um dos locais mais atingidos pela inundação. Ela conta que a família segue à espera de um suporte financeiro através do Programa Recomeçar (iniciativa do Governo Estadual) para ter possibilidade de reerguer a casa.

“Desde a enchente, vivemos na nossa casa com medo do muro cair em cima da gente. A estrutura está toda comprometida. Mas não tivemos condições até o momento de mexer em nada. As marcas das águas ainda estão lá. Daqui a pouco faz quatro meses que isso aconteceu e seguimos esperando esse ‘Cartão Recomeçar’, que foi prometido lá atrás. Fizemos cadastro no CRAS, estamos recebendo cestas básicas da Prefeitura, mas ajuda financeira até o momento não tivemos”, explana.

O Cartão Recomeçar é um benefício pago pelo governo estadual, no valor de R$ 3 mil (parcela única), à população de baixa renda atingida por desastres decorrentes de enchentes, deslizamentos, desabamentos e incêndios. O benefício pode ser utilizado para compra de materiais de construção, mobiliário e eletrodomésticos. 

Na noite de 23 de março, mesmo dia em que Santo Eduardo amanheceu debaixo d’água, o prefeito Wladimir Garotinho (PP) anunciou em suas redes sociais que o Governo do Estado já havia entrado em contato para que as famílias do distrito fossem inseridas no projeto. Até o momento, moradores do distrito, como é o caso da Daniella Maria, declaram seguir à espera da benesse. 

Além dos escombros, problemas de saúde
Os pontos mais atingidos pela enchente em Santo Eduardo foram os  bairros São Sebastião, Departamento e Centro. E os relatos vão além das tentativas de reconstruir casas e recomeçar. Os problemas de transtornos se estenderam à saúde das pessoas. 

“Meu irmão teve pneumonia bacteriana, devido ao contato que teve com a casa e o quintal depois da enchente. Foram 14 dias internado. Pensei que ele iria morrer. E teve mais casos de pneumonia por aqui. A rua ficou com toda essa terra trazida pela enchente, no dia a dia a poeira vai subindo e a gente fica respirando isso. O que tem causado problemas respiratórios constantemente. Eu mesma tive uma alergia por conta disso. E na escola onde trabalho presenciei casos de crianças com diarréia e coceira na pele, após terem contato com a água da enchente”, conta a professora Valneia Werneck. 

No mesmo dia em que a equipe do J3News visitou o distrito, a pensionista Maria da Penha Assis voltava do centro de Campos após realizar uma tomografia, por conta de problemas respiratórios recentes:

Muita poeira|Maria da Penha sofre com problemas respiratórios

“Fiz tomografias da face e do tórax, por conta de sinusite, rinite e gripe que têm me acompanhado durante esse tempo. A rua tem muita terra, aí a casa tem que ficar toda fechada. E mesmo assim entra poeira. E com as janelas fechadas, a gente acaba inalando um ar com muita umidade que ficou nas paredes. Chegamos a pintar, mas as paredes estão úmidas até hoje e já começaram a dar mofo”, conta.

Ela conta ainda que a enchente invadiu sua residência rapidamente e a família precisou se abrigar na casa da filha, ao lado, onde a água chegou até o último degrau da escada de acesso. O terreno que abriga as duas moradias permanece sem muro. Assim como nas duas casas vizinhas, o cenário é de destruição, como se a enchente tivesse acabado de acontecer. 

“A nossa casa foi devastada. Tornou-se um local sem a menor condição de moradia. Mas ainda abriga uma parte da família. Eu hoje moro com dois filhos, pagando aluguel, em Santa Maria (distrito vizinho a Santo Eduardo). Trabalho em Bom Jesus, recebendo R$ 1,5 mil. É a nossa única renda. Tenho gastos de R$ 350 com aluguel e mais R$ 340 com passagem para ir trabalhar. Estamos nos mantendo com ajuda de familiares e amigos”, conta a técnica de enfermagem Aline Faustino.

Quem também vive uma fase de tentativa de recomeço com dificuldade é a aposentada Maria da Penha Pereira, que conta ter saído de casa com água na altura da cintura e ficado fora da residência por uma semana.

“Moro aqui com minha neta e praticamente tudo que tenho hoje em casa é fruto de doação. A Prefeitura tem nos ajudado durante esse tempo com cestas básicas. Mas o que tem sido difícil é a questão da saúde. Tenho apenas minha aposentadoria e gasto muito com remédios, em especial de ansiedade. Um dos meus netos também sofre de ansiedade e teve problemas respiratórios durante esse tempo. Além disso, vivemos com medo da parede de um dos quartos cair, pela rachadura causada pela enchente. Têm sido tempos difíceis”, declarou.

Córrego que causou enchente ainda não foi limpo
As casas do bairro Departamento, fortemente afetadas pela enchente, ficam situadas próximas ao córrego que transbordou no fim de março. Até os dias atuais, o córrego não recebeu nenhuma ação de limpeza.

A reportagem registrou, na última semana, vários entulhos em meio às águas. Como por exemplo, um sofá. Desta forma, assim como em boa parte das casas, no córrego do distrito o cenário ainda é o mesmo de quase quatro meses atrás.

O J3News solicitou posicionamento da Prefeitura sobre as queixas relacionadas ao Aluguel Social, promessa de Cartão Recomeçar, falta de limpeza nas ruas e desobstrução do córrego, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.

Uma resposta também foi solicitada ao Governo do Estado sobre o programa Recomeçar. Em nota, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos informou que o município de Campos dos Goytacazes solicitou 574 cartões que estão sendo analisados para a entrega.

Confira o esclarecimento na íntegra:

“A Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos distribui o Recomeçar de acordo com os encaminhamentos feitos pelas prefeituras. O Estado não especifica por bairro, não temos esse encaminhamento, recebemos as listagens de possíveis beneficiários das prefeituras, os dados são então, averiguados pelo PRODERJ para análise se estão de acordo com as normas do Decreto.

O município de Campos dos Goytacazes solicitou 574 cartões que estão sendo analisados para a entrega. O Governo do Estado já beneficiou mais de 31 mil famílias em 2024.”

Ruas lavadas 110 dias depois

A reportagem apurou que algumas ruas de Santo Eduardo foram lavadas na última quarta-feira (10), após diversas solicitações dos moradores e 110 dias de espera. A Prefeitura, porém, não respondeu ao J3 sobre isso.