O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Macaé, ajuizou duas ações civis públicas contra o ex-prefeito de Quissamã Armando Cunha Carneiro da Silva (PSB) e de sua mulher, a vereadora Alexandra Moreira Gomes, eleita pelo PSC. De acordo com o PM-RJ, ambas as ações foram motivadas por fatos apurados em inquéritos civis instaurados para investigar viagens aéreas ao exterior realizadas pelo casal. Em decorrência das ações, o MP-RJ chegou a pedir o afastamento da vereadora e indisponibilidade de seus bens, mas a juíza da Vara Única da Comarca de Carapebus-Quissamã, Kathy Byron Alves dos Santos, negou. Contudo, a magistrada ordenou que fosse depositado em juízo um caução de R$ 10.772,50, valor do suposto prejuízo — estimado no inquérito — que teria sido causado pelas viagens.
Na primeira ação, por improbidade administrativa, o MPRJ requereu a indisponibilidade dos bens dos réus e o afastamento cautelar de Alexandra dos cargos de vereadora e servidora da Câmara Municipal de Quissamã. De acordo com as investigações, em novembro de 2010, a vereadora, quando no exercício do cargo de Secretária Municipal de Saúde, viajou oficialmente para a Colômbia, contudo estendeu sua estadia naquele país por três dias úteis, indo para a ilha do caribe de San Andrés, sem que tenha usufruído de férias ou outro tipo de afastamento do cargo durante tais dias.
Segundo a ação civil pública, nenhuma parte da viagem de Armando para a Colômbia foi oficial, uma vez que ele não transmitiu o cargo para o vice-prefeito no período de sete dias em que esteve ausente. Para o MPRJ, o fato de terem recebido remuneração por dias não trabalhados, nos quais se encontravam em viagem particular para o exterior configura ato de improbidade administrativa que causou enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário.
Também de acordo com o MP-RJ, o pedido de afastamento da vereadora foi fundamentado em provas de falsificação de documento público. Para os promotores, o e-ticket apresentado no processo de liquidação e pagamento da despesa pública teria omitido os trechos aéreos para o Caribe, divergindo do e-ticket apresentado pela própria agência contratada para prestar o serviço, bem como divergindo dos relatórios migratórios de entrada e saída do Brasil fornecidos pela Polícia Federal.
“A falsificação de documento apresentado em processo administrativo demonstra descaso pela legalidade e indica a concreta possibilidade de que a demandada, na qualidade de Vereadora ou de servidora pública, valha-se de todos os meios para obstaculizar a instrução da presente ação, inclusive falsificando outros documentos.”, diz a inicial ao fundamentar o pedido de afastamento.
A ação imputa a Alexandra um ato de improbidade autônomo, uma vez que foi a única beneficiária da falsificação documental. O documento falsificado foi utilizado no processo administrativo para pagamento da passagem aérea supostamente dela, mas que de fato, era inexistente.
“Por ter o Município realizado o pagamento de um e-ticket em nome de Alexandra que nunca existiu, o MP-RJ requer que ela seja condenada pelo ressarcimento do valor da passagem. O MP-RJ pede a condenação dos réus ao ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público, que chegam ao valor total atualizado de R$ 10.772,50”, afirmou o PM-RJ.
Defesa — Tanto Alexandra quanto Armando consideraram as ações civis públicas absurdas. Armando afirmou que, durante suas ausências, o cargo de prefeito foi passado para então vice Jorge da Silva Pinto Filho, em decretos aprovados pela Câmara Municipal de Quissamã.
“No caso da ida à Colômbia, eu estava em viagem oficial, pois fui receber o VII Prêmio Ibero-americano se Cidades Digitais pelo nosso projeto Internet Cidadão. São ações absurdas, pois não houve prejuízo ao erário e o cargo foi, sim, passado ao meu vice, conforme provam os decretos para este fim aprovados pela Câmara”, ressaltou Carneiro.
Alexandra afirmou que parte de sua viagem também foi oficial, já que, na época, era Secretária de Saúde e o projeto de internet também beneficiava unidades do órgão em que era gestora. A vereadora afirma, também, que no período visitou escolas e unidades de Saúde da Colômbia.
“Fui acompanhando o Sr. prefeito Armando e o secretário de Governo da época. Quissamã recebeu o prêmio de Cidade Digital e por dotar várias unidades de Saúde com internet. Conhecemos, inclusive, o projeto de inclusão digital feito em Medellín. No final de semana que se seguiu a esta agenda, fui a San Andrés, que fica na Colômbia, e paguei com cartão de crédito todas as despesas de passagem, hospedagem e alimentação”, comentou.
Agravo de instrumento
Ao apreciar o pedido liminar da ação civil pública, o juízo da Vara Única da Comarca de Carapebus- Quissamã deferiu as diligências requeridas pelo Ministério Público e indeferiu o afastamento da vereadora bem como a indisponibilidade de bens, sob o argumento de que teria que ser ofertado aos réus prazo para oferecimento de caução.
“Assim, indefiro, por ora, a indisponibilidade de bens. Faculto aos réus (marido e mulher, segundo a inicial) que, em cinco dias de sua intimação, prestem caução em dinheiro ao Juízo, depositando nestes autos o valor do prejuízo estimado (R$ 10.772,50). Decorrido o prazo, certifique-se nos autos quanto ao depósito e voltem-me para reapreciação”, destaca a decisão.
Por entender que a caução é incompatível com a sistemática da lei de improbidade administrativa, bem como o fato de que não é o valor do prejuízo material que determina a severidade da conduta dos demandados, mas sim o grau de afronta aos princípios da administração pública, o MP-RJ interpôs agravo de instrumento.
“Entender a gravidade de um ato restrita ao valor do dano causado, ignorando a seriedade da violação a princípios da administração pública é raciocínio jurídico limitado ao direito civil clássico, no qual se trabalha com dano e ressarcimento”, ressalta o agravo, destacando não ser esta a lógica do direito público ou da improbidade administrativa.
“O ato de falsificação de um documento público em um processo administrativo público para beneficiar um agente político, ainda que fosse despido de consequência patrimonial e visasse apenas a preservar a imagem política do agente, omitindo que viajou para o Caribe em dias úteis enquanto estava recebendo do Município para trabalhar, é de elevada gravidade”, considera no documento a 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Macaé.
Viagem aos EUA
Derivada dos mesmos inquéritos civis, a outra ACP, para ressarcimento ao erário, refere-se a viagem particular realizada por Alexandra e Armando para os Estados Unidos, também em 2010. Incluindo a visita a parques temáticos, a estada nos EUA se deu em dias úteis, sem que estivessem gozando férias ou que houvesse outra causa para o afastamento do cargo ou da função pública no período. Pela mesma viagem e pelos mesmos motivos, são réus no processo dois assessores do município na época.
“Ao terem recebido remuneração do Município de Quissamã por dias não trabalhados, uma vez que estavam em viagem particular para o exterior sem qualquer causa jurídica válida para o afastamento do cargo ou função pública no período, não resta válido o pagamento da remuneração, devendo tais valores ser ressarcidos ao ente público, sob pena de enriquecimento sem causa dos demandados”, observa a ação.
Sobre a viagem aos EUA, Armando disse que o cargo também foi passado ao seu vice e Alexandra afirmou que não recebeu pelos dias em que esteve afastada do cargo de secretária de Saúde.