No meio do caminho tinha um poste. Tinha um poste no meio do caminho. Os deficientes visuais que caminham pelo Centro Histórico de Campos compreendem bem o poema de Carlos Drummond de Andrade, parafraseado acima. Isso porque, no meio do caminho dos pisos táteis implantados durante o governo Rosinha Garotinho, permanecem os postes de energia elétrica e de telefonia e, caso os deficientes sigam a orientação dos pisos, ele vão se deparar com esse grande obstáculo.
Em 2017, as obras do Centro Histórico de Campos completam cinco anos, desde as primeiras intervenções. O projeto escolhido por Rosinha previa uma série de melhorias, entre elas estratégias para contribuir com a acessibilidade.
A implantação de pisos táteis, por exemplo, foi comemorada porque, em tese, proporcionaria mais autonomia aos deficientes visuais. No entanto, esses pisos mais parecem um item decorativo sem utilidade prática porque os postes não foram retirados, como havia sido prometido, e ainda atrapalham a passagem daqueles que não enxergam.
Esse desafio, o músico Alcemir da Cruz Belmiro, de 35 anos, enfrenta todos os dias. Ele, que perdeu a visão aos 21 anos, precisou passar por um longo processo de adaptação antes de se aventurar pelas ruas de Campos. Hoje, mais seguro, ele caminha por toda a cidade, mas ainda depende da boa vontade de outras pessoas quando se depara com esses empecilhos no trajeto.
“Todos os deficientes sonham com a independência. Quando soube da implantação dos pisos táteis, pensei que eu teria mais autonomia e facilidade para caminhar pelo Centro Histórico, mas não foi o que aconteceu. A verdade é que eu não me guio pelos pisos para andar em linha reta porque eles não são tão úteis, principalmente devido a esses obstáculos. Além disso, os pisos táteis foram instalados somente em alguns trechos, então eu ainda sou uma pessoa dependente, infelizmente”, lamenta.
Alcemir ainda questionou a atitude da população diante desses pisos táteis. Segundo ele, muitos sequer sabem a utilidade desse relevo nas calçadas e outros agem de forma ainda mais imprudente: estacionam bicicletas também no meio do caminho. Durante a reportagem do jornal Terceira Via, na Rua Teotônio Ferreira de Araújo, Alcemir e a equipe encontraram uma bicicleta apoiada em um poste exatamente onde há os pisos de acessibilidade.
O dono do veículo pediu desculpas e disse o que os deficientes já sabiam: “Eu pensava que esse piso era para enfeitar”.
Retirada dos Postes
O projeto de revitalização do Centro Histórico previa que, no término da obra, fosse também efetuada, de forma gradativa, a substituição da rede elétrica aérea com implantação de caixas subterrâneas e tubos de passagem de cabo da rede elétrica, telefonia, internet, TV, entre outros.
Segundo o presidente da Associação dos Comerciantes da Rua João Pessoa e Adjacências (Cajopa), João Waked, há cerca de seis meses ele foi informado por engenheiros da Imbeg (empresa de construção civil responsável pelas obras), que dos 145 postes do Centro Histórico de Campos, 22 já estariam prontos para serem retirados. No entanto, os engenheiros afirmaram que a responsabilidade pela retirada desses postes e da transferência da fiação aérea pela subterrânea é da Enel Distribuidora Rio (antiga Ampla).
“É triste saber que a obra está praticamente concluída, que foi feito um investimento ‘pesado’ pela Prefeitura de Campos, mas que esse investimento não foi colocado em prática. Enquanto a luz está funcionando e os comerciantes estão pagando, parece que estátudo bem”, lamentou o presidente.
Resposta da Enel (Antiga Ampla)
Em nota, a Enel Distribuição Rio informou que “a Prefeitura de Campos executou a obra civil e eletromecânica de fiação subterrânea do Centro Histórico sem que o projeto fosse previamente aprovado pela distribuidora de energia, o que é necessário em casos de obras que afetem a rede elétrica”. Por este motivo, “uma vistoria técnica feita pela companhia detectou diversas inconformidades na execução do serviço, que deverão ser reparadas pelo governo municipal”. Dessa forma, a Enel Distribuição Rio esclareceu que “a rede aérea só poderá ser retirada quando os reparos forem feitos pelo município”.
Resposta da Prefeitura de Campos
De acordo com a Superintendência de Comunicação Social, responsável por emitir notas oficiais no Governo Rosinha, “nos últimos anos, muitas calçadas de ruas e praças receberam acessibilidade com pisos táteis”.
Quanto à retirada dos postes no Centro Histórico, a Superintendência se limitou a responder que “a última etapa dessa obra será a conversão da rede elétrica aérea para a subterrânea, o que acarretará na retirada dos postes, permitindo a passagem de forma regular”.
Centro Histórico de Campos
As obras de revitalização, orçadas em R$ 65,4 milhões começaram em junho de 2012 e tinham prazo de conclusão de três anos. Entre as intervenções previstas no projeto, estavam a reforma do sistema de drenagem, pavimentação e conversão das redes concessionárias de iluminação e telefonia, além de melhorias nas condições do asfalto, das galerias pluviais e da rede de esgoto.
Outras intervenções incluídas no projeto original eram: a adequação das calçadas para pedestres, arborização, construção de plataformas de travessia nos cruzamentos, facilitando a locomoção dos cadeirantes, além de requalificação de áreas verdes e padronização do tamanho dos letreiros das lojas. Essa revitalização é um sonho antigo dos comerciantes do Centro Histórico que esperavam trabalhar em um local com infraestrutura adequada e acessibilidade.
Pisos Táteis
Os pisos táteis são diferenciados em textura e cor dos outros ao redor, nas calçadas ou ruas. Esse tipo de piso tem a função de orientar pessoas com deficiência visual ou baixa visão, dando mais autonomia e segurança. Existem dois tipos de piso tátil: piso tátil de alerta e piso tátil direcional. O piso tátil de alerta tem “bolinhas” em revelo e é instalado no início e fim de escadas e rampas; em frente à porta de elevadores; em rampas de acesso às calçadas ou mesmo para alertar quanto a um obstáculo. Já a função do piso tátil direcional é orientar o trajeto.