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Poluição visual esconde prédios centenários de Campos

Obra para instalar fiação subterrânea começou em 2012, mas não foi concluída

Especial J3
Por Cíntia Barreto
21 de abril de 2024 - 9h00
Foto: Josh

O Centro de Campos abriga muitos prédios históricos que contam, através de suas construções, memórias centenárias da maior cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro. Entretanto, a beleza do Centro Histórico do município é escondida pela poluição visual que está presente por toda parte. A Lei nº 9.121, sancionada em 1º de dezembro de 2021, prevê a ordenação do espaço público especificamente em relação ao posicionamento e alinhamento de todas as fiações. Mas, mesmo com tal legislação, é suficiente dar um passeio pela região central para encontrar milhares de fios embolados, soltos e caídos que formam um caos visual.

Emaranhado|Fios de operadoras de telefonia, Internet, TV, entre outras, poluem a área central da cidade (Foto: Josh)

Prédios como do Solar do Visconde de Araruama – que hoje é a sede do Museu Histórico de Campos-, do Hotel Gaspar – onde foi a Residência do Comendador Paraíba-, da Lyra de Apolo- local que abriga a banda mais antiga do município, com mais de 150 anos de existência -, entre outros, têm suas fachadas totalmente tapadas pelos fios de energia elétrica, telefonia, TV, internet, além dos letreiros de lojas, pequenos, grandes, coloridos e não padronizados. Algo que cidades que valorizam sua história já superaram há tempos.

Urbanista|Renato Siqueira (Foto: Arquivo J3News)

“Podemos citar, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Paraty, Curitiba, Praia Costa Azul, que fica em Rio das Ostras. Também há exemplos internacionais, como Barcelona, Londres, Amsterdã, Washington e Paris, esta desde a década de 1960 não possui cabeamento aéreo”, detalhou o arquiteto e urbanista Renato Siqueira.

Ele também chama atenção para o potencial turístico do Centro de Campos, que é um grande concentrador de prédios históricos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município é considerado um museu a céu aberto – ficando atrás só da cidade do Rio de Janeiro em quantidade de edificações de estilo eclético. “Em especial, na Praça São Salvador, é possível percorrer um século de arquitetura apenas com a mudança de olhar. Se nos posicionarmos de costas para a Catedral, com o olhar para o Rio Paraíba, à esquerda está um conjunto de edificações do século XIX; ao mudar o olhar para o lado direito, está um conjunto de edificações do século XX. Isso é outro diferencial que poderia ser explorado como potencial turístico. Desconheço no mundo outro ambiente urbano que ofereça esta experiência”, afirmou.

Historiadora|Graziela Escocard (Foto: Arquivo J3News)

A historiadora Graziela Escocard também ressalta a importância dos prédios para a valorização da memória do município. Para ela, a poluição visual no Centro de Campos impede não só os turistas de conhecerem a cidade, mas até mesmo os próprios campistas de enxergarem a sua história. “Os fios e postes na paisagem são como ruído em uma sinfonia visual, obscurecendo a beleza dos prédios históricos e desviando o olhar das pessoas no dia a dia, deixando assim de despertar o interesse da população e de visitantes para o turismo histórico da cidade. Esses prédios do passado fazem parte da nossa construção histórica e contribuíram para moldar nossa memória e identidade”, disse.

Obra em 2012
A obra de revitalização do Centro Histórico de Campos, orçada em R$ 65,4 milhões, começou em junho de 2012, um compromisso firmado no governo Rosinha Garotinho. A expectativa era de que a beleza arquitetônica da região fosse valorizada de modo a explorar o seu potencial turístico. Entre as intervenções estava prevista a retirada dos postes para implantação de dutos de fiação subterrânea, o que permitiria melhor visibilidade dos prédios localizados principalmente no Boulevard Francisco de Paula Carneiro, o Calçadão de Campos. Contudo, essa mudança, que beneficiaria comerciantes e consumidores, ficou na promessa.

Sobre tais obras, a Enel Distribuição Rio explicou que, conforme resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), projetos especiais para remoção ou realocação de postes, entre outras questões estéticas, devem ser custeados pela parte solicitante, então, neste caso, a Prefeitura de Campos. 

“O projeto realizado no Centro deste município não foi aprovado pela Enel previamente e, mesmo após o entendimento para a realização de ajustes, tais adequações não foram realizadas pelos responsáveis pela obra. Como a rede subterrânea não pôde ser energizada, os postes da Enel e a rede aérea foram mantidos, fornecendo energia para a localidade.”

 O urbanista Renato Siqueira lembra que, em se tratando do cabeamento, há uma concessão feita à Enel, a qual a mesma possui obrigações contratuais de manutenção e estabilidade no fornecimento de energia. 

“Porém, isso não a obriga fazer a retirada dos cabos aéreos, por exemplo, exceto por definição ajustada com o poder público local, a exemplo do pretendido no Centro Histórico, processo complexo até hoje não plenamente executado. Quanto aos aspectos visuais de letreiros, a Prefeitura poderia elaborar um manual de ordenamento das edificações, onde seriam padronizados, tanto a instalação, modelo e meios de manutenção destes elementos, a exemplo do que foi feito no Corredor Cultural do Centro Histórico da cidade do Rio de Janeiro.”

A equipe de reportagem do J3News solicitou diversas informações relacionadas ao desordenamento de fiações no centro da cidade. A Prefeitura foi questionada sobre a responsabilidade de fiscalizar a Lei 9.121, quais são os obstáculos para a instalação subterrânea das fiações, como também se há planos para remover esses fios e se o novo projeto de revitalização do Centro inclui essa mudança. No entanto, o poder público municipal não respondeu com clareza aos questionamentos.

“A Prefeitura está empenhada em desenvolver ações integradas com gestores de diferentes órgãos, com objetivo de alinhar atividades que envolvam obras e serviços para reordenamento do trânsito, limpeza, segurança, além de iluminação e postura na área central da cidade, especialmente, Centro Histórico. Há pouco mais de um mês, a Prefeitura realizou reunião neste sentido, contando com a participação de várias secretarias municipais. A decisão da gestão Wladimir é de fomentar a revitalização do Centro Histórico da cidade, trazendo benefícios para vários segmentos e população em geral.”

Lei municipal
O prefeito de Campos, Wladimir Garotinho, sancionou a lei Nº 9.121, de 1º de dezembro de 2021, que “dispõe sobre a obrigatoriedade da concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica e demais empresas ocupantes de sua infraestrutura a promover a regularização e a retirada dos fios inutilizados, em vias públicas”. No entanto, na prática, a legislação parece não funcionar e nem ser fiscalizada.

Em seu artigo 1º, o dispositivo legal diz que “fica a concessionária, detentora da infraestrutura de postes, obrigada a observar o correto uso do espaço público de forma ordenada em relação ao posicionamento e alinhamento de todas as fiações e equipamentos instalados em seus postes, para isso respeitando rigorosamente as normas técnicas aplicáveis”.  

Caos|Desordenamento de fios (Foto: Arquivo J3News)

Enel
A concessionária de energia Enel informou que o compartilhamento da infraestrutura entre as concessionárias do setor elétrico e as operadoras de telecom está previsto em regulamentação federal, por meio da resolução conjunta Aneel/Anatel nº 4/2014. “A normativa estabelece, de forma clara, que a responsabilidade pela regularização dos cabos de internet e telefonia instalados nos postes das distribuidoras de energia elétrica é das operadoras de telecomunicações”, diz a nota.

Sobre o desordenamento de fios no Centro de Campos, a distribuidora acrescentou que realiza a fiscalização e, ao identificar irregularidades e situações de risco, notifica as empresas e concede prazo para a regularização. “Passado o prazo, cabos em situação de risco podem ser removidos dos postes da Enel, assim como a fiação com propriedade não identificada. Nos casos em que há irregularidades técnicas ou fios emaranhados de empresas parceiras, a Enel atua, em parceria com a prefeitura, para a remoção desses fios”, pontuou a empresa esclarecendo ainda que nos próximos meses tem programação de atuação em diversos endereços da cidade, como Avenida 7 de Setembro, Avenida Pelinca, Rua Barão de Amazonas, entre outros.