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Leilão da Cedae: quatro consórcios estão na disputa e a arrecadação mínima prevista é de R$ 10,6 bilhões

Quatro consórcios empresariais farão propostas de compra; segurança é um dos principais desafios para beneficiar a população fluminense até 2033

Estado do RJ
Por Redação
30 de abril de 2021 - 12h01
Fachada do edifício-sede da Cedae

Emblemático e superlativo. Esses são os termos que, segundo especialistas, caracterizam o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), previsto para a tarde desta sexta-feira (30), na sede da Bolsa de Valores (B3), em São Paulo.

De acordo com o governo federal, a concessão da Cedae é o maior e mais importante projeto de infraestrutura no país dos últimos tempos — e não há outro semelhante à vista.

“A gente não vai ter no país, no curto prazo, algo parecido com esse leilão da Cedae. Não porque o país não tenha projetos grandes, mas porque esse é realmente muito grande e é feito na segunda maior cidade brasileira sob o ponto de vista de relevância econômica”, afirmou o chefe do Departamento de Concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) do BNDES, Guilherme Albuquerque.

Leilão da Cedae é emblemático:

É o primeiro megaprojeto de concessão após regulamentação do novo marco regulatório do saneamento;

Envolve cifras bilionárias;

Tem um modelo inovador no país, ao dividir um mesmo município em concessões distintas (

Põe fim a quatro anos de batalhas políticas e jurídicas desde que o estado ingressou no Regime de Recuperação Fiscal da União (a venda da Cedae era condição do programa);

Acontece após mais de um ano em que parte da população fluminense é abastecida com água de má qualidade, em uma das piores crises hídricas da história do estado.

O leilão propõe mudar completamente os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da capital fluminense e de outros 34 municípios do estado que foram divididos em quatro blocos para serem concedidos à iniciativa privada pelo prazo de 35 anos.

A Cedae atende 64 dos 92 municípios do Rio. Os demais 28 ou já tinham concedido individualmente o saneamento à iniciativa privada — exemplo de Niterói — ou já faziam parte de um consórcio, caso da Região dos Lagos.

Já as 30 prefeituras da área de atuação da Cedae que estão fora projeto de concessão não manifestaram interesse em aderir ao plano do BNDES. Elas terão de arcar, por conta própria, com a distribuição da água potável e a coleta e tratamento de esgoto.

Estação da Cedae em Guandu, RJ (Reprodução)

A concessão da Cedae em 10 pontos

A Cedae não será totalmente privatizada. Uma parte dela continuará estatal e responsável pela captação e tratamento da água – as concessionárias vão comprar a água do estado para distribuir à população.

Apenas os serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário serão concedidos, pelo prazo de 35 anos, à iniciativa privada.

As áreas geográficas de atuação da Cedae foram divididas em quatro blocos, que serão leiloados separadamente. Cada um abrange uma região da capital e um conjunto de municípios, no modelo “filé e osso”.

Ao todo, 35 municípios, incluída a capital, terão os serviços de distribuição de água e coleta de esgoto concedidos à iniciativa privada.

Parte do dinheiro arrecadado no leilão terá, obrigatoriamente, que ser investido pelo estado em projetos de despoluição: R$ 2,6 bilhões na Baía de Guanabara, R$ 2,9 bilhões na Bacia do Guandu e R$ 250 milhões no complexo lagunar da Barra da Tijuca.

As empresas que vencerem o leilão terão como principal meta universalizar os serviços até 2033. Para isso, terão que investir cerca de R$ 30 bilhões em infraestrutura de água e esgoto, sendo R$ 12 bilhões nos cinco primeiros anos.

Também será obrigatório o investimento mínimo de R$ 1,86 bilhão na infraestrutura de favelas.

Metas intermediárias rígidas e periódicas terão que ser cumprida pelas concessionárias sob pena de diversas sanções, que incluem multa e até a perda do contrato.

O contrato veta aumento real das tarifas cobradas dos consumidores – só será permitido o reajuste anual da inflação, cujo índice será definido pela agência reguladora.

O contrato também prevê que tarifa social terá que ser ampliada de 0,57% para, no mínimo, 5% da população.

Ao todo, 12 empresas, nacionais e estrangeiras, demonstraram interesse pelo projeto. Mas para a disputa final foram formados quatro consórcios empresariais, cada um liderado por grandes investidores. As propostas formalizadas por cada um deles serão conhecidas durante a sessão pública do leilão.

A Cedae, última grande estatal do Rio de Janeiro, não será extinta com o leilão. Uma parte dela será mantida sob a governança do estado, que continuará responsável pela gestão e produção da água.

Juntos, o poder público e os futuros concessionários terão um imenso desafio a superar para garantir a universalização dos serviços até 2033, principal meta do projeto.

Modelo ‘filé e osso’: entenda como é o projeto de concessão da Cedae

Segundo o BNDES, um dos principais critérios para a divisão das áreas da Cedae foi garantir que todas as cidades envolvidas no projeto de concessão sejam efetivamente beneficiadas. Cada um dos quatro blocos contêm tanto o “filé” quanto o “osso” do saneamento do estado.

Dos 92 municípios do Rio de Janeiro, 35 serão afetados pelo leilão da Cedae. Entre eles, há grandes diferenças sociais, econômicas e ambientais que tornam alguns muito atrativos à iniciativa privada, dado o potencial de arrecadação financeira, e outros pouco atrativos, tendo em vista a necessidade de maiores investimentos e menor retorno econômico.

“Com o investimento privado, se consegue oferecer saneamento para quem, sozinho, não teria condições de ter o serviço. Então, a nossa principal preocupação era não deixar ninguém para trás”, afirmou Guilherme Albuquerque, do BNDES.

O Bloco 1, por exemplo, o mais caro entre os quatro (lance mínimo de mais de R$ 4 bilhões), é o que tem o maior número de municípios, 18 no total. Entre elas está São Gonçalo, que é a segunda mais populosa do estado, com mais de 1 milhão de habitantes, e São Sebastião do Alto, que tem pouco mais de 9,3 mil habitantes.

Um leilão superlativo: esgoto mais caro que petróleo

Todos os números que envolvem a concessão da Cedae permitem chamá-lo de um megaleilão, principalmente os que envolvem cifras, bilionárias em sua maioria. Em termos financeiros, o leilão da Cedae é maior que os de exploração de petróleo na camada pré-sal, que é um dos maiores reservatórios do combustível fóssil mais disputados do planeta.

A arrecadação mínima prevista com a concessão dos quatro blocos da Cedae é de aproximadamente R$ 10,6 bilhões. Já o investimento obrigatório das empresas vencedoras é da ordem de R$ 30 bilhões. Em 2018, um leilão de quatro blocos do pré-sal rendeu à União a arrecadação de aproximadamente R$ 6,8 bilhões e os investimentos previstos para as áreas eram de R$ 1 bilhão.

Escassez de água é frequente no Estado do Rio de janeiro

Veja outros 7 dados superlativos do leilão da Cedae:

R$ 12 bilhões terão que ser investidos pelas concessionárias nos cinco primeiros anos;

Em 12 anos, o investimento obrigatório é de cerca de R$ 25 bilhões;

Mais de R$ 5,7 bilhões terão que ser investidos nos cinco primeiros anos na despoluição da Baía de Guanabara, na Bacia do Guandu e no Complexo Lagunar da Barra da Tijuca;

Pelo menos R$ 1,8 bilhão terá que ser investido na infraestrutura de favelas;

A concessão dos quatro blocos vai afetar a vida de mais de 13 milhões de pessoas;

Cerca de 46 mil postos de trabalho, diretos e indiretos, deverão ser gerados no estado pelas obras e serviços relacionados à concessão;

Mais de 3,6 mil visitas técnicas às instalações da Cedae foram realizadas pelas 12 empresas que demonstraram interesse pelo projeto;

A disputa

A sessão pública de apresentação das ofertas aos quatro blocos leiloados está prevista para começar às 14h desta sexta-feira, na sede da Bolsa de Valores (B3), em São Paulo. Por causa da pandemia, a presença física será limitada.

Cada bloco leiloado tem um preço mínimo, chamado de valor de outorga, que varia de R$ 908 milhões a R$ 4,036 bilhões. Vence a disputa a empresa ou consórcio que oferecer o lance mais alto.

O resultado deverá ser anunciado rapidamente, tento em vista que são apenas quatro blocos e que o processo do leilão é dinâmico. As ofertas já foram entregues à B3 e serão abertas durante a sessão. A apuração do lance mais alto é realizada em pouco tempo.

Grandes grupos econômicos estão no páreo

Conforme reportagem do Jornal O Globo, quatro consórcios empresariais farão propostas neste leilão. Eles são formados por grandes grupos econômicos do país e fundos de investimentos internacionais. Ainda segundo apurado pelo jornal, um dos blocos licitados terá oferta de apenas um dos concorrentes.

Segundo a reportagem, um dos destaques entre os consórcios é a Sabesp, empresa pública de saneamento controlada pelo governo de São Paulo. Ela integra o consórcio liderado pela Iguá Saneamento, que é controlada por um fundo de investimentos e tem entre os sócios o Bndespar, fundo de investimentos do BNDES, e já tem 18 contratos de saneamento no país, incluindo quatro parcerias público-privadas (PPPs). Este consórcio estaria interessado nos lotes 1 e 2.

Os outros três consórcios que participam da disputa são:

Egea, formado por 47 empresas e liderado por uma companhia fundada em 2010 que tem contratos de concessão de água e esgoto em 126 municípios. Este grupo é controlado pela Equipav e tem ainda como acionistas o Fundo Soberano de Cingapura e o grupo Itaú (Itaú/SA). Este consórcio teria propostas para os quatro blocos ofertados, sendo o único interessado no bloco 3.

Redentor, liderado pelo Grupo Equatorial, que reúne, entre outros acionistas, a Squadra Investimentos, o Opportunity e o fundo americano Black Rock, que gere ativos de mais de US$ 20 bilhões em todo o mundo. Este consórcio faz a gestão de empresas de energia no Norte e Nordeste do país e tem participações em companhias de distribuição e termoelétricas. Os blocos de interesse dele seriam o 1, o 2 e o 4.

Rio Mais Saneamento, cujo controle acionário é do grupo canadense Brookfield Business Partners LP e tem entre os participantes a BRK Ambiental, que opera concessões e PPPs em mais de cem cidades e participa da concorrência ao lado do Grupo Águas do Brasil, que opera projetos de concessão em Niterói e na Zona Oeste da capital. Este consórcio também teria interesse nos blocos 1, 2 e 4.

Desafios imensos e metas rígidas

Alcançar a universalização do saneamento básico dos 35 municípios sob atuação, até então, da Cedae, é o principal objetivo do projeto de concessão da empresa. O prazo é relativamente curto, de apenas 12 anos — até 2033, 90% do esgoto terá que ser coletado e tratado e 99% da população terá que ter abastecimento com água tratada. O desafio é imenso, considerando os dados atuais, e os obstáculos, inúmeros.

Atualmente, mais de 1,6 milhão de pessoas não têm acesso a água potável no RJ, o que corresponde a 9,5% da população.

A situação do esgotamento sanitário é ainda pior: quase 6 milhões de pessoas, ou seja, mais de 1/3 (34,7%) da população não vive em áreas com coleta de esgoto.

Segundo o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, um dos principais obstáculos para o abastecimento de água é a qualidade dela.

“A água será produzida e vendida pela própria Cedae. Então, é importante que haja uma melhoria da qualidade da água que será fornecida pela própria empresa pública. Este é um dos maiores desafios”, enfatizou.

Desde o começo de 2020 parte da população fluminense, sobretudo a da capital, recebe água com cor escura, cheiro e gosto ruins. Testes feito a pedido do RJ1 mostraram que em um ano dessa crise, a contaminação da água do sistema Guandu, que abastece a maioria das cidades atendidas pela Cedae, mais que dobrou.

A situação calamitosa ficou conhecida como a Crise da Geosmina, substância apontada como a responsável pela alteração das características da água fornecida pela Cedae. Ela é produzida por algas que se reproduzem no esgoto. E os principais mananciais que abastecem o estado estão poluídos.

Outro obstáculo para o abastecimento de água, segundo o presidente do Trata Brasil, depende do poder público na área de segurança pública. Isso porque a Cedae, segundo ele, perde quase a metade da água lançada na rede de distribuição devido a vazamentos, provocados pelas redes velhas, e pelas ligações clandestinas.

“Resolver isso não depende só da empresa concessionária, mas do poder público, do poder de polícia, para conseguir entrar nessas áreas, desfazer esses gatos e, até mesmo, para fazer os reparos nas redes, muitas vezes em áreas dominadas pelo crime organizado”, apontou.

Já para o esgotamento sanitário, um dos principais obstáculos está nas favelas, segundo o engenheiro sanitário Adacto Ottoni, professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

“Viabilizar os sistemas de esgoto das cidades que têm grandes áreas informais está entre os maiores desafios. O contrato [de concessão] é bem genérico, e cabe às concessionárias fazerem os projetos, aproveitando as instalações já existentes. Nessas áreas tem que ter soluções técnicas que garantam a abrangência do sistema”, destacou o professor.

Ottoni enfatizou, no entanto, que o maior obstáculo que ele vê no projeto se refere ao licenciamento e fiscalização das futuras concessionárias.

“Se não tiver um controle e uma regulação bem feitas, vai colocar todo esse investimento em risco. Se a concessionária não for bem fiscalizada, licenciada e controlada, ela pode piorar os seus serviços visando aumentar os seus lucros”, destacou.

O contrato de concessão prevê que as concessionárias terão que cumprir metas rígidas e periódicas, sob o risco de diversas sanções, que vão desde multa até ao rompimento do contrato. Todavia, falta estrutura de pessoal na Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), que é a responsável por essa fiscalização.

Para tentar suprir a demanda da Agenersa, o governo do estado anunciou a realização de um concurso para a contratação de 50 novos funcionários.

Fonte: Portal G1