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É hora de flexibilizar? Crise, desemprego, fome e Saúde pública pressionam Prefeitura

Diante da pandemia, que fecha comércios, setor de bens e serviços pede reabertura de lojas, mas médicos aconselham cuidado na retomada

Campos
Por Redação
26 de abril de 2020 - 6h00

Desemprego | Projeções da Câmara de Dirigentes Lojistas de Campos apontam que fechamento do comércio poderá resultar na redução de até 40% das vagas formais de trabalho. (Foto: Carlos Grevi)

POR MARCOS CURVELLO E OCINEI TRINDADE

O prolongamento das medidas de distanciamento social em função do aumento do número de casos e mortes pelo novo coronavírus no Brasil tem feito crescer um apelo do setor de bens e serviços pelo afrouxamento das restrições de funcionamento impostas por governos municipais e estaduais a estabelecimentos comerciais no último mês. Na quinta-feira (23), o Governador do Estado do Rio, Wilson Witzel (PSC), decidiu manter o comércio fechado. Em Campos, que teve uma polêmica carreata em defesa da reabertura das atividades no dia 27 de março, a Prefeitura permite apenas atendimento por delivery (entrega), drive thru ou take away (retirada). Para médicos, uma retomada deve ser gradual e cuidadosa.

Quissamã e Barra Mansa liberaram o funcionamento parcial do comércio na sexta-feira (24) e a partir desta segunda, respectivamente. A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Campos também entregou à Prefeitura um novo documento técnico pedindo a flexibilização das medidas no município a partir de 4 de maio.

Orlando Portugal | Preocupação com o desemprego

O prefeito Rafael Diniz (CDN), contudo, tem mantido as recomendações das autoridades sanitárias e de saúde, que apontam o distanciamento social como principal forma de enfrentamento à pandemia, e já rejeitou pedidos semelhantes. Até o dia 30 de abril, quando as determinações do decreto 61/2020 serão reavaliadas junto à secretaria municipal de Saúde e o Ministério Público, somente serviços considerados essenciais têm atendimento presencial na cidade.

Desemprego e fechamento de negócios

De acordo com o presidente da CDL, Orlando Portugal, a pandemia frustra uma perspectiva de retomada e já impacta o comércio. “Vínhamos de um ano muito difícil, que foi 2019, então veio a pandemia, cujos resultados mais imediatos são o desemprego, a falta de circulação de recursos e a insegurança. Dimensionar esta tragédia econômica não é fácil, mas sabemos que houve muitas rescisões de contrato de trabalho, podendo chegar a 40% das vagas formais do município”, avalia. Para as empresas, “o prejuízo é incalculável, pois nossos estudos mostraram bons resultados para as vendas de março e abril”, analisa Portugal.

Gilberto Soares | Medidas não chegam a quem precisa

Presidente da Associação de Comerciantes e Amigos da Rua João Pessoa (Carjopa), Expedito Coleto estima que um grande número de lojas poderá fechar as portas. “De 30 a 40% do comércio encerrará suas atividades. Aqueles que permanecerem, terão que se adequar à nova realidade, com iminente demissão de funcionários e prejuízos incalculáveis”.

Para o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado do Rio de Janeiro (FCDL/RJ), Marcelo Mérida, as medidas emergenciais de fomento à economia anunciadas pelo Governo Federal ainda não chegaram às micro e pequenas empresas.
“Há muita burocracia, e é preciso cortar juros, principalmente nos bancos públicos e adotar exigências diferenciadas para este momento de crise, se não o País vai entrar em colapso. Os governos precisam ouvir a sociedade civil, os atores privados e dialogar mais por soluções comuns”, observa Mérida.

O coordenador regional do Sebrae, Gilberto Soares, concorda e afirma que os recursos, embora liberados, não estão disponíveis. “Existem regras que inviabilizam que pequenas empresas consigam crédito para capital de giro, a fim de que supere esse momento de crise. Há cerca de um mês e meio, o Governo lançou linhas de crédito por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento, mas esse recurso ainda não chegou nas agências. E mesmo quando chega, dificilmente o pequeno empresário consegue esse crédito. Então, as medidas estão corretas, mas, temos que saber como vai chegar à pequena empresa”.

Leonardo Castro Abreu | Reabertura sem negligência

Economia e saúde

Na avaliação do presidente da Associação Comercial e Industrial de Campos (Acic), Leonardo Castro Abreu, um retorno à “normalidade” econômica passa por uma “retomada total das atividades”. Entretanto, ele faz uma ressalva: “não podemos ser negligentes com relação aos cuidados com a saúde”.

“As entidades que integram o Conselho Empresarial Permanente de Desenvolvimento de Campos — Sindvarejo, Acic, Firjan, Carjopa, CDL, Sindicato Rural e Fundenor — atuam com o objetivo de proteger a economia do município. Desde o início da pandemia, temos apresentando propostas para reabertura de atividades correlatas às que permanecem em operação e que não gerem aglomerações, atendendo a todos procedimentos sanitários”, opina.

Um documento encaminhado pelo Cecam à Prefeitura de Campos em 17 de abril sugere, entre outras medidas, que estabelecimentos comerciais sejam autorizados a funcionar com metade da equipe, “permitindo o ingresso de clientes em número máximo e seguro”.

Para o economista Alexandre Delvaux, todavia, a normalização das atividades deve acontecer “gradativamente, com muitas restrições”.
“Aglomerações proibidas, restrições à taxa de ocupação do transporte coletivo, pessoas do grupo de risco protegidas etc. Todos os cuidados são necessários enquanto não existir uma terapia eficiente ou vacina. Não é possível viver isolado por muito tempo, mas a volta ao normal tem que ser planejada com todos os cuidados, com apoio nas recomendações dos especialistas, com o suporte da Ciência”, sustenta Delvaux.

Marcelo Mérida | “É necessário ouvir a sociedade civil”

Isolamento e higienização

A médica epidemiologista, Elizabeth Tudesco, defende que a população mantenha o isolamento horizontal enquanto as autoridades nacionais de saúde monitorarem a curva epidêmica. Segundo ela, deve-se acompanhar a redução de casos de óbitos mediante a testagem laboratorial. “Sem o diagnóstico laboratorial da maioria da população,  pode-se errar ao  não notificar casos sem sintomas. Manter a higienização frequente das mãos com água, sabão e álcool, além do uso de máscara em locais com muitas pessoas, são fundamentais”, explica.

Tudesco acredita que mediante estudos, análises e conduta correta da sociedade, o isolamento vertical será adotado em breve, mas não define o tempo.  “Será preciso todo cuidado para evitar festas, aglomerações, treinar  crianças e adolescentes nas escolas com nosso higiene pessoal e do meio ambiente. Tudo passa. As pandemias e epidemias têm um processo de progressão, pico máximo de casos. E regressão pela própria quantidade de pessoas acometidas e já produtoras de anticorpos, apesar de tudo na Covid-19 ser novo e em processo de estudos epidemiológicos e evidências científicas”, considera.

A epidemiologista associa a Covid-19 com a gripe espanhola  que matou 50 milhões de pessoas no mundo no século passado pela alta capacidade de transmissibilidade. Ela também se preocupa com as condições econômicas. “Ao mesmo tempo precisamos cuidar da saúde, há aqueles que não terão seus salários mesmo afastados fisicamente de suas atividades pelo isolamento”, comenta.

Alexandre Delvaux | Economista recomenda que governos sigam Ciência

O pior está por vir

Para o presidente do Sindicato dos Médicos de Campos, José Roberto Crespo, o isolamento social é a forma mais eficaz de ganhar tempo, fortalecer os sistemas e minimizar os riscos de um colapso nas unidades de saúde. “Tornou-se fundamental a ampliação das garantias governamentais em benefício da população. Milhares de pessoas perderam renda e enfrentam dificuldades para se alimentarem”, cita.

José Roberto acredita que o pior da pandemia ainda não chegou. “Retomar as atividades econômicas e a circulação de pessoas, afrouxando as medidas adotadas até agora, é o mesmo que aumentar, conscientemente, as chances de esgotamento da capacidade de atendimento de saúde instalada no município.  Não é possível prever em quanto tempo voltaremos à normalidade, nem quando haverá a abertura gradual das atividades econômicas”, avalia.

Na luta contra o coronavírus, os profissionais da saúde estão em risco, segundo José Roberto. “Eles têm pago um alto preço, e a cada dia cresce na categoria o número de infectados e mortos. É essencial que todas as medidas protetivas sejam rigorosamente adotadas. Somente assim será possível interromper o fluxo de consequências e reverter o atual cenário”, afirma.

Elizabeth Tudesco | Preocupação com transmissão

Retomada da rotina

Para o médico infectologista Nélio Artiles, as medidas adotadas pelas autoridades de saúde do país estão corretas. Ele considera que o distanciamento social é muito importante, e deve ser mantido. “Se não for possível, por causa da questão econômica complicada do Brasil,  a retomada terá que ser organizada e conscientizada sobre a transmissão do vírus. Sou favorável ao distanciamento, mas o retorno do comércio tem que ser programado, progressivo e com responsabilidade”, afirma.

Artiles diz que é preciso aumentar os testes  e manter a vigilância. “A gente não sabe o número exato de número de casos em Campos por causa da falta de testagem”, destaca. O especialista lembra que em poucos dias os casos confirmados foram de zero a mais de 40. “Estamos abaixo do número explosivo de São Paulo e Rio de Janeiro, mas é imprevisível. O surto pode explodir aqui e em outros locais isolados do país”, cogita.

A volta das atividades do comércio, escolas e igrejas deverá contar com orientações da medicina para organizar regras. “Não poderá ser como antes nas escolas e no comércio. Tudo vai depender se a curva de contágio se mantiver baixa, todo mundo vai poder voltar as atividades. Porém, o vírus continuará circulando enquanto não houver vacina. É preciso cuidado permanente de prevenção. No momento, a rede municipal atende perfeitamente aos casos de Covid-19, mas se fugir ao controle, precisaremos de leitos adicionais como o Hospital de Campanha”, considera.

José Roberto Crespo | “Isolamento é fundamental e o pior está por vir”

Prevenção

Nélio Artiles defende atitudes de prevenção pela população. Além da própria vida, as pessoas precisam se responsabilizar com os mais frágeis. Idosos, portadores de doenças crônicas como diabéticos, hipertensos e pessoas com Aids estão mais expostas.
“O distanciamento social é aconselhável. Quando for permitida a volta ao trabalho, a higienização de mãos e uso de máscaras serão indispensáveis. As pessoas precisam fazer atividade física e evitar obesidade. Tenho esperança de vacina em menos de um ano, além de medicações que estão sendo testadas para combater a doença. É um inimigo invisível, por isso é fundamental a prevenção”.

Fome: ações de caridade na pandemia

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, Campos tem visto o aumento de iniciativas voluntárias de arrecadação e distribuição de alimentos. Ações que têm garantido a uma parcela da população subsistência em um momento de aumento do desemprego e do consequente crescimento da insegurança alimentar no Brasil.

Nélio Artiles | Esperança por vacina e regras para retomada

Muitas dessas iniciativas são conduzidas por grupos religiosos, como as freiras do Mosteiro da Santa Face, que mantêm, há 20 anos, um trabalho de caridade direcionados a pessoas em situação de vulnerabilidade social. De segunda-feira a sábado, elas servem café da manhã às 7h, almoço às 12h, e lanche da tarde às 16h, na rua Marechal Floriano, no Centro.

Membros da Casa de Adoração Filho de Davi, em Campos, também distribuem alimentos para quem precisa durante a pandemia. Até a última quarta-feira (22), já havia sido entregues cerca de 2,5 mil quentinhas em diversas localidades. Também foram feitas ações na comunidade Suvaco da Cobra e com os projetos Vida Amor, Vida Nova e Ágape, que cuidam de homens com dependência química.

Já o Grupo Espírita Cristão Obreiros da Luz distribui diariamente quase 30 quilos de alimentos. As refeições são entregues segunda a sexta-feira, sempre às 12h, na rua Clóvis Beviláqua, no Parque Julião Nogueira. Aos sábados, os alimentos são distribuídos em Donana, na Baixada Campista. O grupo também doa cestas básicas, roupas e enxovais de bebê.