Revolta e confusão marcaram a política em Campos na última semana. Isso porque o Executivo encaminhou para a Câmara de Vereadores um Projeto de Lei no mínimo polêmico: a alienação dos imóveis, que atualmente pertencem à Prefeitura, para quitar as dívidas do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Campos (PreviCampos). Após pressão da população e da Justiça, na sexta-feira (16) a prefeita Rosinha Garotinho decidiu remover o projeto da pauta, mas em meio a esse contexto desolador, até o dia 31 de dezembro tudo pode acontecer. O fato é que Campos nunca esteve tão “desfigurada”. As evidências disso são rombos, orçamentários e físicos — um bom exemplo é a falta de infraestrutura comprovada com a chuva de quarta-feira (14). A saída, proposta pelo governo que se retira, é a alienação desses prédios públicos. Alguns históricos, como o Museu; outros tão sonhados, como o Teatro Trianon; e até mesmo aqueles que se tornaram um pesadelo, como o Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop). Diante disso, fica a pergunta: será que existe uma luz no fim do túnel? Ou por falta de dinheiro essa luz já foi cortada?
Na opinião do prefeito eleito, Rafael Diniz, a atitude da prefeita Rosinha de retirar o Projeto de Lei 0101/2016 foi, na realidade, “uma vitória da população”. Segundo ele, o grande impasse do projeto era a falta de transparência. A prefeita não estaria colaborando com a transição dos governos e a situação financeira do PreviCampos ainda seria um “mistério”. “O valor da dívida não foi formalmente apresentado, nem aos vereadores e nem à minha equipe. Então não existiria a possibilidade de aprovarmos um projeto sem ter acesso a esses dados. A dação (que é um acordo entre credor e devedor) em pagamento de dívidas é uma medida por vezes necessária, porém, mais necessário ainda é expor a realidade do município para que os legisladores decidam qual a melhor providência. Estarei atento, cumprindo o meu papel de vereador até o dia 31 de dezembro e, acima de tudo, defendendo os interesses da nossa cidade, que já se encontra em uma situação difícil, mas caso esse projeto saísse do papel, poderia ficar ainda pior”, afirmou.
Uma das consequências do Projeto de Lei e suas emendas modificativas seria a redução dos ativos, isto é, do patrimônio da municipalidade. No entanto, para o economista Alexandre Delvaux esse seria o efeito menos grave. Segundo ele, embora a transferência do secretariado para outros imóveis seja logisticamente complexa, do ponto de vista da rotina da administração municipal, pouca coisa mudaria e não necessariamente poderia criar uma despesa para a nova gestão. Contudo, “a medida demonstra a fragilidade e precariedade das finanças, tanto da Prefeitura, quanto do PreviCampos”, disse o economista. Ele acrescentou que “essa falta de controle irá afetar grave e diretamente os muitos indivíduos beneficiários ou contribuintes do Instituto de Previdência”.
“Essa medida coloca em dúvida o equilíbrio financeiro do município e ratifica a ideia de que as finanças públicas foram muito mal administradas nos últimos anos. O que pensar de um governo que acumula uma divida dessa ordem e pensa em solucionar o problema na véspera da transição política? Transferir posse no final do segundo tempo, quando o jogo está acabando, dar imóveis públicos em pagamento para cobrir dívida com um fundo de extrema importância, deveria ser um assunto tratado com responsabilidade. As vidas de muitas pessoas serão impactadas e, a meu ver, esse é a mais grave consequência dessa situação que a gente observa hoje. E o pior: alguém terá que pagar essa conta”, declarou o economista.
Procurado pela equipe de reportagem do Jornal Terceira Via, o cientista político, Hamilton Garcia, também falou sobre o assunto. Ele esclarece que “os fundos previdenciários têm sido utilizados por governantes, junto com outros expedientes — como a venda antecipada das rendas petrolíferas —, para financiar gastos correntes diversos, geralmente inflados para satisfazer interesses eleitorais de suas facções políticas”.
De acordo com Hamilton, esse projeto “mascara a limitação orçamentária do governo e compromete a capacidade de gestão dos futuros governantes”. “No caso específico, a magnitude do rombo no PreviCampos, a pressa em vender ativos públicos parece indicar a súbita consciência da atual prefeita da necessidade de se precaver de futuros problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com a aprovação de suas contas por um legislativo livre de seu controle”, concluiu.
VAI SOLUCIONAR?
Mas o Projeto de Lei 0101/2016 poderia, de fato, solucionar o problema e quitar as dívidas do PreviCampos? De acordo com o economista, Alexandre Delvaux, não. Ele explicou que os ativos (imóveis) transferidos para o Instituto de Previdência devem ser avaliados segundo critérios econômicos de mercado. “A questão é que, em um momento como esse, de crise imobiliária, a prefeitura estaria transferindo ativos que poderiam não somar o valor suficiente para cobrir as dívidas. Ninguém garante que essa é a melhor alternativa de investimento. Então a alienação poderia não resolver o problema do PreviCampos e ainda criar outro para a municipalidade. Isso significa que alguma coisa foi mal feita. A atual gestão fracassou e queria impor uma situação para resolver um problema criado por ela mesma. Todavia, essa medida é apenas um acerto contábil para uma situação grave, mas não é a solução. É como retirar o dinheiro de um bolso e colocar no outro”, afirmou.
O economista também frisou a necessidade de uma regulamentação mais eficaz no PreviCampos. Segundo ele, o Instituto deveria ter um conselho administração fiscal responsável por acompanhar essa situação. “O PreviCampos não poderia ter deixado a situação chegar onde chegou e nem a Prefeitura poderia ter acumulado uma dívida dessas com algo que é extremamente delicado. Qualquer fundo de aposentadoria funciona assim: no início, quando a receita é maior do que a despesa ou quando o número de contribuintes é maior que o número de assistidos e beneficiários, essa diferença deve ser aplicada para gerar recursos e, lá na frente, quando o número de beneficiários for maior que o de contribuintes, ser possível pagar essa pessoas. Isso exige um cálculo complexo. Os servidores estão pagando agora para receberem daqui a 20 anos. Mas e se não tiverem esse dinheiro?”, questiona Alexandre.
ENTENDA O CASO
Segundo Rafael Diniz, a Prefeitura teria remanejado R$ 400 milhões do PreviCampos para os cofres públicos e, além disso, o Instituto de Previdência já estaria com cerca de R$ 250 milhões em dívidas. Diante desse contexto, a “solução” encontrada pela prefeita Rosinha foi alienar imóveis como o Museu Histórico, o Cepop, o Trianon, entre outros, para quitar essa quantia. O Projeto de Lei 0101/2016 e as emendas modificativas foram apresentados na Câmara de Vereadores há duas semanas e, inicialmente, deveriam ter sido votados na terça-feira (13). No entanto, a população invadiu o plenário e a votação precisou ser adiada três vezes.
Na última quarta-feira (14), o vereador eleito, Cláudio Andrade, entrou com uma ação popular na 4ª Vara Cível de Campos para impedir a votação do Projeto de Lei. No mesmo dia, a Justiça deferiu a “tutela de urgência e suspendeu os atos de dação em pagamento ou termo de parcelamento de dívidas com vinculação de recursos do Fundo de Participação dos Municípios celebrados entre o município de Campos dos Goytacazes e o PreviCampos”. Mas a história não acabou por aí.
Na sexta-feira (16), mais uma vez a Câmara Municipal foi o cenário de confusão entre o público e os vereadores. O presidente Edson Batista teria “aprovado” o projeto sem que os vereadores tivessem o direito de exercer seus votos. Na ocasião, os espectadores, indignados com a atitude do presidente, invadiram o plenário e foram contidos por agentes da Guarda Civil Municipal. Horas mais tarde, a prefeita Rosinha Garotinho removeu o Projeto de Lei da pauta da Câmara. Até o fechamento desta matéria, a “novela” da alienação dos imóveis públicos ainda não tinha um desfecho definitivo. Mas a certeza que fica, perante os últimos fatos, é que muitas águas vão rolar até o último dia do mandato “cor-de-rosa”.
O QUE É ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS?
Alienação fiduciária de imóveis significa o mesmo que renda fiduciária, isto é, um modelo de garantia de propriedades no qual há transferência de bens como pagamento. Em outras palavras, é um acordo firmado entre o credor e o devedor. A coordenadora de vendas Mariah Mayerhofer dá um exemplo. “Digamos que eu queira comprar um imóvel de R$ 500 mil e eu tenha em mãos apenas R$ 200 mil. Eu vou até o banco e pego um financiamento de R$ 300 mil e o proprietário do imóvel recebe o pagamento total da venda. A partir daí eu fico pagando um número X de parcelas ao banco. Caso, por algum problema, eu pare de pagar a dívida, a instituição bancária, na qual eu peguei o financiamento, pode ficar com o imóvel porque a garantia é justamente o bem que eu utilizei para obter o benefício”, explica Mariah.
Para o economista Alexandre Delvaoux, o projeto apresentado pela prefeita Rosinha não seria de “alienação”, mas de “dação em pagamento”. Segundo ele, a prefeitura estaria transferindo a propriedade dos imóveis públicos para outro setor que também pertence ao município, com o intuito de cobrir uma dívida. É como se a dívida fosse paga com a cessão do imóvel ao invés do dinheiro. “Essa dação em pagamento, em tese, é permitida pela legislação, no entanto há algumas restrições, como por exemplo: a Prefeitura deverá desocupar o imóvel e não poderá utilizá-lo. Essa operação não é tão simples quanto parece”, disse.