Barracões vazios, projetos parados e desfiles de carnaval sem previsão. Esta é a realidade enfrentada pelas agremiações de Campos dos Goytacazes, que ainda não tiveram posicionamento da Prefeitura sobre a data e a verba da folia em 2022. Além disso, os carnavalescos questionam a realização do festejo fora da data oficial, como vem sendo feito há 13 anos. Segundo o Município, ainda não há preparativos para o carnaval do ano que vem.
Desde o início de outubro, a Prefeitura vem flexibilizando restrições sanitárias para permitir a retomada de atividades econômicas e sociais na cidade. Estão liberados, no Município, eventos e shows para até mil pessoas em espaços fechados e duas mil em locais abertos. Há expectativa de que haja programação de verão em 2022. Entretanto, ainda não há definição da possível data dos desfiles e valor da verba direcionada às agremiações, que permanecem paralisadas, apenas com projetos no papel.
Segundo Leonardo Braz, presidente da escola de samba Ururau da Lapa, é necessário tempo hábil para colocar os planejamentos em prática e não realizarem tudo de forma corrida. “O carnaval em Campos é sempre complicado, principalmente quanto a programação. Não dá pra trabalhar com a incerteza, precisamos de tempo para a realização dos nossos projetos, para que não fique na correria, como sempre é. Isso tudo influencia no produto final, que é o espetáculo. Nós queremos oferecer algo de qualidade para a população”, diz Leonardo.
De acordo com Marciano da Hora, presidente da Associação de Bois Pintadinhos de Campos dos Goytacazes (Aboipic), entidade que tem coordenado o carnaval na cidade nos últimos anos, a folia do Município já foi considerada a terceiro maior do país e, hoje, enfrenta dificuldades por falta de incentivo da Prefeitura. “O poder público precisa entender que o carnaval não é só festa profana, mas é um evento muito importante e que aquece a economia. É preciso valorizar as escolas de samba, blocos e bois pintadinhos”, fala.
A equipe de reportagem do Jornal Terceira Via questionou a Prefeitura de Campos dos Goytacazes sobre a previsão de datas para a realização dos desfiles de carnaval e, também, sobre as verbas direcionadas às escolas de samba, blocos e bois pintadinhos. Em nota, a Prefeitura informou que ainda não há preparativos para o carnaval de 2022.
A falta de definição contrasta com a decisão da Prefeitura de São João da Barra, que também tem forte tradição carnavalesca. O município vizinho já iniciou os repasses para que as escolas possam se organizar, mesmo ainda sem uma data definida para o evento.
Mesmo sem apoio, agremiações se movimentam
O presidente da Aboipic explica sobre incentivos estaduais e a falta de atuação municipal. “A Aboipic tem, hoje, cerca de R$ 1,5 milhão em verbas captadas junto ao Governo do Estado por meio de política de renúncia fiscal. Também tem um R$ 1,1 milhão captado por meio da Lei de Incentivo à Cultura. No entanto, é necessário a contribuição da Prefeitura, que tem por obrigação apoiar a cultura local. Nós entendemos que o orçamento da Saúde é investido na Saúde, o da Educação, é na Educação, e o da Cultura, na Cultura. Afinal, o carnaval é uma grande manifestação de cultura popular”, explica.
Mesmo sem poder colocar em práticas todos os projetos idealizados, algumas agremiações já iniciaram pequenos preparativos, como roteiro e criação de samba enredo. “Nós temos várias escolas, blocos e bois que já estão se movimentando. Muitas foram contempladas com recursos do governo do Estado para realizar o lançamento dos sambas enredo, como a Ururau da Lapa, a Escola de Samba Madureira do Turf, a Mocidade Louca, a União da Esperança, a Escola de Samba Boi Sapatão, o Onça do Samba, os Bois Pintadinhos, os blocos, etc. Nós acreditamos que esse carnaval pós-pandemia tem tudo pra ser um dos melhores, mas é preciso que haja apoio do poder público”, diz o presidente da Aboipic.
A escola de samba Ururau da Lapa já tem o seu samba-enredo, criado pelo músico Matheus Nicolau, após definição do assunto que será apresentado na avenida. “Acredito que eu tive certa facilidade por ser um tema um pouco familiar a mim, sobre o qual reflito bastante e que já foi tema de outras canções minhas”. Mesmo com alguns pontos definidos, segundo o presidente da escola de samba, eles se posicionam contra o carnaval fora de época, caso a Prefeitura decida novamente por este formato e programe uma data muito distante da oficial.
Carnaval fora de época
Há 13 anos o desfile das escolas, blocos e bois de samba não acontece na data oficial do calendário, já que, em 2009, teve início o “carnaval fora de época”. Segundo o pesquisador em cultura popular Marcelo Sampaio, esta foi uma decisão equivocada. “Ela só desestimulou a participação de campistas nos desfiles, devido à enorme quantidade de pessoas e materiais vindos de outras cidades”, diz.
Em registro enviado pelo pesquisador, consta que, nos últimos desfiles realizados, no ano de 2019, participaram 17 agremiações, mas existem muitas outras, pois já houve na avenida, em um mesmo ano, 49 agremiações. “Com o carnaval acontecendo todos estes anos fora de época e, muitas vezes, não sendo sequer realizado, as comunidades carnavalescas ficaram enfraquecidas demais”, explica Marcelo Sampaio.
A luta das agremiações é para que o carnaval de 2022 da cidade seja realizado na data oficial do calendário, entre os dias 28 de fevereiro e 1º de março, pois é o que caracteriza o evento. “Nós, carnavalescos, deixamos claro que não tem condição de ser fora de época. Não foi uma escolha nossa”, diz o presidente da Ururau da Lapa.
Segundo o presidente da Aboipic, o principal problema é a escolha de datas tão distantes do período oficial do carnaval. “O ideal seria que os desfiles de carnaval fossem realizados uma semana após o desfile das campeãs do Rio de Janeiro ou, até mesmo, na semana de aniversário da cidade, que é dia 28 de março. Temos um projeto visando essas duas datas, até porque, o Cepop vai comemorar 10 anos em 2022. Agora, realizar o carnaval em agosto, eu não concordo de jeito nenhum”, conta.
O primeiro desfile fora de época aconteceu como solução às enchentes que abalaram o município em 2009, impedindo que o evento fosse realizado em fevereiro daquele ano. O que teve início como medida excepcional permanece até hoje, deixando as agremiações insatisfeitas por não realizarem os desfiles na data oficial.
O pesquisador Marcelo Sampaio define a mudança como uma involução do carnaval local. “O carnaval de Campos involuiu bastante a partir de 2009, quando passou a ser realizado fora de época. Com a mudança da data, foram desrespeitados importantes preceitos filosóficos, históricos, antropológicos e sociológicos. Carnaval vem da palavra italiana ‘carnavale’, que significa festa da carne. Por isso precisa acontecer no verão e com toda a atmosfera carnavalesca”, explica.
Necessidades de mudança
Além disso, um dos pontos muito comentados entre as agremiações como algo a ser solucionado na estrutura do carnaval campista é a logística e acesso ao local de realização do evento. Em 2012, os eventos carnavalescos de Campos começaram a ser realizados no Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop). No entanto, ainda há divergências quanto a isso.
“É necessária maior logística e preparação para o evento, para conseguirmos levar público ao Cepop. A cidade é muito grande e o sambódromo é muito distante de diversos bairros. Ter um transporte público com rotas melhores é importante. Quem vem de Guarus, por exemplo, precisará pegar dois ônibus. Então, é necessário pensar melhor no acesso da população ao local”, explica Leonardo Braz, presidente da Ururau da Lapa, que acrescenta: “quem for organizar o carnaval, precisa ouvir mais as agremiações, para escutar e entender o que a gente precisa”.
O melhor aproveitamento do Cepop é uma das demandas das agremiações, que têm sugestões. Segundo Wallace Vicente, presidente do Boi Dendê e diretor de Carnaval da União da Esperança, uma das opções seria fornecer espaço no sambódromo para que as agremiações possam executar trabalhos e projetos.
“O Cepop não é explorado e apenas nós, carnavalescos, conhecemos. Poderia haver uma sala para atender o carnaval, para que fossem disponibilizados cursos de novos ritmos, passistas, aderecistas, etc. Assim, poderíamos divulgar nossos talentos com acesso a toda a cidade”, conta Wallace Vicente.
Marciano compartilha do mesmo pensamento e ainda complementa, dizendo que o Cepop é um grande espaço, mas que não foi pensado levando em consideração seu uso. “Foi construído um sambódromo, mas faltou a gestão da época ouvir os carnavalescos. Não adianta construir uma passarela daquelas, tão grande, tão digna, sem o entendimento do poder público da necessidade de dar condições às escolas, blocos e bois pintadinhos de desenvolver um trabalho o ano todo. O espaço é digno, é importante e poderia ser construída a cidade do samba, com barracões dos blocos, escolas e bois, além de espaço para oficinas, artesanatos, seminários, etc”, encerra Marciano da Hora.