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Entrevista com Cláudio Teixeira: a psiquiatria que avança

Psiquiatra fala sobre dependência química, esquizofrenia e suicídio e da origem dos transtornos mentais

Campos
Por Redação
10 de setembro de 2018 - 0h01

POR ALOYSIO BALBI

Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), residência médica em Psiquiatria pelo Hospital Universitário da UFJF e pós-graduado em Política e Pesquisa em Saúde Coletiva pela UFJF. Atualmente o dr. Cláudio Teixeira atua como médico psiquiatra na Prefeitura Municipal de Campos e como professor da Faculdade de Medicina local. Interessa-se pelos temas relacionados com dependência química, esquizofrenia e suicídio. Nesta entrevista ele falou sobre todos esses assuntos e da origem dos transtornos mentais. Agora ele, com outros profissionais da área, está montando uma inovadora clínica para tratar especificamente dos chamados sofrimentos psíquicos.

A psiquiatria tem avançado em todo mundo, e passou a ser um fator importante em diagnósticos mais complexos de pacientes que convivem com outras doenças. Isso é realmente fato?
Nas últimas décadas, houve um grande avanço na compreensão da origem dos transtornos mentais através da ampliação dos conhecimentos relacionados com os processos de adoecimento psíquico com o surgimento das neurociências. Isso permitiu uma adequação de vários tratamentos já existentes para cada um desses transtornos e a criação de abordagens inovadoras. A evolução ocorreu tanto nas intervenções medicamentosas quanto nas não-medicamentosas. Também está cada vez mais claro que através da associação dessas duas modalidades de tratamento se obtém os melhores resultados.

Nos dias atuais os casos de depressão agudas têm aumentando significativamente. O Brasil já caiu na real de que esses casos têm que ter tratamento psiquiátrico?
Apesar de recentemente ter ocorrido um aumento significativo na disponibilidade de informações sobre depressão nas mídias, ainda não houve uma mudança do estigma. Em um estudo recente realizado no Brasil quase 80% das pessoas que demonstravam sintomas significativo de depressão não estavam em uso de medicamentos e nem fazendo tratamento psicoterápico. Infelizmente isso não está restrito aos quadros de depressão e se estende também para outras formas de sofrimento mental. O preconceito ainda está muito presente na nossa sociedade.

O núcleo familiar de alguns desses pacientes continua fazendo parte deste tratamento?
A família é uma unidade social complexa e fundamental para o processo de viver de todo ser humano. O papel da família é cuidar, incentivar, ser suporte seguro e confiável, pois é no âmbito familiar que os seus integrantes buscam apoio, compreensão e vislumbram possibilidades. A relação da família com a pessoa com transtorno mental por vezes pode ser tensa, mas quando os sintomas decorrentes do transtorno estão controlados, a convivência se torna harmoniosa, o que enseja entender o ser humano com transtorno mental como ser único dotado de capacidades, e que é capaz de se relacionar e desenvolver atividades.

Voltando ao cotidiano, quais são os primeiros sintomas de uma pessoa, que indicam a necessidade pelo menos de uma avaliação psiquiatra?
Os sintomas demonstrados pelas pessoas que necessitam de avaliação psiquiátrica são individualizados, mas de forma genérica posso dizer que seriam mudanças nos pensamentos, emoções e/ou comportamento que geram comprometimento na vida das pessoas. Há também vários sintomas que normalmente não são associados com os transtornos mentais, como por exemplo dificuldade para dormir, irritabilidade, esquecimento, dificuldade para controle dos impulsos, falta de apetite, desconforto físico, instabilidade emocional, etc. É muito comum as pessoas ficarem buscando várias explicações para justificar o que sentem e isso atrasa muito o início do tratamento adequado e a melhora da qualidade de vida.

É realmente um problema de saúde pública o uso de medicamentos psiquiátricos sem a devida prescrição médica?
É inegável o abuso que hoje se verifica no consumo de medicamentos psicotrópicos. Há uma busca, nos medicamentos, de uma cura padronizada para todos os males, sendo na realidade uma procura de um caminho fácil para o preenchimento do vazio interior. Neste início de século há uma falácia de que, para cada sofrimento, físico ou mental, existe um “remedinho milagroso”. Essas substâncias podem fazer com que as pessoas tenham um agravamento do mal-estar, pois não há a analise na profundidade o que se passa com o sujeito, ou seja, não se elimina as causas de seu sofrimento. Além disso, em alguns casos pode ocorrer um comprometimento significativo da evolução do quadro ao se fizer uso de medicamentos que seja contraindicado para a situação.

São muitos os casos de pessoas que procuram o psiquiatra por causa de dependência destes medicamentos?
Algumas classes de medicamentos usados na psiquiatria, como alguns indutores de sono e ansiolíticos, sendo usados inadequadamente e por tempo muito prolongado podem induzir algumas pessoas a uma dependência psicológica ou um hábito de utilizar o medicamento – o que é muito mais frequente que propriamente uma dependência química. Esses medicamentos possuem uma ação paliativa e normalmente a procura por atendimento psiquiátrico ocorre pelo o agravamento do quadro que inicialmente provocou o uso dos medicamentos. Nesses casos temos que também tratar da dependência presente nessas pessoas.

Qual a visão do senhor em relação ao movimento antimanicomial?
Considero uma importante mudança no paradigma, pois resgatou a cidadania dos portadores de graves transtornos mentais. O Movimento Antimanicomial vem ocorrendo em nosso país desde o fim da década de 70, sendo iniciado com denúncias de segregação, maus tratos e grave precarização nas condições das instituições psiquiátricas. Ao longo dos anos houve um grande avanço no modelo de assistência através da inclusão dos indivíduos portadores de distúrbios mentais na sociedade e no âmbito familiar.

Existe muita gente que precisa de tratamento e nem percebe?
É muito frequente essa situação. Muitos indivíduos procuram atendimento médico de várias especialidades durante meses, ou até mesmo por anos, e na realidade a origem do sofrimento é mental. Os transtornos mentais e os problemas com ou uso de álcool e drogas estão entre os principais problemas de saúde no Brasil, sendo que cerca de 26% da população adulta sofre desses males. São ainda uma importante fonte de perda de qualidade de vida em ambos os sexos e todas as faixas etárias. Em um outro levantamento da Organização Mundial de Saúde em 2015 mostrou que nosso país possui o maior número de pessoas no mundo com ansiedade e o quinto em depressão.

E pessoas que abandonam o tratamento? Que riscos elas correm?
Um dos principais motivos da má evolução do quadro é a não adesão ao tratamento. Normalmente os tratamentos são longos e a partir da melhora dos sintomas é muito comum a interrupção do tratamento. A pessoa com transtorno mental, muitas vezes, requer também um tratamento contínuo com necessidade de múltiplas intervenções no âmbito psicossocial, que resultem de uma abordagem multiprofissional por meio de psicoterapias, terapias em grupo e/ou individuais, terapêutica medicamentosa, entre outros.

Seria certa afirmar que as pessoas precisam de tempos em tempos fazer um Check-up mental?
Estima-se que cerca de 650 milhões de pessoas apresentem alguma especificidade de transtorno mental, compreendendo quatro das dez principais causas de incapacitação no mundo. Na grande maioria dessas pessoas os primeiros sintomas já estavam presentes na infância e na adolescência. O sofrimento psíquico se inicia precocemente e de forma branda, mas com a evolução do tempo ocorre um progressivo agravamento caso não ocorra uma modificação nos fatores que contribuam para esse adoecimento. Nestes indivíduos a reavaliação periódica do seu estado mental é essencial.

Existe ainda um preconceito sobre distúrbios comportamentais?
Em geral há uma grande incompreensão sobre os distúrbios comportamentais, sendo que em certos tipos de comportamento e de síndromes (como a depressão, bulimia, anorexia, etc), verificamos que as pessoas não toleram nem em si mesmo, nem nos outros. No caso da depressão por exemplo, não é tolerada porque, sendo os indivíduos, em nossa sociedade, constantemente estimulados a tomar decisões, a mover-se, a agir, quem se isola e se recolhe a um canto é criticado, desprezado. A ignorância e o preconceito só serão superados com informação e com educação. Quanto mais os transtornos mentais forem conhecidos e desmistificados, quanto mais as pessoas que passam pelo sofrimento mental forem compreendidas e ouvidas, mais luz será lançada sobre esse tema tão delicado quanto complexo, mas que, ao mesmo tempo, é também muito rico e que traz contribuições de muita valia para o nosso crescimento ético enquanto indivíduos e enquanto sociedade.

O senhor juntamente com outros profissionais da área de saúde mental estão montando uma nova clínica em Campos. Pode falar sobre isso?
Há cerca de 3 anos vem sendo idealizado uma clínica com atributos inovadores para nossa cidade, sendo viabilizado através de uma parceria com o maior grupo do estado de Minas Gerais no setor de serviços em Saúde Mental. A proposta é estabelecer no mesmo espaço toda as intervenções necessárias para o tratamento dos portadores de transtornos mentais e problemas com o uso de álcool e drogas. A equipe será formada por profissionais com experiência na área de Saúde Mental, sendo as condutas terapêuticas realizadas de forma articulada e com o foco na conquista pelo paciente da melhora da qualidade de vida e do espaço social.