A reportagem especial desta semana do J3News “Guarda se prepara para armar seus agentes” (leia aqui) traz a análise de especialistas e pesquisadores sobre segurança pública em Campos dos Goytacazes. Nesta entrevista, a socióloga e professora Luciane Silva, da Universidade Estadual do Norte Fluminense, faz uma série de ponderações sobre o projeto em andamento de armar a Guarda Municipal.
Como avalia a proposta de armar a Guarda Municipal?
Essa é uma demanda antiga da categoria. Há quem acredite que uma guarda armada teria um desempenho mais eficiente. No entanto, essa proposta levanta várias questões. A principal delas diz respeito à formação dos agentes. Será que a Guarda manterá o mesmo tempo e padrão de formação exigido da Polícia Militar? Isso é preocupante, pois, sem uma formação sólida, a Guarda tende a repetir erros já presentes na atuação da PM — erros graves, com consequências sérias.
Outro ponto delicado é a segurança do próprio guarda municipal. O risco de se tornar alvo de assaltos para roubo de arma é real, além de outras vulnerabilidades que surgem com o porte.
A Guarda Municipal armada pode contribuir com o aumento da segurança pública?
Durante a nossa experiência no governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, e ao longo dos anos de pesquisa em segurança pública, identificamos que os principais problemas relacionados à violência e à criminalidade não seriam resolvidos com o armamento da Guarda. O tráfico de drogas, por exemplo, é uma dessas questões centrais, e não será enfrentado de forma eficaz com o uso de armas pela Guarda Municipal.
Há ainda os conflitos cotidianos — brigas de vizinhos, desentendimentos em bares ou vias públicas — para os quais é preciso refletir se a Guarda teria autoridade e preparo para atuar. A única vantagem que vejo nesse debate é que ele nos força a discutir qual modelo de segurança pública queremos para o país. O que temos observado em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, sob os governos de Cláudio Castro e Tarcísio de Freitas, respectivamente, é um aumento das execuções em vias públicas, com uso abusivo do poder policial.
Casos recentes comprovam isso: tivemos um homem jogado de uma ponte, uma abordagem a um motociclista confundido com criminoso, e até uma execução a céu aberto em São Paulo. No Rio, as chacinas são recorrentes. Precisamos, portanto, discutir que tipo de policiamento a sociedade deseja. A chamada “Guerra às Drogas” é, muitas vezes, uma cortina de fumaça que desvia o foco de políticas públicas efetivas.
A Guarda poderia atuar no enfrentamento ao feminicídio e à violência doméstica?
Sim, poderia, mas esbarramos na falta de estrutura. As delegacias especializadas, os equipamentos e os recursos voltados para esse enfrentamento são extremamente precários no país. Esse é um ponto fundamental: discutir armamento sem garantir estrutura e políticas integradas é ineficaz.
Outro exemplo são as escolas, que também demandam ações específicas de segurança. Para avançarmos, seria necessário promover conferências e estabelecer diálogos entre as diferentes instituições envolvidas — polícia civil, polícia militar, guarda municipal, universidades — para que se possa construir um modelo de atuação realmente eficaz, se é que isso é possível com uma guarda armada.
Como avalia a iniciativa da Prefeitura de Campos de permitir o porte de arma aos guardas durante o serviço?
Essa é uma pergunta fundamental: seria eficaz termos uma guarda armada? O que parece claro é a necessidade de se repensar a identidade da Guarda. Mas será que o armamento tornaria essa força mais eficaz no combate à criminalidade? É uma questão que precisa ser analisada com muita seriedade.
Reforço aqui meu respeito aos guardas municipais enquanto servidores públicos. No entanto, é preciso considerar também a segurança desses profissionais ao portar armas. A Polícia Militar, por exemplo, realiza patrulhamento ostensivo e frequentemente se envolve em confrontos. A atuação armada exige preparo, protocolos claros e respaldo institucional.
A discussão deve ser feita com base em dados e experiências concretas. Que resultados foram observados em outras cidades que optaram pelo armamento da Guarda? Há ganhos reais?
O que o poder público e a sociedade devem considerar quanto à presença de guardas armados nas ruas?
Políticas públicas devem ser pensadas de forma comparativa. Ou seja, é necessário observar o que aconteceu em cidades com características semelhantes às de Campos, que já armaram suas guardas. Houve redução da criminalidade? A atuação foi mais eficaz?
O risco de termos uma Guarda armada e despreparada é muito alto. Isso, para mim, é motivo de grande preocupação. O debate deve ser feito com responsabilidade, olhando para experiências concretas e colocando a segurança da população e dos próprios agentes no centro da discussão.
LEIA TAMBÉM
Especialista analisa uso de arma de fogo pela Guarda Civil de Campos