Boa parte da área urbana de Campos dos Goytacazes é cortada por rodovias federais de grande movimento. O tráfego contínuo pelas BR-356 e BR-101 contribui ainda mais para o volume de veículos, que já disputam espaços em ruas e avenidas da cidade. Há décadas, gestores municipais, arquitetos e urbanistas cogitam diminuir o impacto do transporte pesado nas vias centrais, mas o problema parece longe de ser resolvido. Buracos, obras inacabadas, acessos limitados, pontes comprometidas, transporte coletivo ineficiente afetam a mobilidade de todos. Em meio ao caos urbano, pedestres são desafiados cada vez mais. As prováveis soluções de infraestrutura por parte do poder público, também.
A reportagem percorreu diversos trechos onde problemas no trânsito pioram a cada dia a mobilidade urbana. Em um dos acessos à cidade (Trevo do Índio/Estrada do Contorno), apesar de duplicado o trecho da BR-101 no Parque Rodoviário, é difícil cruzar bairros vizinhos. Quem caminha ou pedala nestes locais, se arrisca. A concentração de veículos é imensa ao cruzar os acessos à Ponte General Dutra sentido Vitória-ES. No sentido inverso, vindo de Guarus, desde o governo Alexandre Mocaiber, com a criação da Ponte Alair Ferreira, o trecho que ligaria a BR-101 pelo Parque Santa Helena e à ponte, até hoje não foi concluído pela Prefeitura de Campos.
A Avenida Arthur Bernardes continua recebendo tráfego pesado de caminhões e carretas com destino ao Porto do Açu. Sobre o Canal Campos-Macaé, há uma ponte danificada, sem guarda-corpo, oferecendo risco a quem atravessa. Outras pontes também estão afetadas na área urbana e na zona rural. Há muitas ruas sem conclusão do asfaltamento em parceria com o Governo do Estado. Os bueiros desnivelados se tornaram buracos ou crateras que comprometem a segurança de condutores e pedestres. Questionada, a Prefeitura de Campos respondeu: “Alguns dos questionamentos deverão ser resolvidos com a repactuação do contrato de concessão da BR 101 com a Arteris, prevista ainda nesse ano, quando serão construídas algumas passarelas. A ligação da BR 101 à Ponte Alair Ferreira também está prevista nessa repactuação, cabendo à Prefeitura a liberação das áreas, o que já está ocorrendo. O município está com diversos projetos de abertura de novas vias que, certamente, serão implantados conforme prioridades e disponibilidades orçamentárias. A ponte da avenida Artur Bernardes sobre o canal Campos-Macaé apresenta a imperfeição de ser mais estreita do que a via, causando vários contratempos e estava prevista sofrer alargamento com as obras de revitalização do canal, que estava em andamento pelo governo de Estado, mas, infelizmente, foram sustadas”, informou em nota.
Em relação ao asfaltamento das vias urbanas contratado pelo Governo do Estado, hoje paralisado, a Secretaria de Planejamento e Mobilidade Urbana diz que “o município está na expectativa de ser retomado, principalmente com a conclusão de trechos iniciados e abandonados. Para acabar com os transtornos causados aos motoristas em decorrência da falta da conclusão dos serviços de recapeamento asfáltico, a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura tem instado a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas quanto à conclusão dos serviços”, complementa a nota.
Motoristas e urbanistas
Romário Gomes é morador de Ururaí. Para ir à cidade, enfrenta alguns obstáculos no trânsito. “Tem muita imprudência e bastante buraco nas ruas. Precisa melhorar o acesso, principalmente onde eu moro. Chegar ao contorno próximo ao Shopping Estrada é complicado” conta. O taxista Luciano Freitas também reclama das condições de trânsito em Campos: “Muita mudança aconteceu. Há ciclovias que atrapalham. Creio que a Prefeitura pode e deve melhorar o trânsito. Há engenheiros de tráfego que podem ajudar”, acredita. A autônoma Greyce Kelly Campos acha difícil dirigir no Centro: “Eu acho que teria que ter mais fiscalização e estacionamento. Os acessos são complicados”, diz.
O arquiteto e urbanista José Luis Puglia destaca a construção do contorno da cidade da BR-101 prevista desde a década de 1970. “Isto retiraria todo o tráfego de transporte pesado de dentro da cidade, além da criação de uma alternativa para que as cargas com destino ao Porto do Açu não passem pela área urbana. É necessário um planejamento de engenharia de tráfego que passa, obrigatoriamente, pela modernização e adequação do transporte público para realidade atual. É muito difícil resolver problemas que estão aí há mais de 30 anos no modelo de administração atual, mudar uma estrutura totalmente obsoleta. Teríamos de ter um Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbana nos moldes do IPUC de Curitiba, sem interferências políticas, e independência para implantar soluções e aplicação das leis sem vereadores e outros agentes que desvirtuam o planejamento urbano”, considera.
Integrante da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Norte Fluminense (Anfea), Gustavo Manhães, defende mudanças urgentes e investimentos em infraestrutura em Campos: “A cidade não comporta mais o trânsito de caminhões e veículos coletivos passando pelo centro. Sem dúvidas, necessitamos de intervenções para que o trânsito seja desviado para uma via marginal ao centro, as famosas via de contorno. Há inserções pontuais pertinentes, já existem projetos que citam viadutos e pontes em pontos específicos, visando nova via perimetral. O Porto do Açu é um empreendimento que mais contribui para o aumento do trânsito. Além disso, temos o Porto Central que será construído em Presidente Kennedy (ES) que já contribui também. A velocidade de crescimento do trânsito está muito acima da vontade política de tirar essas soluções do papel. Em período de obras, a população será mais afetada. Porém, no futuro todos vamos desfrutar desses investimentos. Um transporte público coletivo forte e eficiente contribui para redução do trânsito”, diz.
Planejamento e estudos viários
O professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense, Luciano Falcão, diz que cidades em evolução buscam priorizar o transporte coletivo (ônibus, VLT’s) e a mobilidade ativa (pedestres, bicicletas) como recurso para a melhoria da mobilidade urbana e a tornar verdadeiramente sustentável. “Campos dos Goytacazes aposta na lógica rodoviarista, como se ainda estivéssemos na década de 70. Na época, viadutos e vias expressas eram demonstrações de progresso e riqueza. A construção de viadutos já caiu em desuso, sendo colocada como solução quando não existe nenhuma outra possibilidade. Os efeitos na paisagem e na dinâmica da cidade são danosos, e já temos como exemplo as vias de acesso à ponte Leonel Brizola e sua relação com o ex-Parque Alberto Sampaio. Algumas cidades estão demolindo os seus viadutos e redirecionando o fluxo para vias no subsolo ou o trocando por transporte coletivo”, destaca.
Para Falcão, é preciso estudar o movimento viário dos mais diversos modais nestes pontos críticos, em horários diferentes e avaliar qual é o impacto dos fluxos internos entre os bairros e os fluxos de passagem no âmbito total. “Nada pode ser feito sem um estudo técnico bem realizado. A partir daí, relacionar o planejamento e desenho urbano considerando estas situações. As possíveis soluções são muitas, desde as mais simples e imediatas, como reversão temporária de mão de vias, controle semafórico, restrição de acesso em horários específicos e desestímulo à passagem em determinados trechos por cobrança de pedágio, até às mais custosas como a construção de “mergulhões” viários privilegiando áreas verdes e pedestres. Por exemplo, quem hoje consegue ir a pé ou de bicicleta do shopping estrada até o supermercado Assaí sem correr sérios riscos de atropelamento?”, questiona.
O arquiteto e urbanista considera que as maiores dificuldades são a falta de consideração de boas referências. “Repetem erros que outras cidades já cometeram, e se surpreendem com as consequências bastante previsíveis. Por exemplo, o aumento do número de pistas da Av. 28 de Março, a retirada de semáforos e retornos leva ao aumento da velocidade média, que impacta diretamente no número de acidentes na via, e não resolve os engarrafamentos. Ao meu ver, a solução deve ser particionada em ações de curto, médio e longo prazo: organização, fiscalização e educação para o trânsito mesmo com as vias existentes, pequenas intervenções em cruzamentos priorizando o desenho urbano para todos, planejamento da mobilidade urbana sustentável segundo os graus de prioridade da pirâmide da mobilidade urbana, nesta ordem: pedestres, ciclistas, transporte público, transporte de cargas, motos e carros”, finaliza.
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