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Dom Francisco Roberto Ferreria Paz: da Pastoral dos Pobres à Ecologia

Bispo fala dos seus 14 anos em Campos e da maior Diocese do interior do Rio

Entrevista
Por Aloysio Balbi
22 de janeiro de 2024 - 0h01
Foto: Arquivo

Dom Roberto Francisco Ferreria Paz completa, em 2024, 14 anos à frente da Diocese de Campos, a maior do interior do Estado do Rio de Janeiro. Nesta entrevista, ele fala das muitas pastorais que formam a Diocese e existe, inclusive, uma voltada para a ecologia, mostrando a preocupação com as condições do planeta e o pedido de socorro da natureza em condições extremas.

O bispo também destaca o grito dos pobres e faz uma defesa ferrenha do pontificado do Papa Francisco. Para ele, existe um discurso crítico contra o Papa e Dom Roberto, sempre que vai ao Vaticano, trata deste assunto de forma macro com autoridades de Roma.

Dom Roberto também não se esquiva de assuntos com a intolerância religiosa, que está na pauta mais sensível da sociedade. Considera essa situação altamente e preocupante. Ele analisa sua gestão como positiva e fala também da reabertura do Mosteiro de São Bento, do Caminho da Fé e da Igreja Matriz de São Fidélis, que ganhou o status de Santuário depois de análise criteriosa do Vaticano.

O senhor está entrando no 14º ano do seu pastoreio na Diocese de Campos. Qual o balanço que o senhor fez deste período? É positivo, pois dei continuidade ao perfil de uma Igreja que tem muitas vocações, preza muito pela liturgia e a fidelidade ao magistério. Tanto assim, que o atual reitor do seminário Imaculada Conceição de Maria é o promotor vocacional de todo o Estado do Rio de janeiro. padre Alexandre Mothé continuou com essas virtudes e acrescentei outras pastorais. Criei o Conselho Nacional dos Leigos do Brasil, as pastorais sociais, a pastoral da Ecologia Integral, a pastoral Talita Kaum, que trabalha com homem e mulheres prostituídos, além de levar a catequese ao nível de excelência reconhecida também no regional Leste 1.

O senhor tem participado pessoalmente e constantemente dos debates de questões que dizem respeito à sociedade. Não era uma prática muito comum dos bispos antecessores. Como é isso? Eu pertenço nesta gestão pastoral à Igreja do Papa Francisco, que nos inspira a levar o evangelho a todas as realidades, tratando de apresentar sempre a doutrina social da Igreja e escutar atentamente os clamores e as necessidades do povo.

Também observa-se que o senhor também é chamado para debater assuntos de economia e trabalho com os empresários? Sim. Eu, quando era padre em Porto Alegre (RS), participava da ADCE (Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas), o que fiz durante 15 anos semanalmente. Entendo que os empresários são protagonistas também de gerarem, como disse o Papa João Paulo II, uma economia social de mercado, colaborativa e sustentável. O grande drama do nosso século foi esquecer a presença de Deus na construção da sociedade, fazendo algo equivalente a uma Torre de Babel. Podemos fazer uma sociedade sem Deus, mas essa será menos humana e menos amorosa. Então, será certamente desumana.

Em resposta anterior o senhor falou da Pastoral da Ecologia Integral. O planeta está claramente gritando. Isso sempre preocupou a Igreja?Desde de São Francisco de Assis, que foi o principal santo do primeiro milênio, existe a conjunção de três bandeiras: a bandeira branca da paz e da não violência; a bandeira verde da criação e de todas as criaturas e a bandeira marrom dos pobres. Seguindo essa intuição, a partir do Concílio do Vaticano II, a Igreja escutando o grito dos podres, as alegrias e esperanças da humanidade, soube olhar com muita preocupação e zelo para a destruição e exaustão da Terra. Porém, as questões estão interligadas. Não haverá paz sem justiça com os pobres e respeito a vida do planeta. Desejamos como diz Eduardo Galeano, uma Terra onde caibam todos e onde todos tenham seus direitos.

Como o senhor vê essa retrotopia que se configura nas criticas dos conservadores ao Papa Francisco? Vemos com muita preocupação, porque há uma intenção de jogar discórdia e desconhecer a autoridade pontifícia e o ministério, bem como a opção preferencial pelos pobres, que é autenticamente cristã. Não perdemos a esperança de que o Espírito Santo possa mudar esses irmãos que fazem muito mal à Igreja e também à paz mundial. Esses grupos querem repetir uma vivência de cristandade há muito tempo superada e trata de trazê-la numa versão autoritária que nega a pluralidade e a diversidade da nossa civilização atual.

O senhor chegou a conversar sobre isso com alguma autoridade do Vaticano, em Roma? Sim. Com o prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, Dom Ladaria e Dom Fisichella, que é presidente do Conselho da Nova Evangelização. Ambos destacam o perigo do ministério paralelo desses grupos, o dano que fazem na fé dos fiés mais simples e a necessidade de uma nova evangelização, com novas expressões e nova linguagem, respeitando os valores do Evangelho já presentes nas culturas e nas pessoas.

O senhor, na sua gestão, conseguiu reabrir o Mosteiro de São Bento, em Mussurepe, na Baixada Campista, trazendo jovens monges de Goiânia e do Mato Grosso. Como está sendo esse trabalho? É muito importante voltarmos às raízes da evangelização em Campos, que passam certamente pelo legado dos monges beneditinos, desde o monge Fernando, que celebrou a primeira missa, ao monge Bernardo, que morreu no ano passado. Eles vieram para resgatar esse carisma de oração e trabalho, voltado à cultura religiosa e aos valores de uma educação cristã. Há um projeto chamado Circuito da Fé, que valoriza o Caminho de Santo Amaro e o próprio Mosteiro de São Bento, como lugares privilegiados de turismo religioso.

A Igreja de São Fidélis, que pertence à Diocese de Campos, com mais de 200 anos de criação, ganhou o status de Santuário. Como o senhor vê isso? Faz parte da minha gestão potencializar a capital espiritual. A figura de São Fidélis é muito atual, por ser um frade capuchinho dedicado ao diálogo ecumênico, à Pastoral Universitária e aos pobres. Sua morte martirial reproduz à entrega total a Cristo para a reconciliação da humanidade. A Igreja de São Fidélis é o único santuário dedicado a esse patrono. E ela ainda apresenta um estilo arquitetônico destacado como obra singular do Barroco no Norte Fluminense.

Como o senhor analisa a intolerância religiosa no país? A intolerância religiosa é uma excrecência que desvirtua totalmente a religião, pois ignora e depõe contra o amor de Deus, que morreu para nos salvar, perdoando a todos. A religião do ódio é uma blasfêmia contra Deus, que é Pai de todos e quer que seus filhos se entendam, dialoguem, partilhem a vida e que sejam irmãos. Só assim teremos paz no mundo. Lamentavelmente, a liberdade religiosa tem regredido bastante no mundo inteiro, em diversos cenários. É importante defendê-la porque ela é mãe e matriz de todos os direitos.

Uma mensagem para os cristãos neste ano de 2024? Sejamos portadores de alegria e esperança e que nunca esqueçamos que é o Espírito Santo que conduz a história. Cabe a nós interpretar seus sinais e nos colocar  sempre a serviço da humanidade ferida e dos pobres.