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O mistério da vida

"Neste artigo, Paulo Cassiano Jr. aborda a questão dos detalhes que fazem o rumo das nossas vidas mudar."

BLOG
Por Paulo Cassiano Júnior
3 de fevereiro de 2019 - 15h37

Ele, um militar de 27 anos. Ela, uma jovem empresária de 21. A conversa no bar de uma boate, o início de um relacionamento, o casamento cinco anos depois.

A história do romance entre Thiago de Barros e Suzielle Réquia poderia ser confundida
com a de milhares de pessoas, não fosse o inusitado fato de o primeiro encontro do casal ter
ocorrido em 27 de janeiro de 2013, dentro da boate Kiss. Naquela noite, 242 pessoas morreram
e 680 ficaram feridas após um incêndio provocado por um artefato pirotécnico durante o show
da banda Gurizada Fandangueira.
Após ouvir os primeiros gritos de “fogo!” e perceber a multidão forçando a passagem
em direção à saída, Suzielle correu até a porta, mas ficou presa na grade e caiu desmaiada. Foi
Thiago quem lhe prestou os primeiros socorros, levou-a ao hospital e fez contato com a família.
Assim é a vida: misteriosa. Por conta de algo que talvez nem tenha explicação, o
encontro entre Thiago e Suzielle terminou, entre sorrisos, no altar, porém poderia ter findado,
entre lágrimas, no cemitério de Santa Maria. Um detalhe, uma fração de segundo, uma decisão,
uma palavra é capaz de fazer todo o restante da nossa história mudar.
Uns chamam esse algo-que-talvez-nem-tenha-explicação de destino. Consideram que os
nossos dias já estão delineados; e o futuro, traçado de maneira fatalista. Quem tem fé coloca na
conta dos desígnios de Deus, esse ser superior, poderoso e soberano, capaz de promover
encontros e desencontros. Outros tratam isso como mera coincidência, uma soma de imprevistos
e eventualidades de alguma forma sincronizada (se você é dos que, como o poeta, acham que o
acaso vai protegê-lo enquanto andar distraído, talvez você tenha fé no acaso e não saiba).
Independentemente de qualquer coisa, todos nós passamos a vida fazendo planos, dos
mais simples aos mais complexos. O início de cada ano é sempre propício para novos projetos:
a busca por um outro emprego, a dieta sempre adiada, o curso de francês, o tratamento na pele,
a matrícula na ioga. De jeito mais sistemático uns, de modo mais desorganizado outros, ainda assim, em alguma medida, procuramos deixar as nossas vidas ordenadas com um mínimo de
planejamento. Ninguém é totalmente “deixa-a-vida-me-levar-vida-leva-eu”.
E assim seguem os nossos dias até que surge o imponderável e… tudo muda! O
engarrafamento que lhe fez perder o voo salvou a sua vida. Quando mais a torcida esperava
dele, o craque do time saiu machucado, e o gol do título foi marcado pelo seu substituto. A bala
perdida atingiu o ônibus no exato lugar onde você estava sentado, instantes após você se
levantar. Por um centímetro a bola de tênis que resvalou na linha teria saído.
A história oficial é contada a partir dos resultados, não pelas possibilidades. Não existe
“se” nas biografias. O epílogo da nossa existência é narrado pelo que foi, e não pelo que poderia
ter sido. No curso da nossa trajetória, cada entroncamento conduz a diferentes caminhos, os
quais desabrocham em outros tantos, trazendo cada qual infinitas perspectivas. No entanto,
somente uma é conhecida: a vida que vivemos. O que seria do futuro de Thiago e Suzielle longe
da boate Kiss naquela fatídica noite jamais se saberá. Mas ninguém pode duvidar de que uma
casa noturna em chamas foi o lugar ideal para que eles encontrassem o amor de suas vidas.