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Pressão popular define a pauta

Projetos que mexem no bolso dos contribuintes estão na mira, e em muitos casos, as votações acabam adiadas

Campos
Por Marcos Curvello
2 de julho de 2018 - 0h01

O cientista político e professor José Luis Vianna (Foto: Silvana Rust)

A política tem ritos, formalidades e uma forma de fazer que podem não ser amigáveis ao observador ocasional. São projetos, indicações e emendas, tudo devidamente resumido em números que fazem pouco sentido para a maioria da população, votações em turnos, passagens por comissões e divulgação em extensas ou sumárias publicações em Diários Oficiais, que muitas vezes são localizadas — e, mais importante, corretamente lidas e interpretadas — só pelos mais interessados.

Tudo legal, dentro do que prescreve a Constituição Federal e os regimentos internos dos diferentes Poderes. Tudo muito distante. Mas, desde as jornadas de junho de 2013, o brasileiro tem voltado seus olhos para o exercício da política com mais atenção — especialmente em tempos de crise econômica e corrupção sob os holofotes. Ocupado os espaços de participação popular e feito das redes sociais um campo de batalha. Um esforço por se fazer ouvir e que tem tido resultados.

Em Campos, o resultado mais visível é o recolhimento e adequação de propostas de leis na Câmara, ou surgimento de novas soluções em função da pressão social. A pressão popular levou, durante a última legislatura, à retirada de pauta e adiamento de votações e modificações em projetos considerados polêmicos pela sociedade, seja porque tratam diretamente do interesse público, mexem no bolso do contribuinte ou porque se imagina que favoreçam a “má política”.

Em junho do ano passado, o Projeto de Lei (PL) que estabelece o estacionamento rotativo no Centro de Campos foi retirado de pauta. De iniciativa do Executivo, o texto chegou em um contexto de crise econômica e sofreu objeções dentro da própria Câmara. Só foi aprovado cinco meses mais tarde, em novembro, após o pedido de adiamento da votação feito pelo vereador afastado Thiago Virgílio (PTC) ser rejeitado pela maioria.

Além de Virgílio, outros seis vereadores foram contra. Impopular, a cobrança, não foi implantada até agora. Um ano depois, a Câmara voltou a retirar um texto controverso de pauta. Também proposto pelo Gabinete do Prefeito, o PL integrava ao Código Tributário Municipal leis esparsas preexistentes, que traziam por exemplo, taxações sobre eventos religiosos e esportivos, como procissões e passeios ciclísticos. Parte das cobranças foi suprimida. Outra, teve seu valor corrigido para mais ou para menos. Mas, encargos considerados antipáticos chegaram à Casa de Leis, o que motivou uma reunião entre o Bispo Diocesano de Campos, Dom Roberto Francisco Ferreria Paz, o prefeito Rafael Diniz (PPS) e o presidente da Câmara, Marcão Gomes (PR). Não há previsão para que o PL volte à pauta do Legislativo.

Código Tributário

Outros exemplos mostram a força da pressão popular. No início do ano, o Governo Municipal provocou reações acaloradas quando começaram a chegar as contas de luz com o reajuste da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Em alguns casos, o aumento chegou a 200%. Os campistas se queixaram fortemente, especialmente aqueles que residem em áreas prestação precária do serviço, como Ururaí, assim como os comerciantes.

No fim, a prefeitura admitiu haver discrepâncias nos valores cobrados e fez uma revisão. Situação parecida aconteceu com o reajuste do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), que o prefeito Rafael Diniz prometeu, em fevereiro, limitar a um teto de 10%, após pressão da sociedade e do empresariado. A majoração tanto da Cosip quanto do IPTU foram aprovados pela Câmara no Novo Código Tributário, em setembro de 2017.

Supermercados

Houve, também, a comoção em torno do horário de funcionamento dos supermercados em Campos, após os Sindicatos do Comércio Varejista (Sindivarejo) e dos Comerciários decidirem, em fevereiro, que as unidades instaladas no município não abririam mais aos domingos. A medida entrou em vigor em março, em caráter experimental, e acabou revogada em maio, após uma assembleia das entidades, se encerrando no último dia 3.

O movimento dos sindicatos, porém, só foi feito após um intenso debate tomar as redes sociais, divididas entre aqueles que viam o fim do expediente com bons olhos, por beneficiar os funcionários, e quem o qualificava como um “retrocesso”. O prefeito foi chamado a agir e fez aprovar na Câmara uma lei que estabelecia o horário mínimo de funcionamento de supermercados no município, incluindo abertura até as 14h nos domingos.

Polêmica por outros motivos, a Lei de autoria do presidente da Câmara, Marcão, que permite a empresas vencedoras de licitações doar ao Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS) montante equivalente a 1% do valor líquido do contrato firmado com o Município, impulsionou outro forte debate online. Acusado de populismo, de praticar uma forma velada de compra de votos e fomentar o relacionamento pernicioso entre o poder público e firmas privadas, Marcão — que é pré-candidato a deputado federal — viu sua lei ser aprovada, mas, depois de tanta contestação, pediu ao Prefeito Rafael Diniz que a lei só entrasse em vigor após as eleições.

Posição oficial

Para o presidente da Câmara, a participação do cidadão na vida política se dá “além do voto” e “fortalece o regime democrático”. “Participar apoiando ou expressando seu descontentamento é muito importante para que haja mais acertos na tomada de decisão política. Em minha opinião, quanto mais participação popular melhor para o resultado final”, afirma Marcão, lembrando dos projetos de lei de iniciativa popular e das audiências públicas como formas da sociedade se fazer ouvir. Já o prefeito Rafael Diniz afirma estar “sempre de portas abertas para a população, a sociedade civil organizada, sindicatos e todos os outros atores envolvidos nas questões”. “Ampliamos e modernizamos nossos canais de comunicação. Lançamos um novo Portal da Transparência e o Sistema de Informação ao Cidadão (e-SIC), a Ouvidoria passou a seguir o modelo da União, e também realizamos audiências distritais sobre o Orçamento Participativo para a elaboração do Plano Plurianual 2018-2021. Com o PPA, conseguiremos planejar e atuar de forma eficiente e efetiva no desenvolvimento das políticas públicas e na correta aplicação dos recursos públicos”, diz Rafael.

Voz do povo

O cientista político José Luis Vianna afirma que no Brasil diversos mecanismos de participação popular são ferramentas que podem ser cooptadas. “Há proposição popular de leis, conselhos, plebiscitos, referendos e conferências, mas esses instrumentos são facilmente tomados por grupos políticos que têm interesses privados em coisas públicas. De maneira que as redes sociais e as ruas é que voltaram a ser espaços fundamentais para a sociedade fazer pressão. Pressão dá certo porque, na cabeça do político que cede, ele cede com medo de baixar a popularidade, perder voto e não conseguir se reeleger ou eleger seus correligionários”, aponta.