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Presídios de Campos com superlotação preocupam

Familiares dos presos e ONGs temem rebelião em Campos devido às condições estruturais dos presídios

Campos
Por Redação
15 de janeiro de 2017 - 8h00

POR ULLI MARQUES, THIAGO GOMES e GIRLANE RODRIGUES

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Famílias de presidiários no horário de visita (Foto: Carlos Grevi)

Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Essa foi uma das principais descobertas do matemático e físico grego Arquimedes de Siracusa, que viveu de 287 a.C. a 212 a.C.. Na época, ele não imaginava, no entanto, a atual situação do sistema penitenciário de Campos, que possui 2.854 detentos para 1.568 vagas. Essa equação nem o renomado matemático conseguiria resolver, já que a média é de 1,8 detento para cada vaga disponível. Além da superlotação, familiares dos presos e ONGs denunciam má qualidade da alimentação, falta de estrutura, problemas no cumprimento da Lei de Execuções Penais e ausência de programas efetivos de ressocialização. Isso mostra que Campos reúne condições para uma revolta nas unidades prisionais.

De acordo com os dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), das três unidades de Campos, a situação mais crítica é a do Presídio Carlos Tinoco da Fonseca, cuja população interna é de 1.598 condenados para somente 842 vagas. Isso representa uma superlotação de 90%. A Casa de Custódia Dalton Crespo de Castro, com 500 vagas, abriga atualmente 919 detentos aguardando julgamento, ou seja, 80% a mais que sua capacidade. O presídio feminino Nilza da Silva Santos tem a posição mais confortável, com superlotação de 50%. São 337 mulheres para 226 vagas. Embora os menores infratores não sejam considerados parte da população carcerária, a situação no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) não é diferente. Lá estão alocados mais de 300 adolescentes em um espaço que cabem apenas 80. Esses números retratam a crise no sistema penitenciário brasileiro.

Ainda segundo a Seap, os detentos dos dois presídios e da Casa de Custódia são oriundos de municípios das regiões Norte e Noroeste Fluminense. Em Campos, eles são separados de acordo com as facções criminosas as quais pertencem. No Presídio Carlos Tinoco da Fonseca, os presos estão ligados ao Terceiro Comando Puro (TCP) e aos Amigos dos Amigos (ADA). Familiares de detentos da Cadeia Pública informaram que há somente detentos do TCP no local; aqueles que estão envolvidos em outras facções seriam encaminhados para o Rio de Janeiro.

No entanto, os internos não seriam divididos de acordo com os crimes praticados: assaltantes, traficantes, assassinos, entre outros, cumprem pena no mesmo espaço. Somente os estupradores, conhecidos como “jacks”, e pedófilos, são encaminhados aos presídios Ary Franco ou Evaristo de Moraes, no Rio de Janeiro, chamados na gíria dos presos de “Cadeias de Seguro”, porque esses criminosos geralmente são ameaçados de morte pelos outros detentos. Em nota, a Seap se limitou a dizer que “todos os internos ingressam em uma unidade de triagem, onde são avaliados e transferidos para outra unidade de acordo com o perfil”.

De volta ao crimeDos quase 3 mil detentos em Campos, 48% são reincidentes, isto é, voltaram a cometer crimes após cumprir pena e foram presos novamente.

Familiares

Contagem de presos em 2003 (Foto: César Ferreira)

Contagem de presos no Presídio Carlos Tinoco da Fonseca em 2003 (Foto: César Ferreira)

Comida crua ou estragada, falta de água potável e carência de profissionais de saúde e programas de ressocialização, são outros problemas recorrentes na Cadeia Pública Dalton Crespo de Castro e no Presídio Carlos Tinoco da Fonseca. A informação é dos familiares dos detentos que dizem estar receosos com a possibilidade de uma rebelião motivada pela precariedade: “Eles disseram que ‘o que está acontecendo lá em cima não demora a chegar aqui’”, disse C.M.B., mãe de um jovem de 28 anos, acusado de tráfico de drogas. Ela e outras mães, esposas e filhos reclamaram da forma “desumana” na qual os presos são tratados dentro das unidades. “É verdade que eles estão pagando por um crime, mas isso não significa que eles precisam viver como cachorros leprosos”, afirmou G.K.L.

Uma das mães entrevistadas pela equipe de Reportagem do Jornal Terceira Via disse que o filho emagreceu mais de 10 quilos em um mês. Ela suspeita que o homem de 35 anos esteja com tuberculose, doença que teria sido a causa da morte de pelo menos três detentos nos últimos meses de 2016. “Meu filho não foi consultado por nenhum médico porque não há profissionais de saúde na Cadeia Pública, mas dá para ver nas feições dele que há algo errado, está que é osso puro, parece uma alma penada. Ele me contou que procurou a enfermaria, mas deram um copo de água gelada e falaram para ele voltar para a cela”, contou R.M.S. Ela afirmou ainda que não há medicamentos nas unidades prisionais e que cabe a família a tarefa de levar esses remédios que, muitas vezes, não chegam aos detentos. “Meu filho fala o que está sentindo e eu vou até a farmácia para comprar algum remédio para esse tipo de sintoma, mas quando volto para saber se ele melhorou, ele me diz que não recebeu nada”, denunciou a mulher. “Só sei que, se meu filho morrer dentro dessa Cadeia, eu quero Justiça!”, disse, chorando.

O que essa mãe teme, outra viveu há seis meses. U.B.C.S, de 28 anos, morreu na Unidade de Pronto Atendimento Penitenciário (UPA), no Rio de Janeiro, em julho de 2016, após esperar quatro meses para ser socorrido. “Ele ficou doente em março, estava com pneumonia, mas não era atendido porque tinha que esperar transferência de presos para outras penitenciárias no Rio, o que só aconteceu em julho. Eu levava remédio para ele, mas não era entregue pelos funcionários. Desde que dois presos fugiram quando eram socorridos para o Hospital Ferreira Machado e Hospital Geral de Guarus, eles estão sendo levados para serem medicados no Rio”, informou uma das mães. U.B.C.S deixou três filhos de 6, 7 e 11 anos.

Quanto à comida, a manicure G.K.L., esposa de um detento acusado de formação de quadrilha, disse que o marido reclama do cheiro e da cor dos alimentos. “O fígado e a moela são verdes e cheiram muito mal. Ele chegou a ficar os cinco primeiros dias sem comer”, contou. Ela disse ainda que no Natal, os detentos precisaram pagar a quantia de R$ 60 para a ceia, mas o que receberam foi um “frango cru”. Um episódio que deixou os familiares indignados foi quando encontraram ratos em decomposição dentro da caixa d’agua da Cadeia Pública. “Eles estavam bebendo aquela água contaminada. Imagina quantas doenças eles podem pegar por causa disso”, reclamou. Além disso, a administração da penitenciária interromperia o abastecimento de água durante o dia e só religaria o sistema à noite. G. também questionou o recebimento de roupas e comidas enviadas pelos familiares: “Os inspetores só permitem que nós levemos até três potes de dois litros de comida por visita e as roupas só chegam até os presos às segundas-feiras, isso quando chegam! Meu marido só está com duas bermudas rasgadas que ele lava e tem que deixar secar no próprio corpo”, declarou.

Outro problema enfrentado pelos reclusos, segundo as famílias, é a burocracia no sistema prisional e na Justiça. “Meu marido esta lá há 2 anos e 8 meses. Era para ter saído com 1 ano e 7 meses, mas a burocracia não permite. Por causa dessa demora ele participou de uma rebelião e teve aumento na pena para 5 anos de prisão”, disse.

Sobre a comida, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou que “quando há problema na qualidade da alimentação, é providenciada a substituição”. Em relação ao abastecimento de água, a Secretaria afirmou que “a situação está normal”. A Seap informou ainda “todas as unidades prisionais possuem ambulatórios médicos” e, além disso, “a Seap conta com cinco hospitais penitenciários, incluindo a Unidade de Pronto Atendimento (UPA)” e que, “caso haja necessidade, os internos podem ser encaminhados à rede pública”.

Programas de Ressocialização

Os familiares reclamam ainda da ociosidade dos detentos. Na Cadeia Pública Dalton Crespo de Castro, por exemplo, não há atividades que colaborem para a ressocialização e/ou profissionalização desses homens. A única atividade executada por eles é artesanato com copos de plástico e a evangelização, promovida pela Pastoral Carcerária. Já no Presídio Feminino Nilza da Silva Santos, a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) informou há uma previsão de cursos de maquiagem, cabeleireiro e jardinagem em março deste ano, oferecidos pelo Senac; no entanto, até o momento as presidiárias permanecem sem atividades.

Enquanto isso, no Presídio Carlos Tinoco da Fonseca, a Seap afirmou que há uma igreja, um colégio e uma padaria-escola destinados aos presos, mas as famílias questionam a organização desses serviços. “Meu marido me contou que nada funciona direito lá dentro porque ninguém está interessado em ajudar os presos, só em afundá-los ainda mais”, lamentou a esposa de um detento do presídio.

Visitas

Quem pensa que existe alguma privacidade nas visitas dos familiares nos presídios e cadeia pública de Campos, está muito enganado. As visitas são liberadas nos cinco dias úteis, mas só podem ser feitas pelo mesmo visitante após sete dias corridos. Além disso, esses encontros acontecem nos pátios, debaixo do sol e qualquer ato de “intimidade” é punido com restrição das visitas por três meses.

As famílias também criticam os preços da cantina da cadeia Pública Dalton Crespo de Castro. Segundo G.K.L., uma Coca-Cola de 1 litro e meio custa R$ 10, mesmo preço de um pacote de batata palha. A água mineral de 300ml custa R$ 3 e um salgado frito R$ 6. “A gente tenta comprar uma coisinha ou outra para fazer um agrado, mas haja dinheiro! Eu sou de Miracema e só posso vir a cada 15 dias porque preciso juntar para conseguir pagar as passagens e ainda a minha alimentação e a dela nos dias de visita”, contou.

Fiscalização

A criação de mais varas de execuções penais no Estado do Rio de Janeiro é apontada como uma das principais soluções para a superlotação nas unidades prisionais de Campos. A opinião é do presidente do Conselho da Comunidade da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do RJ (TJ-RJ), o advogado Luiz Celso Alves Gomes, que é responsável por fiscalizar as condições dos presídios e casas de custódia do interior do Estado.

De acordo com Luiz Celso, o TJ-RJ possui somente uma vara de execuções penais para dar conta de todos os processos do Estado. Com isso, segundo o advogado, vários presos que teriam direito à progressão de regime de cumprimento de pena continuam atrás das grades. Em Campos, isso acontece com cerca de 100 detentos, que já deveriam estar em regime semiaberto ou até mesmo livres.

Ainda na opinião do especialista no assunto, transferir condenados não está entre as soluções para o problema de superlotação, já que a maioria das unidades prisionais do Brasil possui a população carcerária maior que o número de vagas. “São raríssimos os casos de presídios no país que não estão superlotados. Sem contar que a transferência priva o detento do convívio familiar”, analisou Luiz Celso.

Pastoral carcerária

Outra entidade que atua nas unidades prisionais da cidade é a Pastoral Carcerária da Diocese de Campos. O trabalho não possui cunho fiscalizatório e 12 pessoas se revezam entre a Casa de Custódia e os presídios feminino e masculino para aconselhar, sensibilizar e evangelizar os detentos. Uma das conselheiras da Pastoral, Ana Paula Madeira Cozendey Dias, explica que os missionários têm acesso apenas aos refeitórios, onde eles se reúnem com os condenados duas horas por semana.

Às segundas e terças-feiras, das 14h às 16h, é dia de visita aos presos do Carlos Tinoco da Fonseca. Ana Paula explica que os conselheiros precisam ir à unidade duas vezes por semana por causa da divisão de facções. “Eles ficam em pavilhões separados”, disse.  Às quartas, das 9h às 11, a visita acontece no Degase; às quintas, das 14h às 16, no presídio feminino; e às sextas-feiras, das 9h às 11h, na Casa de Custódia.

Para ela, o principal problema dos presídios e cadeia pública de Campos é não oferecerem atividades para os detentos, que passam a maior parte do dia ociosos. A falta de perspectiva ao saírem da prisão, com poucas chances de retorno ao mercado de trabalho, é outro problema que fragiliza o sistema penitenciário no Brasil, segundo Ana Paula.

“É como diz o ditado: mente vazia, oficina do diabo. Imagina só você ficar praticamente o dia inteiro sem fazer nada, preso a uma cela superlotada, por anos e anos? Sem contar que a sociedade exclui esses detentos assim que eles saem da prisão”, analisou Ana Paula.

Bispo

Para o Bispo Diocesano de Campos, Dom Roberto Ferreria Paz, o trabalho executado pela Pastoral Carcerária é de fundamental importância para a ressocialização dos presidiários e detentos. De acordo com ele, “somente com o acompanhamento espiritual e reintegração de valores é possível que haja uma recuperação ética nesses indivíduos”. O bispo falou também sobre a “má aplicação” da Lei de Execução Penal (LEP) que, para ele, é uma lei “muito progressista” mas a superlotação e a falta de infraestrutura nas unidades prisionais dificultam o processo.

Ainda quanto à superlotação, o bispo declarou que é necessário que haja uma análise mais precisa das penas a fim de observar os limites da população carcerária. “De que adianta encher as cadeias de homens se não há sequer uma medida para retirá-los dali?”, questionou.

Segundo o bispo, a falta de motivação, educação, as carceragens desumanas e as facções criminosas incidem negativamente na ressocialização dos presos. “Eles são reféns das facções e não conseguem se libertar. Além disso, o ambiente mal estruturado também contribui para a revolta dessas pessoas que já possuem um histórico de dificuldades emocionais e sociais”. Para solucionar esse problema, Dom Roberto afirmou que a Associação de Proteção e Assistência do Condenado (Apac) deveria realizar ações mais contundentes com os presidiários.

“É testemunhal que há a necessidade de acompanhar o preso e, principalmente, a família dele porque essa é uma situação de muito sofrimento e que não cabe julgamentos por parte das pessoas. O que posso garantir é que continuaremos presentes nos presídios para auxiliar no que for necessário e manter a dignidade desses homens e mulheres”, concluiu.

Crise Penitenciária

Embora a crise no sistema penitenciário brasileiro seja um problema considerado “enraizado” e bastante discutido no âmbito do Direito Penal, somente este ano, com os massacres de Manaus e Roraima, o assunto ganhou repercussão na mídia. As duas rebeliões deixaram um saldo de 99 mortos logo nos primeiros dias de ano e presídios de todo o país estão em estado de alerta diante do risco de mais confrontos entre presidiários de facções criminosas rivais.

O massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, deixou 64 mortos no dia 2 de janeiro, sendo a terceira maior matança da história em presídios brasileiros e a com o maior número de vítimas desde o episódio em Carandiru (SP), em 1992, com 111 mortos.  De acordo com o Conselho Nacional de Segurança (CNS), o confronto teria sido motivado por uma ordem de ataque da facção Família do Norte aos membros da rival Primeiro Comando da Capital (PCC). O ataque lançou luz sobre outros problemas no Complexo Penitenciário como, por exemplo, a ausência de aparelhos para detectar a entrada de metais e para bloqueio de sinal de celular; a livre circulação de drogas como a cocaína; e, principalmente, a superlotação. De acordo com o Governo do Estado do Amazonas, 1.224 homens estão presos no Compaj, enquanto a capacidade máxima seria de 454 vagas.

No dia 6 de janeiro, 33 homens foram encontrados mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, em Roraima. Na ocasião, a assessoria de imprensa do Governo do Estado afirmou que o que houve também foi uma briga de facções envolvendo o Comando Vermelho (CV) e o PCC, que também é a facção mais numerosa na penitenciária. No local também foram registrados problemas estruturais e entre eles a superlotação: havia 1.474 presos antes do massacre sendo que a capacidade era para 750 detentos. Em ambos os massacres, as vítimas foram mortas de forma brutal: a maioria foi decapitada, muitos foram mutilados e em pelo menos dois casos os corações foram arrancados e colocados ao lado do corpo.

Com o objetivo de evitar novos massacres, o Ministério da Justiça autorizou o envio de ajuda federal para os Estados que atualmente vivem crises no setor penitenciário. Até o momento, as solicitações de Amazonas, Rondônia e Mato Grosso estão sendo atendidas. O auxilio deverá ser providenciado de acordo com a necessidade manifestada por cada Estado. No Amazonas, por exemplo, será enviado pessoal do Departamento Penitenciário Nacional para montar uma força integrada de atuação que auxiliará na gestão do sistema. O Ministério da Justiça informou ainda que estão previstos investimentos para modernizar e dotar as penitenciárias de Rondônia e Mato Grosso de equipamentos de monitoramento e segurança.

 

Dados Nacionais

O último levantamento realizado no Brasil sobre o assunto, divulgado em 2016, aponta que a população penitenciária brasileira chegou a 622.202 pessoas em dezembro de 2014. O perfil socioeconômico dos detentos mostra que 55% têm entre 18 e 29 anos, 61,6% são negros e 75,08% têm até o ensino fundamental completo. Esses resultados constam do último relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

Segundo o estudo, o Brasil conta com a quarta maior população penitenciária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). Entre os detentos brasileiros, 40% são provisórios, ou seja, não tiveram condenação em primeiro grau de jurisdição.