Por Ocinei Trindade e Yan Tavares









A sucessão de escândalos envolvendo figuras centrais do poder fluminense revela um padrão que faz a política do Rio de Janeiro chamar mais atenção pelas prisões de políticos do mais alto escalão do que por suas ações administrativas. A recente detenção de Rodrigo Bacellar (União Brasil), quarto presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) preso em 30 anos, é só mais um capítulo dessa história que o resto do Brasil vem acompanhando e que, pela frequência dos desdobramentos, já deixou de ser novidade. O Estado também já viu cinco ex-governadores serem presos, todos acusados de práticas que vão de desvios milionários a compra de votos.
Junto com Rodrigo Bacellar, completam a lista de políticos presos que já presidiram o parlamento fluminense: Paulo Melo, Jorge Picciani e Sérgio Cabral. Sendo que Bacellar é o segundo presidente da Alerj a ser preso no cargo. O primeiro foi Picciani, em 2017.
A história começa há três décadas, com Sérgio Cabral. Em 1995, ele é eleito presidente da Alerj pela primeira vez. Cabral ficou no cargo até 2002, quando foi eleito senador. Ficou no Senado até 2006, quando foi eleito governador do Estado com o apoio dos campistas Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho. Foi reeleito ao Governo em 2010, no 1° turno. Foi preso em 2016, durante a Operação Lava Jato, sob acusação de comandar uma organização criminosa que fraudava licitações e cobrava propina de empreiteiras por contratos milionários. Corrupção que Cabral chegou a admitir em depoimento à Justiça em 2019.
Jorge Picciani foi o sucessor de Cabral na presidência da Alerj. Ele ocupou a cadeira entre 2003 e 2010, voltando ainda ao posto em 2015. Em 2017, tornou-se o primeiro presidente da Alerj preso em exercício no cargo. A prisão foi feita pela PF, durante a Operação Cadeia Velha, um desdobramento da Lava Jato no RJ. O esquema, chamado à época de mensalinho, era composto pelo pagamento de propina mensal a deputados em troca de apoio ao então Governador Sérgio Cabral.
Picciani era apontado na investigação como integrante de um esquema de propina em troca de decisões favoráveis ao setor de transportes. Junto a ele, também era alvo e foi preso o deputado Paulo Melo. No caso de Melo, havia também a acusação de receber propinas no setor da construção civil. Foi Paulo Melo quem substituiu Jorge Picciani na presidência da Alerj, em 2011. Ele ficou na cadeira até 2015, quando Picciani voltou à presidência da Casa.
Melo conseguiu o feito de ser preso duas vezes em menos de cinco anos. Preso pela Operação Cadeia Velha em 2017, foi condenado em março de 2019, por corrupção passiva e organização criminosa. Mas, em dezembro do mesmo ano, conseguiu a progressão da pena para o regime semiaberto. Em março de 2020, foi para a prisão domiciliar. Foi então que, em 14 de maio do mesmo ano, foi preso na Operação Favorito, deflagrada contra uma organização criminosa acusada de desviar R$ 3,9 milhões da área da saúde no Rio.
Cinco governadores
Além de Sérgio Cabral, já citado nesta reportagem, o Rio teve ainda outros quatro ex-governadores presos. Entre eles, os campistas Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho, apoiadores de Cabral em sua primeira eleição ao Governo, em 2006. A lista começa por Moreira Franco, primeiro dos cinco a ser eleito e último a ser preso. Ele foi Governador do RJ entre 1987 e 1991. Sua prisão aconteceu em março de 2019, em um dos desdobramentos da Lava Jato, sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. Ao lado do ex-presidente Michel Temer, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de corrupção e lavagem de dinheiro na Eletronuclear. O desvio apontado nas obras de Angra 3 foi de R$ 18 milhões, além do pagamento de R$ 1,1 milhão de propina.













Antes dele, foi preso Luiz Fernando Pezão, que era vice de Cabral e tornou-se seu sucessor. Governador entre 2014 e 2018, Pezão foi preso em novembro do seu último ano de mandato por abuso de poder político e econômico por conceder benefícios financeiros a empresas visando doações para a campanha que o elegeu. Os primeiros ex-governadores presos foram os campistas Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho.
Garotinho foi governador entre 1999 e 2002. Saiu para se candidatar à presidência e elegeu sua esposa, Rosinha, a primeira mulher governadora do Estado. Ele foi preso cinco vezes entre novembro de 2016 e outubro de 2019. Responde pelos crimes de corrupção, concussão, participação em organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais. As duas primeiras foram na Operação Chequinho, sob acusação de compra de votos nas eleições municipais de 2016 em Campos. Naquele ano, Rosinha se elegeu prefeita da cidade. Em setembro de 2019, uma delação na Lava Jato levou o casal à prisão, sob suspeita de participação em um esquema de superfaturamento em contratos entre a Prefeitura de Campos e a Odebrecht. O casal ainda viria a ser preso outras vezes durante o andamento do caso.
Marca da política do RJ
O cientista social e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), José Luis Vianna, avalia a situação política do RJ: “É lamentável ter mais um exemplo de suspeitas de associação entre autoridades políticas do Executivo e o crime organizado de alta periculosidade. O Rio tem se destacado por essa intimidade e interpenetração do crime na política e da política no crime. Criminosos que se candidatam e se elegem, e eleitos que se aproximam da criminalidade. Isso é uma marca do Estado do Rio já há alguns anos. Facções como o Comando Vermelho expandiram sua atuação e passaram a se entrelaçar com estruturas políticas e econômicas, envolvendo lavagem de dinheiro, empresas de fachada e até instituições financeiras. Essa rede complexa atinge diferentes poderes — Judiciário, Executivo e Legislativo — resultando em uma profunda contaminação da política pelo crime organizado”, comenta.
Desdobramento no cenário eleitoral
Para o cientista político e professor da UFF, George Coutinho, a prisão do presidente da Alerj afetará o cenário eleitoral em 2026. “É importante observar as consequências disso, a robustez das provas que podem confirmar as acusações; mas, de toda maneira, colocam aí, na corrida para o Palácio Guanabara, aparentemente neste momento, a exclusão de um dos concorrentes, que é o próprio Rodrigo Bacellar. É preciso observar também as consequências para a corrida ao Senado, e se essas investigações e acusações graves respingam ou não no atual governador (Cláudio Castro). Há um aumento de complexidade e de incerteza sobre as eleições de 2026 no que tange a nomes de alta relevância da política fluminense, a partir da prisão de Bacellar.”
Crise política no RJ
A cientista social e analista Simone Pedro acredita que a prisão de Rodrigo Bacellar aprofunda a crise política no Rio de Janeiro. “Não só por reacender o debate sobre influência do crime organizado nas esferas de poder, mas também por influenciar diretamente no contexto das eleições. Com o histórico de prisões de governadores e de presidentes da Alerj, fica evidente que o problema não é pontual. Ele revela um cenário antigo, quase endêmico, de corrupção e de fragilidade das instituições de controle no Estado. Vemos redes políticas que se repetem, se reorganizam e mantêm influência, muitas vezes ligadas a interesses que passam longe do bem público. Essas práticas acabam se conectando a grupos que não têm qualquer compromisso com a sociedade — como facções criminosas. Quando esse tipo de relação se estabelece, o papel institucional fica profundamente comprometido. Ver autoridades sendo presas repetidas vezes enfraquece a crença na ética, na transparência e no funcionamento das instituições democráticas” .
Operação Unha e Carne
Rodrigo Bacellar foi preso nesta quarta-feira (3) pela Polícia Federal na Operação Unha e Carne. Segundo a PF, Bacellar é suspeito de ter vazado informações sigilosas da Operação Zargun, deflagrada em setembro, em que o então deputado estadual TH Joias (MDB) foi preso. Segundo a PF, na tarde de 2 de setembro, véspera da Operação Zargun, Bacellar teria ligado para TH Joias e o orientado a destruir provas. TH Joias chegou a organizar uma mudança e usou até um caminhão-baú para isso.
Em nota divulgada na última sexta-feira (5), a defesa de Rodrigo Bacellar afirmou que permanecia sem acesso ao teor da investigação, mesmo após dois dias da prisão preventiva, que considera “desproporcional”. A defesa fez questão de esclarecer ainda sobre os R$ 90 mil em espécie encontrados no carro oficial do presidente da Alerj, destacando a quantia como “devidamente declarada”. “A defesa reitera que o presidente da Alerj não atuou, de nenhuma forma, para inibir ou dificultar qualquer investigação, direita ou indiretamente”, diz a nota.