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Ambulantes tomam calçadas e comprometem mobilidade

Proliferação de barracas e carrocinhas em vias, calçadas e praças da cidade cresce a cada dia com pouco controle da Prefeitura

Cidade
Por Redação
16 de novembro de 2025 - 8h00
Fotos: Silvana Rust

Campos tem vivido um conflito silencioso entre economia, mobilidade e organização urbana. E tem se tornado cada vez mais visível. A presença desenfreada de vendedores ambulantes com trailers e as chamadas “carrocinhas”, grande parte irregulares, tem alterado o caminho de quem busca lazer, quem anda, dirige e de quem tenta manter o comércio formal funcionando em um ambiente cada vez mais apertado.

Durante uma semana de apuração, a equipe do J3News constatou situações repetidas em diferentes bairros: barracas montadas sobre calçadas estreitas, estruturas metálicas e de madeira avançando sobre o meio-fio e ruas. Foi flagrado até venda de panos em um varal improvisado no muro de uma residência. Outro fato comum é a presença de vendedores irregulares instalados ao lado de ambulantes autorizados.

Em vias de grande movimento, como Barão do Amazonas, 13 de Maio e Alvarenga Filho, na Avenida XV de Novembro, a partir da Rua Governador Teotônio Ferreira de Araújo até a Rua Carlos de Lacerda, os conflitos se intensificam nos horários de abertura e fechamento do comércio.

E passar por esses trechos é quase como uma maratona. Muitas vezes os pedestres precisam seguir pela rua entre os carros para driblar os comerciantes, além de motoristas e motociclistas que precisam de uma atenção mais que redobrada.

Renato Siqueira

Renato Siqueira, arquiteto e urbanista ouvido pela reportagem, destaca que o avanço do comércio informal em áreas centrais e de grande fluxo interfere na organização do espaço público e na mobilidade urbana. “O espaço público é diretamente afetado com a atividade não regulamentada e ordenada. Não são incomuns os casos de dificuldade de trânsito de pessoas e de veículos, além de conflito com o comércio formal, legalizado”, afirmou.

Debate

A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) Campos e a Associação Comercial e Industrial de Campos (ACIC), duas das principais entidades do setor comercial, pedem que o debate avance para um ponto óbvio: organização.

Fábio Paes

Fábio Paes, presidente da CDL, defende que a cidade precisa encontrar um equilíbrio. “A CDL tem defendido que sem ordem não há progresso. Uma cidade sem ordenamento afasta investimentos. E isso é muito claro. O capital busca locais onde se pode investir com menor risco. Então, basta olhar para alguns pontos de nossa cidade para ver que não estamos fazendo o dever de casa. Buscamos constante diálogo com o governo local para discutir soluções visando essa melhoria do ambiente de negócios, mas as pautas ou não avançam ou avançam muito devagar”, afirmou.

Concorrência desigual: comerciantes formais pressionados

A queixa também é para quem segue à risca as regras exigidas pelo próprio poder público. A ACIC reforça a mesma linha da CDL e acrescenta ainda uma preocupação com a concorrência desigual com muitos ambulantes que não estão cadastrados na Prefeitura.

Maurício Cabral

“Muitos lojistas têm relatado que o aumento da informalidade afeta o fluxo de consumidores e a competitividade. O comércio formal arca com uma série de encargos que o comércio informal não possui, o que gera desequilíbrio concorrencial. Essa disparidade tende a afetar o pequeno e médio comerciante local, que luta para manter empregos, pagar impostos e manter suas portas abertas. Por isso, a ACIC defende que seja estabelecido um ambiente de concorrência justa, no qual todos possam trabalhar, mas dentro de regras claras e condições equilibradas”, disse Maurício Cabral, presidente da Associação.

A ausência desse parâmetro também provoca um efeito colateral que a reportagem constatou durante a apuração: proprietários de lojas têm sido prejudicados justamente por quem descumpre essa normas. Um deles, que preferiu não se identificar, mostrou a autorização da Prefeitura, ao lado de uma barraca montada irregularmente a menos de três metros de distância, na Rua Barão do Amazonas, no Centro.

“Atrapalham bastante. As pessoas que vêm aqui comprar quase não reparam na minha loja porque o pessoal da rua está sempre gritando e chamando mais atenção. Eu já tive muitos problemas com essas pessoas. Por exemplo, tem alguns que eu sei que vêm do Rio de Janeiro para vender coisas aqui. Eles enchem a minha calçada com aqueles tapetes grandes. Peço para tirar, mas não adianta. É uma briga” , contou.

Ordenamento, formalização e políticas públicas permanentes

Renato Siqueira lembra que o próprio Código de Posturas do município define critérios específicos para o comércio ambulante, muitos deles hoje ignorados nas ruas. Ele destaca que, a partir do artigo 193, o Código exige que o ambulante tenha licença emitida pela Prefeitura, identificação pessoal com foto e, principalmente, que não obstrua calçadas, vias públicas ou a entrada de estabelecimentos. Já o artigo 196 reforça as proibições de uso indevido do espaço público e prevê multa que pode chegar a cinco salários mínimos regionais.

Para Renato, o cenário atual prova que essas regras não vêm sendo cumpridas ou fiscalizadas, permitindo que a ocupação das calçadas e ruas avance sem controle e gere conflitos diretos com pedestres, comerciantes e com a própria mobilidade urbana. O urbanista ressalta ainda que não se trata de excluir trabalhadores, mas de organizar. “Como medidas para adequação, podem ser feitos cadastramento dos ambulantes, exigência de formalização (MEI), a Prefeitura definir áreas específicas e horários para as atividades, além da capacitação ao empreendedorismo e atividades formais de comércio”, disse.

“Somente a criação de centro comercial específico, como o Shopping Michel Haddad, sem as medidas complementares citadas acima, não garante a adequação necessária, seja por um questionável modo de cadastramento ou pela instalação, que tem conflito com o patrimônio histórico por violar a sua ambiência. É importante dizer que muitos dos ambulantes buscam alternativas nessa atividade por questões de desemprego, logo, um aporte social também se faz necessário”, completou.

Grupo de Trabalho

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, o tema não pode ser tratado apenas como caso de fiscalização, mas como política pública permanente. Foi proposto que o município, por meio de um grupo de trabalho conjunto entre Prefeitura, ACIC, CDL, Sindivarejo, Sebrae e entidades representativas dos ambulantes, desenvolva um Plano de Ordenamento do Comércio Popular.

Segundo a ACIC, o plano deve prever delimitação de áreas específicas para atuação do comércio informal, ações de capacitação, além de fiscalização equilibrada, que promova ordem. “Nosso objetivo é conciliar o direito ao trabalho com a necessidade de equilíbrio econômico e urbano, fortalecendo tanto o pequeno empreendedor quanto o comércio estruturado. Pilares fundamentais para o desenvolvimento local”, completou Maurício.

A Prefeitura de Campos foi procurada pela equipe de reportagem, não se dispôs a conceder entrevista sobre o assunto. O município também não respondeu ao pedido de nota da reportagem, mesmo após contatos desde a última terça-feira (11). As pastas responsáveis foram procuradas individualmente – Companhia de Desenvolvimento do Município de Campos (Codemca), Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT), e Secretaria de Segurança e Ordem Pública -, e apenas o IMTT e a Codemca retornaram.

Por meio de nota, afirmou que o assunto é de competência da Codemca e Secretaria de Segurança e Ordem Pública e que “cabe ao IMTT apenas fiscalizar comércio instalado em pista de rolamento”. Ainda segundo o IMTT, o presidente, Álvaro Oliveira, já encaminhou aos órgãos competentes um parecer alertando que o comércio instalado em pista de rolamento vai frontalmente contra o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e o Plano de Mobilidade Urbana de Campos.

Já a Codemca afirmou que, atualmente, o município conta com mais de 2,3 mil vendedores ambulantes cadastrados aptos a comercializar seus produtos em bairros do município. São 938 para food trucks, 1.129 carrinhos  e 252 em eventos. O órgão, no entanto, não falou sobre ações para resolver o problema.