A estiagem prolongada e os efeitos da emergência climática, segundo especialistas, têm provocado uma queda no nível do Rio Paraíba do Sul. Atualmente, a cota média do rio está em 4,80 metros, quase um metro abaixo da mínima considerada ideal, que é de 5,5 metros. A situação ameaça diretamente o abastecimento de água, a produção agropecuária e o equilíbrio ambiental na região. O estudo é de comitês que realizam o monitoramento na região do Baixo Paraíba: Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap) e Comitê de Bacia da Região Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana (CBH-BPSI).
Segundo o Ceivap, a principal causa é a mudança no regime de chuvas. As estiagens estão mais longas e severas, enquanto as cheias ocorrem de forma mais centralizada, em curtos períodos. Os extremos tornam o sistema hídrico mais frágil. Além disso, o rio sofre pressão extra por abastecer há décadas a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e, desde 2015, também parte do Estado de São Paulo.
“Entre julho e setembro, esse número (cota) pode chegar a 4,5m. É um cenário gravíssimo. As vazões mínimas estão cada vez menores e se prolongam por mais tempo. Por outro lado, as máximas se tornam mais concentradas, gerando enchentes violentas. Essa combinação é perigosa para um rio já pressionado por décadas de intervenções”, afirma o diretor do Ceivap, João Siqueira.
Impactos são sentidos
Ainda de acordo com o diretor, os efeitos dessa baixa vazão já são sentidos na prática. Em Campos, os canais da Baixada Campista, que dependem da água do rio, não são mais abastecidos por gravidade entre maio e novembro, justamente quando mais se precisa, no período de seca. Isso, segundo ele, acelera a salinização do solo, prejudica a agricultura e a pecuária e aumenta os conflitos entre os usuários da água. Também contribui para a intrusão da água do mar na foz do rio, o que prejudica o ecossistema marinho.
Especialista em recursos hídricos do Comitê de Bacia da Região Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana (CBH-BPSI), Antonio Ednaldo Oliveira aponta que a crise também afeta diretamente empreendimentos que dependem da captação de água para seus processos produtivos. Ele deu como exemplo de empreendimento afetado uma indústria, considerada uma das maiores produtoras de ácido lático da América Latina, localizada em Campos. Na ponta mais sensível, a pesca tradicional também sofre.
Ednaldo afirma que o rio estaria em estado crítico. “O rio tem uma cota que nós chamamos residual, mas podemos chamar de ‘salário mínimo do rio’. Abaixo disso, ele entra em estado de calamidade. Já está na UTI”, diz. Ele explica que a vazão mínima, considerada ecológica, é de 252m³/s. “Hoje, o rio está 30% abaixo dessa vazão, que já é considerada o mínimo necessário. É como se o salário mínimo fosse R$ 1.300 e a pessoa estivesse recebendo menos do que isso para viver. É esse longo tempo abaixo do mínimo que tem causado grandes problemas para a gente”, alerta.
Para o especialista, o problema ainda vai além. Ele aponta um risco estrutural e lamenta a pouca atenção que o tema recebe fora dos períodos de emergência. “Estamos acumulando areia na calha do rio, formando bancos e ilhas que dificultam o escoamento. Isso aumenta o risco de enchentes futuras porque a ‘estrada’ do rio está obstruída. Desde 2019 a foz principal do Paraíba está fechada, o que mostra a gravidade do assoreamento. A população lembra do rio nas grandes cheias de janeiro ou nas secas de setembro, mas não se fala disso no resto do ano. E o problema não está na pauta política. É estrutural, não se resolve com ações pontuais ou locais”, afirmou Ednaldo.
Monitorar e discutir soluções para crise são essenciais
Através de nota, a Prefeitura de São João da Barra informou que acompanha de perto os dados de vazão do Paraíba do Sul. A pasta reconhece que a situação é crítica e que os riscos são reais para o município. “A foz do Paraíba tem importância estratégica para o equilíbrio ambiental, o abastecimento, a agricultura e a segurança hídrica da região. Essa redução acende um alerta para os efeitos em São João da Barra, que já enfrenta desafios relacionados à intrusão salina e à erosão costeira. Estamos atuando em várias frentes com monitoramento das áreas vulneráveis, apoio a produtores rurais e estudos voltados à gestão da zona costeira e das unidades de conservação municipais”, informou a secretaria.
A prefeitura sanjoanense também destacou que mantém diálogo com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e com instituições de pesquisa para reforçar a necessidade de ações coordenadas. “O município segue vigilante e empenhado na construção de soluções conjuntas, técnicas e sustentáveis para preservar a integridade do seu território e a segurança hídrica da população sanjoanense”, diz a nota.
A Prefeitura de Campos afirmou que acompanha a situação da bacia e caso haja algum agravamento da situação, a Defesa Civil estará monitorando.
A Águas do Paraíba informou que a captação de água segue normal. “A estrutura implantada pela concessionária permite a captação, mesmo em níveis bem inferiores ao atual, garantindo a continuidade do fornecimento de água para a população. A concessionária ressalta que o abastecimento dos canais não é sua atribuição”, disse.
Já a Cedae, responsável por abastecer São João da Barra, também informou que não há impacto no fornecimento, mas reforçou que realiza ações ambientais. “Apesar da redução do nível do Rio Paraíba do Sul, o sistema de abastecimento em São João da Barra opera normalmente. Vale destacar que a Companhia realiza rotineiramente ações de reflorestamento nas margens do Paraíba do Sul para recomposição das matas ciliares, que protegem os rios e garantem água bruta de mais qualidade e quantidade. As árvores são produzidas em viveiros mantidos pela própria Cedae, por meio do programa socioambiental Replantando Vida”, informou.
A Prefeitura de São Fidélis e o Inea não retornaram à reportagem até o fechamento desta edição.
Discussão
Na última sexta-feira (6), o tema foi debatido no seminário “Crise Hídrica e Conflitos Ambientais no Norte e Noroeste Fluminense”, promovido pela 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB em Campos). O evento reuniu especialistas e representantes da sociedade civil.
“Eventos sobre esse tema são fundamentais para promover a conscientização e a discussão sobre as soluções para esses problemas. Eles permitem que especialistas e autoridades públicas se reúnam para compartilhar experiências, conhecimentos e estratégias para enfrentar esses desafios e demonstra o comprometimento da nossa Instituição com questões que refletem diretamente na sociedade”, afirmou a presidente Mariana Lontra Costa.
Caminhos para o futuro
Para Ednaldo, as soluções para a crise do Rio Paraíba do Sul precisam ser pensadas em curto, médio e longo prazos. Ele destaca que, em longo prazo, é essencial recuperar as funções ecológicas do rio, o que envolve a recomposição das florestas, das Áreas de Preservação Permanente (APP) e das reservas legais. “A água que passa pelo rio na estiagem é resultado da infiltração no solo, e essa infiltração depende diretamente da conservação da paisagem. Sem isso, a água escorre rapidamente pela superfície, sem alimentar o rio gradativamente ao longo dos meses”, explica. Segundo estudos do Comitê, cerca de 70% do território na região está coberto por pastagens degradadas, o que compromete a capacidade de infiltração e dificulta a recuperação ambiental.
Para o médio prazo, a integração dessas medidas e a continuidade dos trabalhos são essenciais para garantir a sustentabilidade hídrica da bacia. No curto prazo, a saída apontada passa por soluções de engenharia, como a construção de estruturas capazes de acumular água das chuvas e liberá-la durante as secas. “Esses reservatórios têm três funções principais: acumular o excesso de água durante o período chuvoso, evitando enchentes; liberar a água durante a estiagem para manter o fluxo do rio; e gerar energia elétrica para o setor”, afirmou.
O especialista aponta como solução definitiva a criação dos reservatórios para acumular e liberar água de forma equilibrada, mantendo o ecossistema vivo e minimizando os riscos de cheias e secas extremas. Segundo Ednaldo, já existem avanços nesse sentido, mas que ainda é preciso ampliar o esforço coletivo e o investimento nessas iniciativas.