Uma extensa pesquisa acadêmica, que teve início em 2014, se transforma em livro. “Memória, cidade e comércio: narrativas sobre o Centro Histórico de Campos dos Goytacazes/RJ” é resultado do trabalho da socióloga e mestra em Memória Social Paula Cruz Pimentel. O estudo, que teve início em 2014, quando ela cursava a graduação na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), aborda a formação do Centro Histórico da cidade, trazendo aspectos culturais e econômicos da época, vistos sob a ótica de três comerciantes tradicionais do Centro, Ronaldo Sobral, Eraldo Saint’Clair e Almir Ramos.
O livro apresenta narrativas e temas que estão ligados aos campistas e ao espaço urbano, descrevendo como as inúmeras transformações da paisagem da cidade foram processadas ao longo dos anos, seguindo uma tendência global de modernização das cidades.
A obra traz uma reflexão sobre como a população se relaciona com este espaço ao decorrer do tempo e como essas transformações afetaram o cotidiano dos que habitam este lugar. As histórias relatadas pelos comerciantes contam detalhadamente a vida cotidiana e têm como pano de fundo o Centro, um lugar simbólico, que representa a identidade campista. O livro conta a história do povoamento de uma das mais importantes cidades do Vale do Paraíba do Sul, notável, à época, pelo alinhamento da quase totalidade da riqueza brasileira. Também conta como a cidade se desenvolveu graças à riqueza da economia da monocultura da cana-de-açúcar.
Ronaldo Sobral, proprietário da livraria Ao Livro Verde, situada na rua Governador Teotônio Ferreira de Araújo, antiga rua Barão de Cotegipe, contou à pesquisadora que herdou a livraria do pai, João Sobral, mas que, antes disso, já era funcionário da mesma, motivo de orgulho e paixão para ele.
Ao Livro Verde conquistou o título de livraria mais antiga do Brasil ainda em atividade, reconhecida pelo Livro dos Recordes, o Guinness Book, e possui uma história de resistência. Foi inaugurada no ano de 1844 pelo português José Vaz Correia Coimbra e era um lugar onde se reuniam intelectuais, escritores e jornalistas da época. Mas, também tinha a função de fornecer artigos de luxo trazidos de Portugal a uma elite local, como perfumes, cosméticos e livros de partituras musicais. De forma que possui uma importância histórica como um lugar de memória que vem agregar um valor cultural inestimável ao centro da cidade.
Uma das transformações mais emblemáticas narradas na obra é a da Praça do Santíssimo Salvador, que foi totalmente reformulada em 2005. O local, antes arborizado e gramado em partes determinadas, foi todo revestido em granito, tornando-se menos frequentado durante o dia.
“A carência de espaços públicos na cidade faz com que o lazer seja atrelado ao consumo. As famílias, em vez de irem a parques públicos e locais acessíveis, acabam indo aos shoppings. As famílias menos favorecidas, que não têm essa oportunidade, têm opções de lazer ainda mais restritas. Acabamos percebendo uma cidade que não é democrática, que não privilegia a todos”, diz a autora, ressaltando que locais como o Cais da Lapa, por exemplo, seriam áreas que poderiam ser utilizadas como espaço de lazer.
Entre as diferenças do antigo Centro e para o de hoje está a vida noturna, diz Paula. “Além da diferença de público frequentador e da mudança da funcionalidade como polo centralizador do comércio, é importante ressaltar que o Centro Histórico, 50 anos atrás, tinha uma vida noturna agitada, com seus clubes e teatro. Também havia uma programação cultural de que os habitantes podiam desfrutar sem medo da violência, homicídios e assaltos frequentes, que hoje deixam a população insegura”, diz.
Outra constatação trazida pelo livro é a falta de manutenção dos prédios históricos. Um dos edifícios em destaque é o Hotel Amazonas, antigo solar do Barão de Pirapetinga, na rua Barão do Amazonas. Construído por volta da metade do século XIX para servir de residência ao João Caldas Viana Filho, o Barão de Pirapitinga, falecido em 1895, o edifício de dois pavimentos está descaracterizado e carece de restauração.
Estudante de escola pública, Paula comemora o fato de poder retribuir um pouco do que recebeu através do seu trabalho. “É muito satisfatório pra mim a divulgação dessa obra, ela é o resultado de muita dedicação, mas principalmente, vitória da universidade pública brasileira que vem formando jovens pesquisadores que estão desenvolvendo: ciência, educação e tecnologia, base para o desenvolvimento do nosso país. Para além das atividades acadêmicas o papel do pesquisador está em estabelecer um diálogo com a sua comunidade, esse ano, em especial, ano do centenário de Darcy Ribeiro fico imensamente feliz em retribuir o investimento em educação na minha formação com essa bela obra, um trabalho intelectual que tem objetivo de ser uma ferramenta de transformação da nossa realidade social. Dedico essa obra aos jovens campistas, meu desejo é que eles também possam ter o privilégio de acesso à educação pública, pois o modelo de Universidade, tal qual sonhou Darcy Ribeiro deve ser inclusiva”, finaliza.
Sobre a autora
Paula Cruz Pimentel, socióloga formada na Uenf, mestra em memória social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), doutoranda em desenvolvimento social na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Paula nasceu em Vila Velha, no Espírito Santo, e cresceu em Campos.
Estudou no Liceu de Humanidades de Campos, situado na antiga residência do Barão da Lagoa Dourada. Lá, desde sua adolescência, ouvia histórias sobre a memória local. Mas é à Uenf, “idealizada por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola”, que ela credita o desenvolvimento de sua “vocação para pesquisa social”.