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Projeto Pillar: frequência de fisioterapias “humanamente impossível”

Denúncia do J3News gerou encerramento de vínculo com o SUS e interdição da unidade

Especial J3
Por Redação
22 de junho de 2025 - 0h01
Denúncia|MP investiga fraudes (Fotos: J3News)

Interditado na última semana pela Vigilância Sanitária (Visa) após denúncia feita em reportagem do J3News, o Projeto Pillar apresentava uma frequência “humanamente impossível” no serviço de fisioterapias prestado no Sistema Único de Saúde (SUS) em Campos. É o que apontam profissionais da área ouvidos pelo J3. A média de 2024 chegou a bater 20 atendimentos por hora para cada fisioterapeuta em um mês. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) determina que sejam atendidas duas pessoas por hora.

Espaço este que, apesar de tamanha demanda e frequência de fisioterapias, chegando a ter 300 atendimentos marcados para apenas uma fisioterapeuta em um dia no mês de julho do ano passado, acabou fechado por sequer ter CNPJ para funcionar como espaço de saúde.

A assessora-chefe da Visa, Vera Cardoso de Melo, destacou na terça-feira (16), após a interdição, que o CNPJ da unidade não possui Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) vinculado à área de saúde. O que já havia sido denunciado com exclusividade em reportagem especial do J3News no domingo (15). 

Como também denunciou o J3, o CNPJ da Associação Filantrópica Pillar mostra como principal atuação “atividades de associações de defesa de direitos sociais”. Como segunda atribuição, consta “atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte”. Ou seja, defesa de direitos sociais, arte e cultura, enquanto exercia serviços de saúde, com atendimentos fisioterápicos. O que, para a Vigilância, torna o funcionamento irregular. 

Após fenúncia|Espaço do Projeto Pillar foi fechado pela Vigilância Sanitária

Frequência “humanamente impossível”

Ainda assim, funcionando de forma clandestina, o Projeto Pillar registrou uma média de 32 mil atendimentos de fisioterapia por mês entre janeiro e julho de 2024. Pacientes que vinham de inúmeros pontos da cidade, segundo relatórios apresentados pela própria entidade.

Junto ao CNES, a unidade mantinha registro de 16 profissionais para o serviço. Destes, 14 contratados com carga horária de 30 horas semanais (6h por dia), um para cumprir 20h semanais e outro 10h. Com 32.777 sessões declaradas em fevereiro, mês com apenas 18 dias úteis, a média chega a 1.820 atendimento por dia e 303 por hora no local. São 20 atendimentos feitos por cada profissional por hora, em média. Dez a cada meia hora. 

O ápice registrado foi em julho do ano passado: 32.946 atendimentos, em um mês com 22 dias úteis. Uma média de 1.498 atendimentos por dia e 250 por hora. Dezessete feitos por fisioterapeuta a cada hora. Os relatórios mostram que, em geral, cada paciente era atendido com duas sessões. Desta forma, seriam 8,5 pacientes por hora. Em seis horas, a média diária alcança 51 pacientes por hora atendidos por fisioterapeuta.

O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) determina que cada profissional atenda até 12 pessoas por turno de 6h, isso em se tratando de pacientes de cuidados mínimos. Dependendo da complexidade, o número indicado pelo Coffito pode cair para 8 pessoas por turno.

Os cálculos chamam atenção ainda mais quando o relatório de 1º de julho de 2024 mostra 300 atendimentos marcados para uma só fisioterapeuta. Seriam 50 atendimentos por hora. Considerando que cada paciente fazia pelo menos duas sessões como mostra a planilha, ela precisaria atender 25 pessoas por hora para alcançar o número total marcado para o dia. Assim, faria por hora mais que o dobro do que é determinado por dia pelo Coffito. 

Há ainda a modalidade de atendimento em grupo, que permite que o profissional trabalhe com até seis pessoas por hora. Mas, ela é voltada para atividades específicas, como pilates, terapias de reeducação postural e recondicionamento funcional. O que confronta os relatórios, que mostram que a unidade atendia pacientes de todos os perfis, como pós-parto, pós-operatório e oncológicos – que requerem atenção especial. 

Além de consultar o Creffito, órgão que regulamenta a atividade, o J3News buscou profissionais atuantes na cidade para falar sobre o tema e analisar os dados. Para a fisioterapeuta Joyce Barbosa, as frequências apresentadas são impraticáveis:

“Impossível! Estão ‘sucateando’ os profissionais de fisioterapia. Trezentos atendimentos em um turno de 6h é equivalente a 25 atendimentos a cada 30 minutos. Essa logística sobrecarrega o profissional que, logo, não consegue entregar um tratamento eficaz e de qualidade para os pacientes. Vinte pacientes por hora para um profissional, também com certeza não é possível”, comenta. E acrescenta:

“Os atendimentos de fisioterapia ambulatorial levam de 30min a 1h dependendo da patologia em questão. Acredito que um atendimento de qualidade é possível ser feito em até dois pacientes simultaneamente. Mais do que isso, infelizmente não conseguimos entregar um atendimento de qualidade”, complementa. Outro fisioterapeuta que preferiu não se identificar, corrobora a análise de Joyce:

“Humanamente impossível, considerando tanto o espaço físico para realizar o atendimento, quanto a capacidade física. É impossível atender esse tanto de paciente por hora. Mais que isso, é proibido pelo Creffito. Até mesmo porque, pelos procedimentos detalhados em relatório, nem todos são de baixa complexidade”, diz.

Em Campos|Projeto Pillar era contratado pela Fundação Benedito Pereira Nunes

Pacientes de toda a cidade eram encaminhados à Pillar

Durante a apuração, o J3 verificou que pacientes de inúmeros pontos da cidade – de Guarus à Baixada -, eram encaminhados ao Projeto Pillar para fisioterapia. A reportagem questionou a Prefeitura para saber como esse encaminhamento era feito. Em nota, o município declarou que a Fundação Benedito Pereira Nunes (FBPN) e o Hospital Escola Álvaro Alvim eram os responsáveis pela prestação dos serviços e reforçou que não havia contrato direto do Projeto Pillar com a Prefeitura. 

“A unidade em questão tinha vínculo estabelecido diretamente com a Fundação Benedito Pereira Nunes, responsável pela contratualização da assistência à saúde no município”, informou a Prefeitura. A FBPN não respondeu até o fechamento desta matéria.

A Secretaria Municipal de Saúde esclareceu ainda que, até o mês de novembro de 2024, os atendimentos ambulatoriais de fisioterapia na rede pública municipal ocorriam por livre demanda. “Nessa modalidade, os pacientes, munidos de prescrição médica, dirigiam-se diretamente às unidades prestadoras para início do tratamento, sem necessidade de regulação centralizada”, pontuou a pasta.

Ainda de acordo, com a secretaria, a partir de novembro de 2024, foi implantado um novo modelo de acesso regulado, coordenado pela Subsecretaria de Regulação em Saúde.

“Neste formato, além da prescrição médica, os pedidos passam por avaliação da equipe técnica de fisioterapia da Regulação, que define o tipo, a necessidade e o número de sessões adequadas ao tratamento de cada paciente. A marcação é então realizada de forma direta, de acordo com a capacidade instalada e a referência territorial, em unidades próprias do município ou em prestadores contratualizados”, completa a nota.

Convênio encerrado após denúncia do J3News

A reportagem apurou também que a repercussão da denúncia feita em reportagem especial do J3News no último domingo (15), teve efeito prático em 24 horas. Na segunda-feira (16), a Secretaria Municipal de Saúde decidiu interromper todos os serviços de fisioterapia ambulatorial realizados pela Fundação Benedito Pereira Nunes fora da área predial do Hospital Escola Álvaro Alvim, encerrando assim o convênio com a Pillar. No dia seguinte, a Vigilância Sanitária fechou o estabelecimento.

Posicionamento 

Citado na reportagem especial do último domingo como peça-chave para o início do convênio da Pillar com o SUS no município, Estevão Souza de Azevedo enviou um ofício ao J3News, solicitando direito de resposta. Porém, o texto apresenta mais ataques ao jornal que explicações do que foi levantado na matéria. O que, dessa forma, não configura direito de resposta. Ele apresenta como justificativa para os números que, em um atendimento pode haver múltiplos procedimentos. Diz ainda que o atendimento não tinha controle, era de “porta aberta”. “A auditoria confunde ‘atendimento’ com ‘procedimento’. Um paciente pode realizar múltiplos procedimentos em um único atendimento, conforme prescrição médica e protocolos do SUS”, enfatiza.

Nos relatórios de frequência em que o J3News obteve acesso, aparecem os nomes das pessoas, acompanhados de códigos de procedimentos. Porém, a reportagem verificou que esses procedimentos referem-se apenas aos perfis de atendimentos, classificados pelo SUS. Cada procedimento tem um valor tabelado. Por exemplo, o atendimento fisioterapêutico em um paciente oncológico clínico: procedimento 03022020020. Portanto, o procedimento apresentado em relatório é apenas a classificação daquele atendimento feito a um paciente.

Prefeitura aponta novo panorama

Em nota enviada ao J3News, a Prefeitura de Campos explicou como vai ficar o sistema de saúde do município, neste novo cenário após o rompimento do convênio com a Fundação Benedito Pereira Nunes, que direcionava serviços de fiasioterapia à Pillar.

“No que se refere aos pacientes anteriormente atendidos pelo Projeto Pilar, a Secretaria esclarece que está promovendo o remanejamento dos usuários para outras unidades da rede. Estão sendo realizados agendamentos para consultas de triagem em fisioterapia, com o objetivo de garantir a continuidade da assistência sem interrupções”. diz o texto. E acrescenta:

“Além disso, a Subsecretaria de Regulação está entrando em contato diretamente com os pacientes, orientando que procurem a Unidade Básica de Saúde mais próxima ou, se preferirem, compareçam ao Núcleo de Regulação Ambulatorial, onde poderão formalizar suas solicitações e dar seguimento ao processo de agendamento”, complementa.

A Secretaria Municipal de Saúde informou ainda que atualmente, Campos conta com serviços de fisioterapia oferecidos tanto pela rede própria, por meio de UBSs, UBSFs e programas, quanto por instituições contratualizadas, como o Centro de Reabilitação Roma, a Associação Nova Esperança, a Santa Casa de Misericórdia de Campos e o Hospital Plantadores de Cana – todos com contrato vigente para prestação desse serviço via SUS.