O Carnaval em Campos dos Goytacazes daria um samba-enredo em 2025, mas sem empolgação. Isso porque a maior festa popular do país, mais uma vez, não acontecerá nas datas que constam do calendário nacional, de 1 a 4 de março. Tem sido assim desde 2009. Incertezas sobre a realização dos desfiles carnavalescos têm gerado desentendimentos entre o poder público e as agremiações, além de dificuldades para captar verbas e a falta de patrocínio. A Associação dos Bois Pintadinhos de Campos (Aboipic) assumiu a organização do Carnaval campista em 2024 e sugeriu à Prefeitura e à Fundação Cultural que a festa ocorresse 15 dias após o desfile das escolas de samba campeãs cariocas, mas sem êxito. A data estimada agora é de 22 a 24 de agosto, no evento “Campos Folclore Folia”. A ala dos descontentes reagiu sem sambar.
O presidente da Aboipic, Marciano da Hora, confirmou que Campos mais uma vez não terá os desfiles na data. “O que acontecerá será o lançamento dos sambas-enredo, através de uma grande feijoada, onde iremos anunciar o nosso Carnaval fora de época. A data, de acordo com tratativas com o poder público, seria 22, 23 e 24 de agosto. O nome do evento seria Campos Folclore Folia, onde haveria desfiles das escolas de samba, dos blocos e dos bois pintadinhos”, explica.
Atualmente, Campos dos Goytacazes possui cinco blocos de samba, oito agremiações de bois pintadinhos e até nove escolas de samba, de acordo com a Aboipic. “A maioria das instituições está com a sua documentação em dia. A Aboipic fez uma parceria com um grande escritório administrativo e contábil. A prioridade é sempre manter em dia a vida jurídica, contábil e administrativa das escolas de samba, dos blocos e dos bois pintadinhos. Atualmente, essas entidades estão com sua vida jurídica regularizada”, afirma Marciano da Hora. Isso é necessário para que não haja impedimentos de repasse de verbas ou aporte financeiro.
Em 2024, segundo o presidente da Aboipic, o Carnaval fora de época foi uma necessidade, em virtude da forma como se deu a captação dos recursos. “Campos teve, pela primeira vez, 100% do Carnaval incentivado por renúncia fiscal, através da política de renúncia fiscal do ICMS do governo do Estado, quanto por meio da Lei Rouanet. A Aboipic buscou esses projetos incentivados para que o Carnaval pudesse acontecer”, diz.
Quanto a 2025, há projetos em andamento para outro Carnaval fora de época. “Temos duas cartas de captação de recursos, do Governo do Estado e do Governo Federal, pela Lei Rouanet e pela Lei de Incentivo à Cultura do Estado, através da renúncia fiscal do ICMS. Porém, a Prefeitura também precisa entender que deve alocar recursos para o Carnaval. A Fundação Cultural Oswaldo Lima tem um orçamento razoável. Fizemos uma reunião, há duas semanas, com a FCJOL. Levamos uma proposta para ser discutida com o prefeito e o poder público, com o objetivo de criar uma Comissão de Carnaval, que precisa ser urgentemente publicada no Diário Oficial do município”, afirma Marciano da Hora.
O que diz a Prefeitura
Em nota, a Prefeitura informou que segue disponibilizando o Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop), sistemas de sonorização e iluminação, além dos serviços de suas secretarias para a realização do Carnaval.
“A subvenção, a exemplo de 2023 e 2024, está prevista para ser obtida via captação, por meio de leis de incentivo à cultura estaduais e federais. A Prefeitura, por meio da FCJOL, investiu em editais de fomento ao segmento do Carnaval. Em 2022, o evento ‘Foliões no Cais da Lapa’ trouxe R$ 300 mil para que as agremiações fizessem suas apresentações. Em 2023, baterias foram contratadas para o Carnaval do Farol de São Tomé. No mês de setembro, receberam R$ 400 mil para a preparação do Carnaval 2024, escolas de samba, blocos de samba e bois pintadinhos. Ainda em 2023, foi concedido o aporte de R$ 36 mil a eventos de agremiações que solicitaram atrações ou estrutura para eventos em suas quadras. No verão de 2024, mais uma vez baterias de agremiações realizaram apresentações em festas carnavalescas, com investimento de R$ 95 mil. A programação de Carnaval em Farol e outras localidades será divulgada em breve”, diz a nota.
As agremiações
Para o presidente do Boi Dendê, Wallace Vicente, outra data para o Carnaval depende da captação de recursos e do apoio dos órgãos culturais do município. A agremiação foi criada em 2004. “A Prefeitura deveria ser mais parceira com as instituições que fazem o espetáculo, principalmente na organização mais adequada e antecipada. As agremiações já vêm sofrendo com a falta de apoio. Quando o apoio vem, é muito em cima da hora, e carnavalescos, presidentes e amantes do festejo de Momo têm que se desdobrar para executar seus projetos de Carnaval”, desabafa.
O bloco de samba Os Psicodélicos, fundado em 1968 por jovens do Morrinho, é presidido por Bruno Melo. Ele se queixa das incertezas que persistem no Carnaval campista. “Tivemos uma reunião no dia 20 de janeiro com a Cultura de Campos e a Aboipic. Sugeriram fazer um minidesfile no Farol na terça-feira de Carnaval, mas acho um pouco improvável por conta do tempo. Por mais que seja ‘minidesfile’, é complexo fazer Carnaval com 30 dias. Estamos aguardando uma nova reunião para definir a data. A Prefeitura não fornecerá verba mais uma vez, algo que não concordo. Expectativa, nós não temos nenhuma, não temos certeza de nada, apesar de estarmos sempre prontos para os desafios. Temos uma diretoria atuante e uma velha guarda que está sempre com a gente”, comenta.
A presidente da escola União da Esperança, Maria Lúcia Ferraz, lamenta a situação do Carnaval campista. A agremiação de Custodópolis, criada em 1958, é uma das mais importantes da cidade. “Está tudo muito em cima da hora para organizar o desfile. Deve haver um plano de trabalho ou mais apoio para as agremiações que realmente fazem a festa. Vivemos sem apoio dos grandes empresários, e as comunidades mais carentes são as que mais sofrem. É fundamental o apoio público e privado, como acontece em outras cidades. Todas as secretarias precisam ajudar a divulgar o nosso Carnaval. Hoje, há muita gente trabalhando fora de época, pois aqui está difícil. Não temos data definida, e ela precisa ser definida para que possamos começar os preparativos e saber como organizar tudo”, critica.
Cepop e perspectivas
O Cepop, construído na gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho, não é unanimidade entre os fazedores do Carnaval. Nos últimos anos, ele esteve praticamente fechado por falta de manutenção e necessidade de reformas. “Atualmente, o Cepop não tem condições de receber os desfiles. Ano passado, uma empresa venceu a licitação para reforma. E hoje, se não me engano, já existe um aditivo para concluir a reforma”, comentou o presidente da Aboipic, Marciano da Hora.
Bruno Melo, dos Psicodélicos, prefere que os desfiles aconteçam no centro da cidade. “O Cepop, além de ser longe e não ter transporte, é muito grande para os minidesfiles que estamos tendo há dois anos”, comenta.
Para a presidente da União da Esperança, a reforma do Cepop precisa acontecer. “O Cepop é bom, mas precisa de quem realmente goste de Carnaval para cuidar dele. É um espaço maravilhoso e propício para desfiles, mas precisamos de um barracão de alegoria nas proximidades para as escolas, blocos e bois. Falta mais cuidado e reforma que precisa ser mais efetiva, atendendo melhor as agremiações, ajudando na captação de recursos e nos eventos das escolas”, diz Maria Lúcia Ferraz.
Questionada sobre a situação e reforma do Cepop, a Fundação Cultural e a Prefeitura de Campos não responderam.
História
O historiador e pesquisador sobre Carnaval, Marcelo Sampaio, lembra que, no ano passado, o Cepop foi utilizado de forma bem reduzida. “Com os desfiles fora de época, o Carnaval de Campos perdeu muito em todos os sentidos. O fato de ser sem o clima carnavalesco não estimula investimentos de patrocinadores. O principal passo a ser dado para recuperá-lo é voltar à data oficial do calendário. Tive a honra de participar nos anos de 1980 e 1990. Os desfiles eram na data oficial e aconteciam no Centro, com as arquibancadas superlotadas. Quando em 2009 virou fora de época, começou o seu enorme declínio. Não sou contra que haja investimento financeiro da Prefeitura nas agremiações carnavalescas, desde que elas desfilem na data oficial e valorizem as suas respectivas comunidades o ano inteiro. Só assim, recuperaremos a relação de pertencimento entre a folia e a população de Campos”, considera.
Quanto ao esforço de realizar eventos carnavalescos em Campos, o presidente da Aboipic, Marciano da Hora, é enfático: “Eu espero que a Fundação Cultural entenda a importância de se investir financeiramente na indústria do Carnaval, essa cadeia produtiva que gera renda, o que chamamos de economia criativa. Precisamos fazer com que o poder público veja que, quando se investe no Carnaval, vemos claramente o dinheiro circulando e voltando para o município. Investir no Carnaval significa gerar emprego. São costureiras, aderecistas, muitas pessoas, muitos trabalhadores diretamente, como as mulheres que preparam as quentinhas para os barracões das escolas de samba, dos blocos e dos bois pintadinhos. Isso é economia criativa.” Ele complementa, ainda:
“As pessoas precisam entender que muita coisa está envolvida, especialmente a paixão, o amor e o sentimento. Enquanto eu puder, em defesa do Carnaval de Campos, irei lutar junto com as escolas, os blocos e os bois pintadinhos. Não vamos deixar o samba morrer”, conclui.