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“O Grito”, de Edvard Munch, no século 21

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Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
2 de julho de 2024 - 16h11

Numa imaginária viagem para o futuro, o famoso pintor Edvard Munch resolve saltar das galerias europeias dos anos 1890 para os ‘nossos’ dias. Munch já havia criado sua obra prima, “O Grito” (1893), pintura expressionista que revela solidão e melancolia, como se vê na figura central, em que uma pessoa com o rosto distorcido ‘solta’ um grito abafado de aflição.

Acredita-se que as figuras disformes de suas obras refletiam um estado de profunda depressão. Munch chegou a ser internado numa clínica para tratar distúrbios como alucinação e insônia, mas logo deixaria o tratamento e voltaria a pintar.

Na ‘viagem’ pelo tempo, resolve explorar a América do Sul, a começar pelo Brasil. Tinha curiosidade pelos territórios indígenas – mas não conseguiu ver nenhum – bem como pela diversidade da Amazônia. Estarrecido com as queimadas, exclamou: “Depois, dizem que eu é que sofro de alucinações”.

Sendo sua época próxima à invenção do telefone, ficou impressionado com o celular, aparelhinho móvel que fazia ligações de grande alcance. Mas, ao saber que as pessoas mal se falavam, preferindo enviar mensagens cujo destinatário podia alegar ter ficado dias sem ver, estranhou: “Ué, vocês aperfeiçoaram de maneira formidável o telefone, mas quase não se falam? Depois eu é que sou esquisito”.

Acostumado com sua pequena Noruega – de parcos recursos naturais – Munch era fascinado com o fato do Brasil possuir a maior bacia hidrográfica do mundo. Assim, diante de tamanha abundância, o pintor quis ver de perto. Entretanto, ao ser informado que no mais próspero e populoso estado do país, São Paulo, boa parte da população não tinha água – sobrevivia com bicas e caminhões pipas – Munch pensou estar tendo uma recaída em seu precário estado de saúde e pediu que fosse levado a uma clínica psicológica. Todavia, ao saber o SUS levava meses para realizar qualquer tipo de exame, desistiu: “Ainda bem que, louco ou não, vivo em Oslo e só estou aqui de passagem”.              

“O Grito” é um dos quadros mais importantes das artes plásticas e o mais caro já comercializado no mundo

Após encantar-se com a velocidade e conforto dos carros modernos, resolveu experimentá-los na ‘cidade maravilhosa’. Ligou para o Uber – “que maravilha!”, disse – e quis percorrer a Av. Brasil. Logo se viu inconformado com a lentidão do trânsito e questionou a serventia dos veículos, visto que as carruagens andavam mais rápido. Mais à frente, foi vítima de arrastão na ‘Brasil’ e ficou sem o relógio. Adiante, tiroteio entre traficantes obrigou Munch a ficar embaixo do carro, advertido sobre bala perdida. De volta, sofreu tentativa de sequestro numa parada de sinal. Incrédulo, desabafou: “Depois dizem que eu é que invento coisas”.

Munch pensou em visitar algum lugar do interior e, estando no estado do Rio, quis ver os ‘engenhos’ de açúcar que eram referência da cidade de Campos. Mas lhe foi contado que os antigos engenhos tinham sido transformados em modernas usinas, mas quase todas fecharam. Mesmo desiludido, insistiu em vir assim mesmo. Entretanto, ao ficar sabendo que o Centro, depois das 20 horas, não tinha uma viva alma, mudou de ideia: “Não vou não. Tenho medo de fantasma vagando por ruas vazias e vão dizer que tive alguma recaída”.

O norueguês ficou perplexo ante os avanços da comunicação coletiva, denominada de rede social, via Internet. Adiantou-se a comentar nunca ter sonhado algo parecido, considerando quão fácil havia ficado o envio de convites, de felicitações e avisos. Mas, quando soube das fake news, usadas, maciçamente para disseminar ódio, chocou-se: “Depois, eu é quem crio deformações em meus quadros”. 

Munch quis inteirar-se da política e de nossas leis. Alegrou-se ao saber que a disputa presidencial de 2022 se deu entre dois estadistas, bem como da liberdade de expressão vigente no país. E aliviado quando lhe disseram (ao contrário do que supunha) que ditadura na Venezuela não passava de narrativa. Só não conseguiu enxergar o conceito de harmonia entre os poderes, previsto com clareza em nossa Constituição. E pensou: “Será que além de tudo que já dizem de mim, também fiquei cego?”.

Apesar de não se interessar por economia, o artista fez perguntas sobre o setor, visto que num país continental era de se esperar prosperidade e qualidade de vida. Porém, tentaram explica-lo que não era bem assim, porque o governo gastava mais do que arrecadava. Além disso, uma grande fatia da população vivia na pobreza ou extrema pobreza, sem esgoto, água potável e morando em barracos ou palafitas. Diante do cenário, Munch não quis mais saber de nada, e voltou correndo para a Noruega. “Agora mesmo é vão dizer que tudo isso é invenção e que fiquei ainda mais pancada da cabeça”.

Ao se despedir, Edvard Munch observou: O Grito ‘cairia’ bem melhor se o tivesse pintado por esses tempos”.

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(Foto: Divulgação)

EDVARD MUNCH (Noruega/1863-1944), é considerado um dos maiores artistas plásticos do mundo e o principal nome do Expressionismo.

Na infância enfrentou diversas doenças e dificuldades financeiras. A perda de toda a família ainda na juventude provocou em Munch um sentimento de transtorno que o acompanharia por toda a vida, resultando num drama psicológico de instabilidade e angústia.

Frágil, entregou-se à bebida e ao cigarro. Contudo, após breve tratamento, abandonou os vícios e livrou-se das deficiências físicas.

Estudou na Escola de Artes e Ofício de Oslo e passou a pintar freneticamente, chegando a criar mais de 1.000 telas.

“O Grito”, de 1893, tornou-se a pintura mais cara da história ao ser leiloado, em maio de 2012, por 119 milhões de dólares.

O quadro tem 4 versões, todas praticamente idênticas, exceto pela última, onde uma das pessoas que passeiam por uma ponte em Oslo se inclina e olha para baixo.

Seja como for, o vazio o existencial, o medo e o desespero angustiante marcaram as telas de Munch, expressadas através da deformidade das figuras que transmitem pânico e horror.

Edvard Munch morreu de tuberculose, aos 80 anos, na cidade de Ekely, nas proximidades de Oslo.