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Prefeitura promete nova orla para Guarus

Projeto de revitalização foi orçado em cerca de R$ 4 milhões

Especial J3
Por Ocinei Trindade
19 de maio de 2024 - 0h01
Sem manutenção|Degradação e abandono são características do local; Vídeo divulgado em rede social mostra perspectiva de como ficará a área após a revitalização (Fotos: Silvana Rust)

O entorno do Rio Paraíba do Sul, em Campos dos Goytacazes, abrange parte das regiões de Guarus, Lapa e Centro com uma orla urbanizada. Nos últimos 33 anos, ela sofreu diversas alterações na paisagem com projetos urbanísticos. Abandono, manutenção inadequada e degradação da Orla I (Guarus) e Orla II (Lapa) aconteceram nas últimas gestões municipais. Um projeto de revitalização da área foi divulgado pelo prefeito Wladimir Garotinho em suas redes sociais no dia 7 de maio. De acordo com publicação no Diário Oficial do dia 9, o projeto foi orçado em R$ 3.989.903,95, e vai atingir o perímetro entre as pontes General Dutra e Saturnino de Brito.  A reportagem ouviu moradores e arquitetos e urbanistas que apoiam mudanças, mas com algumas considerações e sugestões.

Em matéria postada no site J3News do dia 7 de maio, é possível visualizar o projeto divulgado por Wladimir, em um vídeo de animação. “A nossa nova orla terá ciclovia, parque pet, áreas de lazer, letreiro artístico ‘eu amo Guarus’ e muito mais”, comentou o prefeito no Instagram, sem definir data para início das obras. De acordo com nota da assessoria da Secretaria de Obras, “na quarta-feira (15) foi publicada a Portaria dos Fiscais e, nos próximos dias, será assinada a Ordem de Serviço, a partir da qual a empresa terá prazo de 12 meses para a execução dos trabalhos em toda extensão da Orla, no trecho compreendido entre a Ponte General Dutra, no bairro Jardim Carioca e a Ponte Saturnino de Brito, no bairro Vicente Dias, com as intervenções apontadas no projeto”, informou.

Além do vídeo do Projeto de Revitalização da Orla I (Guarus), elaborado pela Empresa Construcon, assinado pelo engenheiro Merhi Daychoum, a reportagem teve acesso a algumas ilustrações de como deverá ficar a nova orla com as intervenções e obras. Estão previstos ciclovia em piso cimentício com espessura de 8cm e iluminação em todo o trecho; pintura colorida em tinta acrílica; sinalização com programação visual vertical e horizontal; cobertura plena de rede e internet wi-fi; recuperação e reforma do dique existente.

A Orla de Guarus, criada pelo então prefeito Anthony Garotinho, em 1991 era completamente diferente, sem pavimentação e canteiros com jardins. Na ocasião, a prefeitura construiu também quiosques e bares concedidos a permissionários. Um destes é o comerciante Rubens Nogueira. “Estou aqui há 41 anos. Antes do quiosque havia um trailer. Eu sou favorável a qualquer obra que traga melhorias e que eu não seja removido. Fiz reformas no prédio e entorno por minha conta. Há vários quiosques abandonados e em ruínas”, comenta.  Outro comerciante veterano na Orla de Guarus é Wanderley Paes, que trabalha há mais de 30 anos no Mercado de Peixes, ao lado da Ponte Barcelos Martins: “Aqui precisa melhorar tudo. A revitalização pode ajudar a trazer o cliente de volta para cá. Aqui não tem estrutura nenhuma na peixaria. O banheiro é indecente, sem condições de uso. Estamos expostos a sol, vento e chuva. Trabalhamos porque precisamos. Já fomos 45 peixeiros. Depois caiu para 20 e, atualmente, somos só dois profissionais. Falta movimento de clientes pela situação precária de quase toda a orla”, diz Wanderley. O poder público pode tentar minimizar os transtornos, mas há, também, desrespeito de alguns moradores com a área. A reportagem flagrou lixo e entulho sendo espalhados em diversos trechos da orla.

Análise de arquitetos e urbanistas

Anfea|Diretor Gustavo Manhães (Foto: Arquivo Pessoal)

O J3News consultou alguns especialistas em projetos urbanísticos, como o diretor da Associação Norte Fluminense dos Engenheiros e Arquitetos (Anfea), Gustavo Manhães, para analisarem o Projeto de Revitalização da Orla de Guarus. “A gente não teve acesso a 100% do projeto. Observo o que foi publicado que são apenas algumas questões de impacto visual. Não tem muita alteração do que já existe. Em nível de projeto, a gente percebe uma reforma ou maquiagem, sem mudança de aproveitamento no espaço. Há repetição de quiosques. Alguns questionam esse tipo de ocupação. O rio é um elemento de contemplação em quase todos os lugares do mundo. Não sei se a alteração vai impactar a população. O que eu sempre questiono é a falta de debates do órgão público com as entidades da sociedade civil organizada. Falta diálogo. Quem vai usar é a sociedade, a população. Seria bom analisar com as pessoas a melhor forma de aproveitamento e contemplação do Rio Paraíba”, diz Gustavo

IFF|Professor Luciano Falcão (Foto: Arquivo Pessoal)

Para o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense (IFF), Luciano Falcão, a cidade de Campos tem carência de espaços livres públicos de lazer e prática de esportes. “É natural que as orlas dos cursos d’água sejam o local adequado para esta implantação, como é visto em muitas outras cidades. O que se vê com frequência em projetos de áreas públicas é que estes não são realizados com a participação da população. E, como consequência, esses investimentos não trazem o resultado esperado, pois não são ‘adotados’ pelos prováveis usuários. Não são, necessariamente, grandes intervenções que irão resolver o problema. É absolutamente necessário que estes espaços às margens do rio que cruza a cidade sejam ocupados com atividades. Isso traz uma compreensão maior da paisagem natural que cerca a cidade, tanto do ponto de vista ambiental quanto de autoestima, cidadania e identificação. A arquitetura da paisagem se faz presente diariamente nas nossas vidas, seja com impactos positivos ou negativos. No caso específico dos locais mencionados, um exemplo muito rico do que a cidade pode oferecer aos seus moradores, independente de nível social ou econômico”, considera.

Uenf|Luciane Silva (Foto: Arquivo Pessoal)

A professora e pesquisadora Luciane Silva, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), estuda Sociologia Urbana. Para ela, a revitalização da orla deve ser debatida na Conferência Municipal das Cidades, prevista para ocorrer até o fim de junho.  “A gente tem que fomentar a participação dos conselhos, a construção de plenárias democráticas de decisão. Nos últimos anos, temos visto a administração Garotinho investir em praças com possibilidade de esportes em áreas como na Baleeira. Há certo embelezamento de áreas como a Portelinha. Sem dúvidas, é importante que o poder público faça esse investimento, mas há questões bem complicadas na própria relação histórica que se construiu com Guarus, já que existe todo um estigma associado a essa região. A melhoria de uma orla na tentativa de integrar Guarus de forma mais positiva à cidade, não basta revitalizar sem investir em políticas públicas de acesso aos usos do espaço; programações de interesse desta população em uma cidade que explicita grande preconceito pelo lado de lá da ponte”, avalia.

Sugestões para além da margem

Maicon Barbosa pesca na Orla de Guarus

A Orla II, no Cais da Lapa, ainda está em obras. O projeto de revitalização orçado em R$390 mil, foi  iniciado em 3 de fevereiro de 2023, com prazo para conclusão em 120 dias. Durante a semana, a reportagem verificou que três quiosques seguem em reforma para abrigar a Secretaria de Turismo. As paredes do dique de contenção receberam pintura dentro do processo de revitalização, mas falta ainda concluir obras. Em dezembro de 2019, o ex-prefeito Rafael Diniz, chegou a inaugurar a Nova Orla, mas o espaço seguiu com pouco ou nenhum aproveitamento.

Com o novo projeto para a Orla de Guarus, acredita-se que a conclusão só acontecerá em 2025, já que a previsão de execução obras é de até 12 meses.  O arquiteto e urbanista Rodrigo Porto considera o entorno do Rio Paraíba do Sul, que une o Centro a Guarus, agradável, belo e útil. “Adeptos da corrida e da caminhada já utilizam a via de Guarus que se apelidou como ‘o zerão’ entre as pontes. A atividade física ali não é praticada com tanta intensidade devido à baixa iluminação e insegurança. Já é comprovado urbanisticamente que, mais do que policiamento, que é importante, pessoas são o item que mais traz segurança. Pessoas atraem pessoas que criam a sensação efetiva de segurança”, considera.

Comerciante|Fernando Cabral (Foto: Silvana Rust)

O comerciante e ciclista esportivo Fernando Cabral é português. Ele vive em Campos desde 1979 e considera que é preciso verificar as condições dos diques. “Antes de pensar na reforma da ciclovia, da estrutura, temos que pensar na reforma do dique, reforçar sua base. A ciclovia está toda infiltrada desde 2000. Com a cheia que nós sofremos em 2007, só piorou. Vejo a reforma da prefeitura com bons olhos. Porém, tem que priorizar essas questões”, diz.

Carlos Artur Nascimento corre da Pecuária a Orla de Guarus

As condições do piso das calçadas e ciclovia são criticadas por moradores e usuários da orla, como Rosenildo Nogueira e João Joaquim, do Jardim Carioca e Talvane Angelo, do Parque Rio Branco. Todos os dias eles passam pela via. Pessoas de outros bairros também utilizam o local. “Venho da Pecuária  para correr o zerão. São 8 quilômetros de percurso. Esse pavimento daqui precisava alinhar mais, porque na hora que a gente tá correndo, desgasta muito  ficar desviando de buracos. Machuca o tornozelo e o joelho. Gosto de respirar o ar puro pela manhã e interagir com outras pessoas”, diz o empresário Carlos Artur Nogueira.

Rodrigo Porto

Com uma extensa vegetação às margens do Rio Paraíba, poucas pessoas costumam desfrutar da área. A reportagem flagrou um grupo de pescadores amadores sob as árvores. “Elas precisam de podas para melhorar a iluminação e segurança. É comum pessoas suspeitas e usuários de drogas, infelizmente”, diz Maicon Barbosa, morador do Cidade Luz. Quem também admira o rio e a pescaria é Wilson Miranda, morador do distrito de Santa Maria. “Venho de lá para pescar. Quando estamos em grupo, me sinto seguro. Aqui é muito bonito e poucos campistas aproveitam esse lugar”, diz. O arquiteto Rodrigo Porto considera a área verde da Orla de Guarus bastante positiva. Temos ainda a vista da cidade que é muito bonita. No contexto geral, a ideia de revitalizar é integrar efetivamente, algo que se deixou esquecido durante muitos anos”, conclui.