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Quem está faturando no Parque Alberto Sampaio?

Espaço que já foi público e local para grandes eventos virou estacionamento privado

Especial J3
Por Redação
25 de fevereiro de 2024 - 5h00
Ocupação|Três estacionamentos ocupam área pública e lucro fica integralmente para empresas privadas (Foto: Josh)

Um marco da área central de Campos, o Parque Alberto Sampaio celebra, em 2024, 36 anos de sua remodelação. A área, que está na memória e no caminho de muitos moradores, já passou por diversas configurações. Agora, será transformado pela Prefeitura de Campos em um complexo formado pelo Anfiteatro Antônio Roberto de Góis Cavalcanti – Kapi, a Praça da Bíblia e estacionamentos. Um projeto de reformulação é discutido desde o fim de 2022, com a participação da Associação Evangélica de Campos (AEC) que irá “adotar” o parque após a reforma. Fato é que, desde 2011, com áreas destinadas a estacionamento de veículos, o local se tornou uma importante alternativa para os motoristas que buscam o centro da cidade, mas, ainda há questões sobre seu funcionamento.

O Centro de uma cidade é um reflexo dinâmico de sua evolução ao longo do tempo e o que antes era um vibrante espaço público de lazer e convivência, gradualmente cedeu lugar para uma predominância de carros. O parque, na sua configuração atual, se transformou em uma solução para o problema recorrente da área, que é a falta de vagas nas ruas. Para os comerciantes do Mercado Municipal, o número escasso de estacionamentos atrapalha o movimento de clientes. No entanto, uma solução aparentemente improvisada acabou sendo bem vista. 

Foto: Silvana Rust

Ronaldo Pessanha de Azevedo, que possui uma barraca de legumes no mercado, defende ações no local. “Qualquer coisa que fosse para melhorar seria ótimo. Que seja um estacionamento mesmo. Estacionamento é o essencial que o Mercado precisa. Vários prefeitos prometem que vão fazer um estacionamento e nunca fizeram. Tem aquele ali porque acabou o Camelódromo, e fizeram estacionamento. Mas, pensar um estacionamento para o feirante, para o cliente. Nunca fizeram”, contou. 

O comerciante Izael da Silva Trindade também vê de maneira positiva o estacionamento localizado em frente ao mercado. “Ajuda um pouco não, ajuda muito. Pra gente aqui, é muito bom se permanecer”, disse.

Atualmente, existem três estacionamentos funcionando na área do Parque. O primeiro e mais antigo fica embaixo da ponte Leonel Brizola. A administração é realizada por uma empresa privada, que recebeu do município o direito de operar e receber pela exploração do espaço. O local foi inaugurado em 2011. Em 2017, o estacionamento era operado pela Codemca (Companhia de Desenvolvimento de Campos), órgão da Administração Direta, por decisão do então prefeito Rafael Diniz. Atualmente é novamente administrado por uma empresa privada que fica com os lucros do local.

Um segundo estacionamento funciona onde, até dezembro de 2022, estava instalado o Shopping Popular Michel Haddad, popularmente conhecido como Camelódromo. A área, agora livre e coberta, foi destinada para essa função. Uma reportagem do J3News, publicada em outubro de 2023, revelou que os guardadores de carros, que há décadas atuam próximo ao Mercado Municipal, afirmavam ter autorização da Prefeitura para ocupar o espaço. No entanto, uma notificação foi enviada, indicando que deveriam desocupar o local. Na última semana, ao retornarmos ao estacionamento, observamos uma nova empresa operando o estacionamento. Os guardadores de carros estavam concentrados em uma terceira área, próxima ao anfiteatro Kapi, onde cobram preços mais baratos.

Invasão|Motos e carros ocupam espaços que poderiam ser utilizados para ações culturais (Foto: Silvana Rust)

A prefeitura de Campos informou, em nota, que “anteriormente, havia uma concessão da Companhia de Desenvolvimento do Município de Campos (Codemca) que estava inativa e que foi refeita pelo IMTT, em dezembro de 2023. O órgão esclarece que há um permissionário formalizado e autorizado pelo IMTT para administração do espaço”.

J3News pediu esclarecimentos junto à Prefeitura Municipal de Campos sobre o funcionamento das três áreas, sobre como é realizada a decisão de quem irá se tornar o permissionário para explorar o espaço público e onde foi publicizado o processo para a concessão da nova área. O município informou apenas que “não foi aberto nenhum procedimento, chamamento público para administração de novas áreas, porque já havia formalizado pela Codemca, anteriormente. O espaço é que foi requerido, agora, pelo então permissionário e regularizado pelo Instituo Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT)”.

Não foi fornecida, porém, uma resposta direta sobre quem tem a permissão e até quando ela está válida. Nem sobre a contrapartida oferecida pelos administradores do estacionamento ao município. Além disso, permanece sem clareza se os estacionamentos serão administrados pela AEC, que ficará responsável pelo Parque Alberto Sampaio após as reformas.

Parque será “adotado” após reforma custeada pelo município
A discussão sobre o futuro do Parque teve início em junho de 2021, quando o prefeito Wladimir Garotinho anunciou a intenção de conceder a administração do espaço à Associação Evangélica. Mais de um ano após a aprovação da lei que transformou o Parque em Complexo, com a inclusão da Praça da Bíblia, em dezembro de 2022, pouco avanço foi visto no desenvolvimento do novo projeto, que também não foi discutido publicamente. A prefeitura informou, em nota, que um projeto apresentado pela AEC está no Gabinete do prefeito Wladimir Garotinho (PP) para alterações.

Questionada pelo J3News, a Prefeitura também informou que firmou parceria dentro do Programa Amigo da Cidade. “Foi assinado termo de compromisso com a Associação Evangélica de Campos (AEC), que estabelece um convênio para recuperação, uso e manutenção da arena do Parque Alberto Sampaio”. No entanto, o município primeiro realizará, com seus próprios recursos, a obra do local e, apenas depois, firmará convênio com a AEC. “A Associação Evangélica fez um projeto para a praça, no entanto, houve necessidade de fazer uma reforma também no anfiteatro, a pedido da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. Em seguida, optou-se, ainda, por fazer a reformulação do Parque Alberto Sampaio em um todo, que vai ficar a cargo da prefeitura”, informou.  

Renan Siqueira|Presidente da AEC

“Assim que a praça ficar pronta, a Associação vai concretizar a parceria com a prefeitura e oficializar o trabalho de cuidar da praça, fazer atendimento às pessoas, moradores em situação de rua que, porventura, possam estar indo para ali, pessoas que são dependentes químicos também, que podem estar frequentando o espaço”, explicou o presidente da AEC, pastor Renan Siqueira.

Enquanto o projeto da área não é divulgado oficialmente, o presidente da AEC contou ao J3News um pouco do que foi apresentado ao município.  “A expectativa é muito grande porque nós vamos ter dentro da nossa cidade um local onde as famílias poderão ir livremente, desfrutar de um espaço aconchegante, de um espaço seguro, de um ambiente familiar, de um ambiente de eventos. Tanto religiosos como também culturais, porque dentro do Parque Alberto Sampaio já existe o anfiteatro Kapi, que vai ter também suas atividades culturais. Vai ter praça de alimentação, vai ter área para uma pista, para as pessoas fazerem caminhada e um ambiente muito propício para toda a população de Campos”, contou.

Tempos de glória na memória dos campistas
Moradora de Campos há 50 anos, Eliane Oliveira Barcelos conta que a praça já teve área de lazer infantil. “Eu lembro que tinham alguns brinquedos aqui. Meu marido vinha ao Mercado Municipal e eu ficava aguardando nos brinquedos com a minha filha. Agora, a gente até fica aqui aguardando o carro vir nos buscar, mas não tem manutenção. O cheiro é ruim. Não dá para ficar muito”, lamentou.

Solange Silva é moradora de Travessão e passa pelo local a cada duas semanas quando precisa fazer alguma atividade no Centro da cidade. Ela fala do abandono do espaço. “Essa praça era show, tinha cascata de água, era tudo direitinho, mas agora acabou”. Ela contou, ainda, da sensação de insegurança no local atualmente. “Eu passo até por fora. Às vezes, eu passo por dentro, mas eu fico com medo”.

Foto: Acervo da Biblioteca do IBGE

A área existe desde que a Lagoa do Furtado foi drenada, em 1850, para dar lugar ao canal Campos-Macaé, conta o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Soares. “Nas décadas de 50 e 60, o parque teve seu grande esplendor, a sua fase áurea. O canal não estava tapado, era muito arborizado, tinha um grande anfiteatro, faziam grandes eventos, Orquestra Sinfônica Brasileira já se apresentou ali. Chegou à década 70, o espaço entrou em decadência, passou a ser esquecido pela administração. Em 1987, houve um concurso em que três arquitetos campistas ganharam e fizeram a grande remodelação, que é mais ou menos o que a gente encontra hoje. Acho que depois, os governos que sucederam só fizeram manutenção do espaço”, contou o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Soares.

Em 1988, o local recebeu o nome de Parque Alberto Sampaio, como uma homenagem ao renomado médico, naturalista, sociólogo, geógrafo e botânico de renome internacional, Alberto Sampaio, e está localizado em frente ao Mercado Municipal. Possui uma extensa área livre, sombreada por diversas espécies de árvores, e destaca-se pelo chafariz de três patamares no qual havia, em outros tempos, uma queda d’água.

O campista e presidente da AEC, pastor Renan Siqueira, compartilha, também, memórias sobre o local. “Existia ali um parque muito bonito onde as famílias usavam. Eu tenho até amigos que se conheceram ali. Amigos hoje casados, já avós, que se conheceram ali. Começaram o namoro e se casaram a partir do Parque Alberto Sampaio. Muitas histórias bonitas do Mercado Municipal, as pessoas iam ao mercado, faziam compras e passavam ali, para conversarem, baterem papo. Muitas igrejas faziam ali também momentos de adoração a Deus. Muitos jovens foram evangelizados ali, saíram das drogas, através da utilização daquele espaço. Enfim, são muitas histórias bonitas”, contou.

Área tem alagamentos constantes
Não é novidade que a área na qual funcionava o antigo camelódromo sofre com constantes alagamentos durante chuvas mais intensas. Em entrevista, em dezembro de 2022, o vice-presidente do IMTT, Davi Alcântara, reconheceu que esse é um dos pontos de maior vulnerabilidade no período das chuvas. Nesta semana, a prefeitura foi diretamente perguntada se o projeto que vem sendo discutido entre o município e a AEC contempla a situação, no entanto, nenhuma resposta sobre o assunto foi entregue. 

Para o presidente do Instituto de Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Soares, a reformulação também pode ser saída para o problema. “toda vez que chove demais, o canal que está ali e a bacia da lagoa do furtado, ela volta. Não tem drenagem suficiente para aquilo ali. A importância dessa nova revitalização do espaço é recuperar aquela área verde e expor  e deixar que o canal venha absorver toda a área da bacia”, disse Genilson Soares.