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Novas ciclofaixas de Campos são analisadas por urbanista: “carecem de complemento”

Renato Siqueira vê fatores positivos na implementação da Prefeitura, mas considera que campanhas educativas são necessárias

Cidade
Por Ocinei Trindade
25 de janeiro de 2024 - 9h46
Arquiteto e urbanista Renato Siqueira

A reportagem especial do J3News desta semana, “Ciclofaixas dividem opinião na cidade” (clique aqui) destaca opiniões da população, motoristas, ciclistas, especialistas em trânsito, além do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT), a respeito das vias exclusivas para ciclistas.

As novas medidas sobre mobilidade urbana da Prefeitura de Campos dos Goytacazes envolvem elogios e críticas por parte dos usuários e comerciantes. O arquiteto e urbanista Renato Siqueira já presidiu o IMTT. Ele defende a implementação de mais malhas cicloviárias na cidade, além de campanhas educativas sobre conscientização no trânsito. Confira a entrevista na íntegra.

O governo municipal tem implantado com o IMTT a instalação de ciclo-faixas em algumas vias centrais. Elas diferem em tamanho e extensão. Como observa nestes primeiros momentos, o trânsito na cidade com essas medidas?

A ampliação da malha cicloviária está definida no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, aprovado por lei em abril de 2022. O plano define corredores viários estratégicos, como os corações para a conexão da malha cicloviária que era muito ruim e colocava os ciclistas em crítica situação de risco. As dimensões atuais visam proposicional o tráfego de bicicletas em mão dupla, o que não era feito até então. Contudo, alguns casos merecem revisão por estarem abaixo da largura recomenda pelo Denatran.

O setor público de trânsito e transporte em Campos estaria executando ações que seriam iniciadas na gestão de Rafael Diniz, como a cobrança por estacionamentos de veículos nas ruas. A gestão Wladimir anunciou em 2021 o projeto “Vaga Certa”, mas até hoje não foi colocado em prática. Com a ampliação das ciclofaixas, o número de vagas nas ruas só diminuiu. Há muita insatisfação de moradores, comerciantes quanto à perda de vagas. O que deve ocorrer a partir de então?

Desde o ano de 2017 existe a lei que regulamenta o estacionamento rotativo nas ruas de Campos. Contudo, ainda se observa a sua não implementação. A solução ideal para a mobilidade será a que integrar os diversos modais, desde a caminhada, com calçadas acessíveis, passando por malha cicloviária estrategicamente e corretamente integrada, aliadas a um eficiente sistema de transporte público coletivo, especialmente o de grande capacidade, além do de massa, grande capacidade. Este último a cidade não possui. Ainda tende ao pior devido ao desmonte do que havia de malha ferroviária.

Quanto às reclamações dos comerciantes em relação à disponibilidade das vagas para os automóveis, em muito não procede devido os mesmos ocuparem as mesmas ao longo do dia, não os seus clientes. Um bom exemplo disso são os trechos da Avenida Alberto Torres e da Rua Barão de Miracema, no Centro Histórico, onde raramente se encontrava uma vaga, com os mesmos carros dispostos das primeiras horas da manhã até o final do horário comercial.

Os grandes geradores de tráfego, considerados polos geradores de viagens, como bancos, shoppings e grandes comércios, tanto pelo Plano Diretor, quanto pelo Plano de Mobilidade, devem oferecer infraestrutura de estacionamento.

Com as ciclofaixas, parar o carro mesmo que rapidamente ficou difícil. Isso ocorre com taxis, carros de aplicativos, entregadores de produtos, estudantes em escolas. O projeto foi bem executado?

O projeto de implantação das recentes ciclofaixas carece de complemento, em especial de sinalização, de trechos sobrepostos de embarque e desembarque, pontos de ônibus, trechos de carga e descarga (onde couber), além de outros em que se faça necessário a parada temporária do ciclista. É urgente um amplo programa educacional para o ciclista, que em muitos casos não se atenta para os pontos de conflito mencionados, nem ao sentido do fluxo viário e a sinalização semafórica.

Os (maus) hábitos dos moradores podem se adaptar ou o trânsito pode ter mais problemas com as alterações recentes?

Não há processo de mau hábito no trânsito que seja revertido desconectado de um amplo programa educacional. Faltam, além de complementos de sinalização, programas educacionais.

O transporte público em Campos está ruim há pelo menos uma década. Há pessoas que preferem o carro ou usar aplicativos; motos ou bicicletas. Transitar pelas ruas centrais deve ficar mais fácil ou difícil com as novas medidas?

O sistema de transporte público em Campos está em crise, com piora progressiva há 40 anos. Como disse, a melhoria da mobilidade tem relação diretamente proporcional à integração modal dos diferentes meios de mobilidade. Nos médios e grandes centros urbanos há um índice acentuado de caminhabilidade, mas isto só é possível onde se tenha disponível calçadas acessíveis e com larguras adequadas. Em Campos, faltam ambas. O município responde a um inquérito no Ministério Público desde o ano de 2006.

Como situar ainda pedestres e outros atores que se movimentam no trânsito da cidade?

Em relação aos pedestres, falta o principal meio: a calçada adequada e segura. Já o transporte por bicicleta, o outro modal não motorizado, recentemente vem se favorecendo de infraestrutura, em alinhamento com as definições da lei federal de mobilidade, que é de 2012.

Já o transporte coletivo, este continua em progressiva e acentuada crise. Atualmente, estima-se que circulam menos de 1/3 da frota prevista no edital 001/2013, em estado precário. Isso agrava de sobremaneira a mobilidade, refletido pelo grande número de veículos motorizados individuais, sejam particulares, táxi ou de aplicativo, que resulta na contramão do que define o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável de Campos, aprovado em 2022.

Acredita que o poder público tem condições de criar áreas específicas municipalizadas para estacionamento de veículos na área central da cidade?

Certamente, dois possíveis estão no trecho da Ponte Leonel Brizola, no Parque Alberto Sampaio e no antigo Camelódromo. Aliás, estes espaços operam com estacionamentos, mas não se sabe qual o processo licitatório correspondente, nem quem os administra.

Os estacionamentos privados seriam suficientes para suprir a demanda?

Imagino que não. Muitos deles já operavam com saturação. Agora, com as instalações das ciclofaixas, houve aumento de demanda. Nada que a ampliação do sistema de transporte público coletivo e o mapeamento de vagas rotativas não possa resolver. Somando-se ao aumento do uso da bicicleta, pelo aumento da malha cicloviária, a tendência é de que a fluidez da mobilidade tenha melhoras.

Acredita-se que com as novas faixas para ciclistas, o comércio pode ser afetado pela dificuldade de clientes acessarem locais com dificuldades para estacionar em rua ou em estabelecimentos privados. Concorda ou discorda dessa possibilidade?

Não. A razão disto é que, quando havia as vagas estas não eram ocupadas pelos clientes, mas, em parte, pelos próprios comerciantes, comerciários e trabalhadores das instituições bancárias. Além de alguns moradores do Centro Histórico, zona Urbana impactada com as recentes ciclofaixas.

A questão é que nunca se planejou a cidade para os meios não motorizados, caminhada e bicicleta, fato que mudou radicalmente a partir de 2012 no Brasil. Estima-se que até 2030 irá haver um incremento percentual de opção aos meios não motorizados, com correspondente diminuição dos meios motorizados. Esta é uma tendência mundial pesquisada em 10 países.

O que considera destacar ainda sobre as questões que envolvem o trânsito e o transporte em Campos?

Além dos problemas perceptíveis e comentados, há de ser considerada a importante ausência que faz o Conselho de Mobilidade Urbana, já aprovado em lei. As questões relacionadas ao sistema de transporte público coletivo, a manutenção da BR 101 no perímetro urbano, as alterações viárias do Corredor Norte-Sul e o Programa Asfalto Novo, que atormentam diariamente a população, certamente teriam outro desfecho com a participação popular nas decisões. Algo que desde o ano de 2001 é definido na lei do Estatuto da Cidade. O Conselho de Mobilidade é indispensável para a formulação de uma política de mobilidade, proporcional, eficiente, eficaz e participativa.

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