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Ao Livro Verde: 179 anos de uma história que pode acabar

Campos pode perder a livraria mais antiga do Brasil, pedido de autofalência tramita na Justiça

Cultura
Por Clube
9 de julho de 2023 - 0h01

Por Clícia Cruz

“Quantas coisas nós presenciamos aqui, fomos palco de tantos acontecimentos importantes, quantos livros foram lançados. Sobrevivemos a duas guerras, peste bubônica, tuberculose, Covid-19, que quase me levou e agora estamos nesse momento difícil, mas que eu acredito que tenha solução. A livraria está no coração dos campistas e eu creio que vamos conseguir encontrar uma saída, contando com apoio do poder público, de forças políticas que nos estendam a mão”, é o que diz o proprietário de Ao Livro Verde, Ronaldo Sobral. Inaugurada em 13 de junho de 1844, a livraria mais antiga do Brasil está lutando para se manter em funcionamento. Enfrentando dificuldades financeiras, a empresa ingressou na 5ª Vara Cível da Comarca de Campos, com um pedido de autofalência diante de uma dívida de R$ 1.886.264,91. Assim que as dificuldades se tornaram públicas, um grupo de pessoas, incluindo escritores, jornalistas, historiadores, empresários, políticos, e amantes da cultura em geral vêm se mobilizando na tentativa de encontrar uma saída para a questão, a fim de manter Ao Livro Verde de portas abertas.

Segundo informações contidas no pedido de autofalência, o ativo total da empresa é de R$ 735.808,55, incluindo estoque de mercadorias, saldo de caixa, saldo em conta bancária e recebíveis de cartão de crédito.

No dia 30 de junho foi promovido um abraço simbólico à livraria, com o objetivo de mobilizar forças políticas e sociais para juntos encontrarem uma saída para o problema da livraria. Participaram autoridades, representantes da sociedade civil organizada, membros da imprensa, ativistas culturais e comunidade. “Sinto que a população campista e os órgãos públicos estão fortalecendo esse movimento, que é popular. Não é um movimento de uma pessoa só, de uma instituição só. É de todos, pois a Ao Livro Verde é nossa, é de Campos”, afirma a escritora Sol Figueiredo, articuladora do ato denominado “Um abraço de esperança”.

Ronaldo Sobral | Proprietário

O proprietário, Ronaldo Sobral, afirma que “salvar Ao Livro Verde não se trata apenas de um projeto pessoal e empresarial, mas sim de guardar a memória da própria cidade”, pontua.

A doutora em história social, Rafaela Machado, chama atenção para importância histórica da livraria: “Testemunha da História, a livraria foi também palco e cenário privilegiado do crescimento e ilustração de Campos, ali reunindo intelectuais e interessados pela leitura. Em Campos, a Ao Livro Verde testemunhou as intensas lutas abolicionistas e o fim da escravidão, a proclamação da República e a criação de novas formas de poder, entre muitos outros fatos históricos. É testemunha, mas também uma sobrevivente, afinal, diante de tantas mudanças tecnológicas, ela continua até os dias de hoje resistindo. Constituída em um contexto em que a recente elevada cidade precisava demonstrar ares de ilustração, a sua própria criação representava todo o crescimento dessa terra, baseado – em muito – pelos que chegavam à cidade e contribuíram com o seu crescimento. A defesa desse importante ponto de memória e de toda história representada pela Ao Livro Verde, precisa unir sociedade civil e poder público, intelectuais e comunidade acadêmica, empresários e interessados. A saída para a Ao Livro Verde e para Campos passa pela sua própria história”, ressalta Rafaela.

Na mesa da livraria, enquanto nossa reportagem conversava com Ronaldo Sobral, o técnico em mecânica Gabriel Vidal tomava um café e lia. Ele que também é pastor, diz que é apaixonado por literatura e que Ao Livro Verde faz parte do dia a dia dele. “Venho pra ler, pra comprar livros e pra desfrutar desse ambiente único”, diz o leitor, que relata preocupação com um possível fechamento do local.   “Ela (a livraria) faz parte da nossa vida, faz parte do Centro da cidade, não dá pra imaginar o Centro sem Ao Livro Verde”, relata.

O jornalista Vítor Menezes, que chamou a atenção para a situação da livraria em suas redes sociais, destaca que o município ao longo dos anos não vem cuidando do patrimônio histórico da cidade. “Nós observamos o modo como a cidade se relaciona com seus patrimônios históricos de um modo geral, que não é bom, mas no caso da livraria há a necessidade da gente priorizar, isso passa por algumas iniciativas que já vem sendo anunciadas, de alguns prédios históricos, como o Solar dos Airizes, e precisamos ficar atentos a outros prédios e também ao patrimônio imaterial e outros patrimônios, como por exemplo o Jornal Monitor Campista, que é um assunto ainda não esclarecido e superado”, diz o jornalista.    

Ao Livro Verde na Globonews

O risco de fechamento da livraria foi notícia e motivo de debate na Globonews, na semana passada. No programa Em Pauta, apresentado pelo jornalista Marcelo Cosme, ele e a comentarista Flávia Oliveira falaram sobre a importância da livraria mais antiga do Brasil. Marcelo chegou a se referir a ela como “um lugar fantástico”. A comentarista Flávia Oliveira, destacou a fala do proprietário Ronaldo Sobral, na matéria exibida pela emissora, quando ele diz que a livraria sobreviveu, por exemplo, à gripe espanhola e que pode sucumbir após a pandemia de covid-19.

Prédio tombado pelo Coppam

O prédio da livraria foi tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam), em setembro de 2013 e em junho deste ano, após iniciar o movimento pela permanência da livraria, um grupo de vereadores de Campos está solicitando que o órgão torne a Ao Livro Verde patrimônio imaterial da cidade e não somente o prédio.

O J3News entrou em contato com a Prefeitura de Campos, para saber se o poder público municipal foi procurado pelo proprietário da livraria em busca de algum tipo de ajuda e não obteve resposta.