O filme curta-metragem Desova, que fala sobre desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense, venceu, nesta semana, o 12º Festival Internacional de Cine Político (Ficip), em Buenos Aires, na categoria Melhor Curta. Finalizado em 2022, foi a primeira exibição pública da produção. Dirigido e roteirizado por Laís Dantas e produzido pela Quiprocó Filmes, Desova retrata as consequências na vida de mães que perderam seus filhos nessa situação, ainda recorrente na região. A produção foi apresentada pelo Fórum Grita Baixada e viabilizada por uma emenda parlamentar de 2020, do então deputado federal Marcelo Freixo.
O trabalho também incluiu a pesquisa Mapeamento Exploratório sobre Desaparecidos e Desaparecimentos Forçados em Municípios da Baixada Fluminense, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Aos 28 anos, Laís é cria de Duque de Caxias, na Baixada, e já assinou a direção de projetos no Canal Brasil, Instagram, Porta dos Fundos, Quebrando o Tabu e Instituto Marielle Franco. Entre eles, a direção de fotografia do curta A Mulher do Fim do Mundo, dirigido por Geo Abreu; do mini-doc Respeita Nosso Sagrado, dirigido por Fernando Sousa e Gabriel Barbosa; e do longa Rio, Negro.
Em conversa com a Agência Brasil, a jovem cineasta explica que Desova busca compreender as dinâmicas do desaparecimento forçado de pessoas, que incluem técnicas do Estado de desaparecer com corpos, bem como a tentativa de mães e familiares das vítimas em lidar com esse trauma, por meio da criação de grupos e coletivos de apoio.
AB: Como tratar um tema tão difícil em uma produção artística audiovisual?
Laís Dantas: O Desova é um filme sobre desaparecimentos forçados, mas ele é totalmente centrado nas mães que perderam os filhos. O Fórum Grita Baixada fez umas ações com arte terapia com essas mães e a gente acompanhou essas sessões, né? A gente tentou criar um filme todo baseado na visão das mães, é um filme mais delicado. A gente vai trazer um pouco da religião também, de como essas mães lidam com o seu luto. O que fica depois que acontece essa tragédia. A gente traz um pouco como elas lidam com isso, depois da perda.
AB: Uma das questões mais duras no desaparecimento forçado é que se trata de uma dor que não tem encerramento, em função da ausência do corpo.
Laís Dantas: O maior desafio de fazer esse filme é a ausência do corpo. Muitas vezes, ali durante o roteiro, eu me vi sem chão, como trazer para o filme de uma forma menos dura, que não deixa de ser duro, mas tem uma poesia ali na narrativa que eu criei.
AB: Como nasceu a ideia do filme?
Laís Dantas: Esse filme chega a convite da Quiprocó, que já tem uma parceria com o Fórum Grita Baixada. Eu já trabalho com a Quiprocó como diretora de fotografia e sou cria da Baixada Fluminense, cria de Duque Caxias. Então eu começo a produzir imagens a partir do meu território e as pessoas sempre falaram que eu tenho um olhar muito sensível. Eles estavam atrás de uma diretora sensível, com outra perspectiva para contar essa história de uma forma menos dura.
AB: O desaparecimento forçado é uma questão violenta muito presente na Baixada Fluminense?
Laís Dantas: Acho que a gente, no filme, traz um pouco dos relatos da América Latina, mas falando da Baixada, é uma realidade da Baixada Fluminense, e falando a partir do meu conhecimento. A gente cresce ali, meio que dentro dessa realidade, meio que sem saber o que está acontecendo. A partir do filme, eu começo a entender quais são esses fatores, porque a gente vai ter o Estado e a gente vai ter o tráfico ao mesmo tempo. É uma realidade que está ali e que não tem política pública para isso. Fica muito assim: aconteceu. Quem resolve? Quem olha por essas mães? Como se lida com isso tudo, sabe?
AB: E como esse filme pode impactar a comunidade na Baixada para melhorar a vida dessas pessoas que sofrem com esse problema?
Laís Dantas: É muito louco, porque quando a gente começa a filmar, as mães olham para a gente com um olhar muito de “caramba, mais um filme, vai resolver meus problemas”. Eu espero que esse filme abra muitas portas para o diálogo sobre a importância de se criar política pública para esse enfrentamento, para a dinâmica do desaparecimento. Que as pessoas entendam o que é, que tudo muda quando alguém desaparece. Um desaparecido desapareceu, mas o que é isso? O que isso causa? Espero que abra mais portas para esse diálogo.
AB: Desova estreou no 12º Festival Internacional de Cine Político e já foi premiado. Como foi essa experiência?
Laís Dantas: Foi um festival incrível, foi a primeira vez que eu saí do Brasil, inclusive. Primeiro festival como diretora. A gente participou da categoria de curtas-metragens internacional, concorremos com filmes de vários países, como Paquistão, México, Bolívia. Foi incrível, fiquei muito emocionada, não esperava ganhar. Porque, apesar de ser um filme que ficou pronto no ano passado, foi um processo muito louco, meio truncado. Se inscrever em festival, primeiro festival, ganhar fora do país. O tema é tão duro, eu não sabia nem se eu ficava feliz ou se eu ficava triste, foi um misto de emoções, sabe? Muita emoção de ganhar, feliz com tanta história, com tanta coisa, meu Deus. Mas foi incrível e o festival é de cinema político, então tinha muitos filmes com essa temática também, então ir lá assistir e aprender também foi muito incrível.
AB: O prêmio dá mais visibilidade para o tema. Você tem algum comparativo sobre a situação dos desaparecimentos forçados em outros lugares?
Laís Dantas: A gente tem registros na América Latina, na Argentina isso acontece, também no México. A gente consegue ter um panorama sobre o que as pessoas estão criando a partir dos seus territórios. Nem todos os filmes foram sobre desaparecimentos forçados, mas é um tema caro para eles, é algo que acontece. Veio até uma senhora me perguntar, “ah, mas não é uma técnica da ditadura e tal?” As pessoas veem muito os desaparecimentos que acontecem aqui no Brasil como uma técnica só da ditadura, parece que isso só aconteceu lá e não aconteceu no governo Lula, não aconteceu no governo Bolsonaro.
AB: Podemos citar, por exemplo, o caso Amarildo, de 2013, os três meninos de Belford Roxo, de 2021, os 43 estudantes do México de 2014…
Laís Dantas: Sim, não é uma prática exclusiva de um período político. Baixada Fluminense, periferia. As pessoas questionam, mas continua acontecendo.
Fonte: Agência Brasil