Os atos antidemocráticos ocorridos no domingo (8), em Brasília, que resultaram na vandalização dos prédios do Governo Federal, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, tiveram diversos desdobramentos durante a semana e continuam repercutindo em todo o mundo. Em Campos, representantes de partidos políticos, da sociedade civil organizada, do Executivo e do Judiciário, além de especialistas em Segurança Pública, comentaram sobre depredação do patrimônio público, a classificação jurídica do ocorrido e a necessidade de investigação detalhada e punição dos envolvidos.
O ex-vereador e ex-deputado federal Marcão Gomes, membro do diretório municipal e do diretório estadual do Partido Liberal (PL), se disse bastante preocupado com o país e com a democracia. Ele quer que os responsáveis sejam punidos pelos crimes. “Como advogado, servidor público e político, não tenho como consentir com as atitudes desse grupo que ainda não aceitou o resultado da eleição e trabalha para tumultuar o país. Sou amplamente favorável à democracia e contra qualquer tipo de anistia. O que aconteceu em Brasília foi totalmente contrário ao que acredito e defendo. Como podemos concordar com quem se diz patriota, mas depreda o patrimônio público e proporciona a barbárie? A investigação está em curso e todos os responsáveis — dos que praticaram os atos, passando pelos mentores, pelos servidores públicos conviventes até os financiadores — devem ser punidos dentro da lei”, enfatizou Marcão.
Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) em Campos, a ex-vereadora e professora Odisséia Carvalho disse que as cenas assustaram tanto a direita quanto a esquerda. “A maioria da população brasileira, mesmo os que votaram em Bolsonaro, ficou estarrecida com o que aconteceu em Brasília. Foi vandalismo, atos criminosos. Tivemos roubos não só de armas letais e não letais, como de munições e obras de arte. O mundo voltou os olhos para o Brasil, dando apoio à eleição democrática do presidente Lula”, disse.
Setor produtivo se posiciona
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Campos, Edvar Chagas Júnior, acredita que faltou interlocução antes, quando o grupo ainda estava acampado em frente às unidades militares. “Qualquer ser humano que parte para o vandalismo não tem minha aprovação, pode ser de qualquer partido, verde, amarelo ou vermelho. Sou favorável às pessoas manifestarem suas satisfações ou insatisfações, mas acho que estamos no mundo do diálogo. Esse grupo ficou na frente do Exército e eu acho que faltou comunicação. Os interlocutores não estavam presentes e o que eu fico muito chateado é com o teatro político. Infelizmente ficamos muito como espectadores quando queremos ser atores de um país melhor, com desenvolvimento”, disse.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) no Norte Fluminense, Francisco Roberto de Siqueira, classificou como inadmissível a depredação das sedes das instituições. “A democracia é condição imprescindível para o desenvolvimento econômico e social do país, e os eventos ocorridos em Brasília no último domingo extrapolaram todos os limites. Não é admissível que as sedes das instituições da República sejam ultrajadas e depredadas daquela maneira. A Firjan reafirma seu compromisso com a democracia e com a construção de um ambiente econômico, social e político que caminhe na direção do desenvolvimento do país”, disse Francisco Roberto de Siqueira, presidente da Firjan Norte Fluminense.
Juiz discorda do termo Terrorismo
Para o policial federal e especialista em Segurança Pública Roberto Uchoa, as ações são classificadas como terroristas e como ataque à democracia. “São pessoas que estavam querendo tirar a nossa liberdade e reverter a nossa opção pelo voto. Podemos discordar do político A, B ou C, mas temos que respeitar. É um princípio democrático respeitar o seu adversário e respeitar o resultado das urnas”, pontuou.
Uchoa também criticou a atuação dos policiais militares do Distrito Federal durante os atos. “Fiquei revoltado, enquanto policial, com a postura de grande parte dos agentes presentes. Apesar de saber que, em razão do número insuficiente de policiais alocados para evitar a depredação — e isso, claro, veio do governador ou do secretário de Segurança Pública, que devem ser responsabilizados por isso —, os policiais não deveriam fazer vídeos ou selfies. Precisa ter postura”, enfatizou, completando: “Também fiquei assustado com a violência e o nível de destruição. Ali ficou claro que eram pessoas querendo a anarquia, a destruição e a imposição do medo à população. Por isso, acho correto classificar como terroristas, porque terrorismo, internacionalmente é conceituado assim”.
O juiz Ralph Manhães no entanto, discorda da caracterização da ação de manifestantes como terrorismo. “Isso não é terrorismo, até porque a Lei que regula essa questão do terrorismo, excepciona os atos praticados em manifestação. Isso é classificado como depredação de prédio público, ameaça, calúnia, injúria, difamação, mas legalmente, não pode ser classificado como terrorismo. A Lei é clara neste sentido”, disse Ralph Manhães.
Para o juiz, a depredação extrapolou o limite do direito de manifestar, mas disse que as responsabilidades pelo ocorrido devem ser apuradas individualmente. “A liberdade de expressão e de manifestação, não pode extrapolar a razoabilidade, com a depredação de prédios públicos. Isso realmente não pode ser permitido e os fatos devem ser apurados. Entretanto tem que se apurar a responsabilidade exata de cada um e não uma responsabilidade genérica. Isso seria contra todos os princípios do Direito Penal. Tem que se aplicar o rigor, mas dentro dos trâmites legais. A apuração tem que ser feita individualizando a responsabilidade de cada pessoa, não pode ser genérico”, pontua o magistrado que também vê que os atos sinalizam aos representantes dos três Poderes a necessidade de pacificação social no país.
Responsáveis devem ser punidos, dizem promotor e defensor
José Luiz Pimentel é promotor de Justiça acredita que a insatisfação com o resultado da eleição levou ao ato em Brasília. “O grupo perdedor insurgiu de uma maneira não democrática. Manifestação é uma coisa e o que eles fizeram foi bem diferente, algo orquestrado, raciocinado com antecedência para produzir os efeitos lamentáveis que foram produzidos. A minha expectativa é que todos os responsáveis sejam punidos e que eles descubram quem está por trás, quem financiou, arquitetou e articulou para que aquilo acontecesse. Se as autoridades foram omissas e deixaram de fazer o que deveriam, devem ser punidas também”, disse.
Por fim, o defensor público, Tiago Abud acredita que há algo maior que deve ser investigado para que se chegue aos verdadeiros articuladores. “Vejo que parte daquelas pessoas está sendo instrumento de algo muito maior e acho que é preciso apurar quem está instigando e patrocinando esses atos e que tem interesse em um golpe de estado, porque, me parece, pelo que li, que tem pessoas lá que sequer sabem a diferença entre Executivo e Legislativo, ou a diferença entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Então, são pessoas que estão sendo usadas como instrumento por um grupo e precisamos investigar quem é esse grupo, quem são essas pessoas, para que elas também sejam punidas e com muito mais rigor”, pontua.