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Nos moldes do Ceperj, Uerj tem explosão de gastos em contratações sem transparência

Os acordos estão na mira de duas auditorias no tribunal

Estado do RJ
Por Redação
14 de dezembro de 2022 - 8h58
(Foto: Divulgação/Governo do Estado do Rio de Janeiro)

A explosão de gastos do governo do Rio com a contratação de pessoal terceirizado este ano não se restringiu à Fundação Ceperj, alvo de investigações dos ministérios públicos Estadual (MPRJ) e Eleitoral, além de auditorias do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Dados da Transparência fluminense mostram que, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) os valores empenhados para cobrir esse tipo de despesa até 1º de dezembro de 2022 já superavam em 361% os registrados no mesmo período de 2021. As contratações para 21 projetos da universidade em parceria com secretarias e fundações chegaram a motivar, em agosto, um pedido da Comissão de Tributação da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para que o TCE-RJ as analisasse.

Os acordos estão na mira de duas auditorias no tribunal. Na que examina especificamente o projeto Observatório Social da Operação Segurança Presente, os conselheiros apontaram indícios de irregularidades que poderiam resultar em “grave dano ao erário”, com práticas parecidas com as do Ceperj. A Uerj nega qualquer irregularidade em seus projetos.

De forma geral, ao levar em conta as despesas geridas pela Administração Central da Uerj no acumulado do ano até o começo do mês, os empenhos com “outros serviços de terceiros – pessoa física” alcançaram R$ 624 milhões, contra R$ 135 milhões no mesmo período de 2021, segundo os números da Transparência. E, desse total, somente 8% (aproximadamente R$ 52 milhões) foram destinados a pagamentos de serviços prestados por estudantes.

Códigos genéricos

No Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do estado, documentos revelam que, em parte dos pagamentos feitos, os favorecidos eram identificados por um código genérico, assim como ocorria em projetos do Ceperj. Esse tipo de identificação mostra o pagamento para um grupo de pessoas, e não de forma individualizada. Desta forma, não há como saber quem recebeu, quanto e por qual projeto — o que dificulta a fiscalização do destino dos recursos pelos órgãos de controle. No caso do Ceperj, num primeiro momento, a lista com os nomes dos beneficiados só foi obtida pelo MPRJ junto à instituição bancária responsável pelos pagamentos.

Na Uerj, o código genérico é usado, por exemplo, numa nota de autorização de despesa de fevereiro deste ano, no valor de R$ 1 milhão, para pagamentos de serviços de apoio administrativo, técnico e operacional terceirizados no Programa Primeira Chance (Paesp), em parceria com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ). Esse é um dos 21 projetos citados pela comissão da Alerj, presidida pelo deputado Luiz Paulo, no ofício enviado ao TCE-RJ.

Segundo a universidade, no entanto, só pagamentos indenizatórios, como os auxílios de alimentação, transporte e diárias, são computados na sigla genérica. Não estão contempladas, afirma a Uerj, as remunerações dos trabalhadores.

Entre os projetos da Uerj listados pela Assembleia, há parcerias com sete secretarias e quatro fundações estaduais. Com a pasta da Educação são quatro iniciativas, entre elas o “M.A.E – Mulheres Apoiando a Educação”, que contrata mulheres de baixa renda para o combate à evasão escolar. Já com a Secretaria de Infraestrutura e Obras, são duas, ambas ligadas à habitação em comunidades: o “Casa da Gente” e o “Na Régua”. Só no desenvolvimento e implantação desses projetos habitacionais em parceria com a secretaria, a Transparência aponta despesas empenhadas este ano na ordem de R$ 20 milhões para pagamentos de “outros serviços de terceiros – pessoa física”.

Com a Casa Civil, há convênios para dois observatórios, o do Segurança Presente e o do Cidade Integrada, ambos relacionados ao acompanhamento de programas do governo fluminense na área da segurança pública. No caso do Observatório do Segurança Presente, o TCE-RJ identificou, em setembro, a realização de contratações diretas por meio de recibo de pagamento de autônomo (RPA) sem a devida justificativa, além de falta de transparência na contratação e pagamento de pessoal, inconsistência na estimativa de gastos, entre outras possíveis irregularidades. O tribunal apontou ainda que, nos gastos previstos para o projeto de junho de 2021 a dezembro deste ano, R$ 124,16 milhões seriam despesas de pessoal.

Em meio ao aumento de despesas em contratações da Uerj, o site “UOL” publicou ontem que, na folha de pagamento dos projetos da universidade com outras pastas estaduais há cabos eleitorais do deputado estadual Dr. Serginho (PL), ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Rio, e da deputada federal Soraya Santos (PL). Segundo a reportagem, 45 nomes, que somados receberam R$ 2,3 milhões, têm ligações com os parlamentares e participaram da campanha eleitoral. A lista foi enviada pela Uerj ao TCE, que, junto com o Ministério Público, investiga os programas. Segundo o “UOL”, cinco pessoas admitiram ter apoiado informalmente ou trabalhado durante a campanha dos deputados do PL. Procurados pelo GLOBO, os dois parlamentares negaram terem indicado qualquer pessoa para os projetos.

Pagamentos por diárias

Ainda em relação aos pagamentos da Uerj, um levantamento feito pelo site GLOBO com dados da Transparência mostra que rubricas genéricas também são utilizadas para bancar diárias de viagens realizadas nas atividades. No portal, deveriam ser informados quem custeou a diária, quem recebeu, detalhes da viagem e o valor desembolsado. No entanto, em seis pagamentos da Uerj onde deveriam estar os nomes dos funcionários beneficiados, foi inserido o termo “Ajuda de Custo”. Através da rubrica genérica, a Uerj desembolsou de janeiro a outubro de 2022 um total de R$ 1,5 milhões nestas diárias.

Criado em 2021 em uma parceria entre a universidade e a Fundação Santa Cabrini, o programa “Mudar de Vida” (também na lista enviada pela Alerj ao TCE-RJ) tem parte dos custos pagos da mesma forma, o que impossibilita saber quem recebeu e quanto cada um ganhou por trabalhar no projeto. Segundo o plano de trabalho, o projeto tem previsão de orçamento de R$ 25 milhões para capacitar até 700 presos para o mercado de trabalho. Eles teriam aulas de diversas disciplinas, como informática e treinamento de serviços de limpeza em áreas públicas . Na “qualificação profissional de apenados” em parceria com a Uerj, dados da Transparência estadual indicam que, até o início do mês, tinham sido gastos R$ 9,3 milhões para pagar serviços de terceiros.

Já o custeio via diárias foi feito pela Santa Cabrini, que tem menos de 70 funcionários e é responsável pela gestão do trabalho prisional no Rio. O projeto prevê que um supervisor ganhe R$ 8 mil, e os professores, de R$ 1 mil a R$ 6,7 mil. Na página da Transparência da Uerj, no entanto, os arquivos que deveriam ter os relatórios de entrega feitos até junho deste ano estão fora do ar. Também não há informações das unidades prisionais atendidas, de quem trabalha no projeto e do quanto ganha mensalmente. No portal, só é possível consultar quem trabalha e quanto recebeu se forem conhecidos de antemão o nome completo do prestador de serviço ou o seu CPF. Questionada sobre esse método (também utilizado em projetos do Ceperj), a Uerj diz que a lei restringe a divulgação indiscriminada de dados pessoais e que repassa as informações aos órgãos de controle.

Em nota, a universidade afirma o compromisso com a transparência e diz que o aumento nos gastos com pagamento de colaboradores se deve à maior arrecadação do governo, que impacta no valor recebido pela Uerj. Sobre os pagamentos que aparecem no portal de diárias, a Uerj argumenta que se referem a uma autorização de despesa anual, incluindo bolsas e auxílios. O reitor Mario Carneiro diz desconhecer a influência de parlamentares nas contratações e que tem respondido a todos os órgãos de controle. Ele afirma ainda ter criado uma comissão interna para investigar as denúncias.

Já a Fundação Santa Cabrini informou que o valor se refere ao custo das ações de qualificação do projeto e que a execução é feita pela Uerj, com mão de obra terceirizada em serviços pontuais.

Fonte: O GLOBO