O aumento de casos de Covid-19, com a difusão da variante Ômicron, de influenza, com a descoberta da cepa H3N2, e de resfriados provocou uma onda de sintomas gripais e respiratórios e trouxe de volta ao noticiário palavras como pandemia, epidemia, surto e endemia. Embora esses doenças e termos tenham passado a frequentar as conversas diárias, a médica Laura Haddad afirma que é importante que a população saiba exatamente o que significam, até para buscar atendimento adequado, já que eles identificam situações e problemas diferentes.
De acordo com a médica, os termos pandemia, epidemia, surto e endemia são usados por organizações de saúde para classificar a ocorrência de doenças conforme sua escala e/ou frequência.
“Uma enfermidade se torna uma pandemia quando atinge níveis mundiais, ou seja, quando determinado agente se dissemina em diversos países ou continentes, usualmente afetando um grande número de pessoas. Quem define quando uma doença se torna esse tipo de ameaça global é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma pandemia pode começar como um surto ou epidemia; ou seja, surtos, pandemias e epidemias têm a mesma origem – o que muda é a escala da disseminação da doença. Um surto ocorre quando há aumento localizado do número de casos de uma doença. Uma epidemia, por sua vez, se dá quando ocorre um aumento no número de casos de uma doença em diversas regiões, estados ou cidades, porém sem atingir níveis globais. Já uma endemia ocorre quando a doença é recorrente na região, mas não há um aumento significativo no número de casos e a população convive com ela”, explica.
Embora o uso desses termos tenha se tornado mais recorrente com a proliferação do novo coronavírus, a partir de dezembro de 2019, a história registra a ocorrência de diversas pandemias, epidemias, surtos e endemias. Em 2009, a gripe A (ou gripe suína) foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Cinco anos mais tarde, a difusão do ebola em países da África foi qualificada como uma epidemia. Municípios lutam todos os anos contra surtos de arboviroses, como a dengue, em seus bairros. E o Norte do Brasil é considerado uma região endêmica da infecção por febre amarela.
A médica afirma que cada um desses problemas exigem das autoridades sanitárias e de saúde esforços distintos para serem contidos, mas que no caso de uma pandemia, como a atualmente vivida por todo o mundo, é difícil falar em prazo de duração.
“Existem algumas dificuldades que podem influenciar na duração de uma pandemia. Estratégias de contenção da contaminação, adesão às medidas de proteção e intervenções por parte do Estado são apenas alguns desses aspectos. Mas, historicamente, é possível afirmar que os números de contágio raramente cessam ou diminuem em menos de 1 ano. Na ocasião da gripe espanhola (1918-1920), por exemplo, foram dois anos de casos identificados em 3 ondas de contaminação”, afirma.
Ela diz, no entanto, que a vacinação possibilita, hoje, um cenário melhor do que o do passado recente. “As vacinas claramente foram parte da melhora da pandemia. Mesmo com a Ômicron a situação é muito melhor do que ano passado, é uma variante muito contagiosa, mas graças à vacinação temos uma situação pandêmica melhor. Tenho percebido uma diminuição no número de casos mais graves”, avalia.
Covid, gripe ou resfriado?
A médica Laura Haddad afirma, ainda, que é necessário estar atento aos sintomas para diferenciar e tratar de maneira eficiente a Covid-19, a gripe ou o resfriado. Ela explica que essas doenças são causadas por vírus diferentes: SARS-CoV-2,cepas da família influenza e agentes infecciosos como Rinovírus, Adenovírus e Parainfluenza, respectivamente. A transmissão ocorre da mesma maneira, por meio de gotículas de secreções respiratórias de uma pessoa infectada. Os sintomas, porém, são diferentes.
Segundo a especialista, a gripe é aguda, surge de um dia para outro com sintomas fortes, como febre alta e intenso mal-estar. Já o resfriado tem evolução lenta e os sintomas são mais leves, como uma febre baixa por exemplo. Costuma melhorar em poucos dias. Por fim, a Covid-19 evolui gradualmente, com quadro agravado após o 8º dia, quando há complicações. Outro diferencial importante é a falta de paladar, muito comum em pessoas com a doença, mas rara nos demais casos.
Disseminação de enfermidades na História
Além da atual pandemia do novo coronavírus e da pandemia de Gripe A, a humanidade já vivenciou outras enfermidades que se disseminaram por grandes extensões territoriais. O professor de História Rodrigo Rosselini lembra algumas dessas graves doenças do passado.
“A ocorrência de enfermidades em grandes escalas é algo que acompanha a história da humanidade, desde as primeiras civilizações, como se pode notar nas narrativas religiosas em livros sagrados sobre ‘pragas’ interpretadas como castigos divinos, a exemplo das que assolaram o Egito Antigo”, contextualiza.
Ele ressalta que a ideia de pandemia como uma doença em escala mundial talvez não fosse possível em um período em que a comunicação entre os continentes não acontecia de forma consistente, mas recorda a expansão da peste bubônica pela Europa, responsável por dizimar cerca de 1/3 de toda a população do continente.
“Os interesses econômicos e político-religiosos da Europa cristã no contexto das Cruzadas criaram as conexões que resultaram na chegada da peste bubônica aos portos do norte da península itálica, que recebiam embarcações trazendo valiosas mercadorias orientais e também a bactéria yersinia pestis, hospedada nos ratos que habitavam os navios, cujas pulgas eram os agentes transmissores para os seres humanos”, explica o professor.
Rosselini cita, ainda, a Gripe Espanhola. Provavelmente surgida nos Estados Unidos e levada para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial, a doença foi noticiada pela primeira vez no País Basco, mas se espalhou rapidamente entre 1918 e 1919 e fez de 50 a 100 milhões vítimas, inclusive no Brasil.
“A insalubridade, sobretudo nas áreas urbanas, era uma característica do país. Tuberculose, varíola, tifo, malária, febre amarela, estavam entre as doenças que mais matavam no país. Foi esse o ambiente encontrado pela ‘espanhola’, que dizimou milhares de brasileiros, sobretudo das camadas mais pobres, que não recebiam assistência das autoridades”, pontua.