×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

O corporativismo mimado

Artigo do delegado da PolA�cia Federal Paulo Cassiano publicado na ediA�A?o de nA?mero 82 de O Jornal Terceira Via

Opinião
Por Redação
29 de abril de 2018 - 13h06

PAULO CASSIANO JAsNIOR
Delegado da PolA�cia Federal

A origem do corporativismo remonta A� Idade MA�dia, quando artesA?os agruparam-se em corporaA�A�es de ofA�cio com o objetivo de regulamentarem suas profissA�es e as relaA�A�es de trabalho, numa tentativa de se estabelecerem no mercado dominado pela burguesia emergente.

JA? no sA�culo XX, a ideologia corporativista foi assimilada pela ItA?lia fascista e desembarcou no Brasil no governo Vargas, A�poca em que prevalecia a ideia de que nada devia ser contra o Estado, nem ficar fora dele.

No Brasil de hoje, o conceito de corporativismo perdeu esse viA�s econA?mico e polA�tico e passou a designar toda iniciativa de categorias profissionais ou associativas em busca da preservaA�A?o ou ampliaA�A?o de seus privilA�gios, independentemente dos prejuA�zos que provoquem A� sociedade em geral. Nesse sentido, o corporativismo contemporA?neo A� eminentemente autocentrado e imaturo.

Observa-se o corporativismo nas manifestaA�A�es de entidades de classe dos juA�zes em defesa do pagamento de auxA�lio-moradia aos seus filiados, desprezando o fato de que boa parte deles (provavelmente, a maioria) jA? possui imA?vel prA?prio no lugar em que trabalham. Honesto seria que essas associaA�A�es cobrassem, com semelhante fervor, mais assiduidade de seus pares, pois A� sabido que, em comarcas Brasil adentro, especialmente as de interior, muitos magistrados trabalham apenas trA?s dias por semana, contribuindo, assim, para o abarrotamento dos escaninhos das varas judiciais.
Ao longo de dA�cadas, pessoas inocentes tA?m sido vA�timas de crimes de homicA�dio em aA�A�es policiais nas favelas cariocas e nas periferias das grandes cidades brasileiras. Apresentadas essas ocorrA?ncias A�s repartiA�A�es policiais, delegados fecham os olhos aos indA�cios de execuA�A?o e a�?arredondama�? os casos em autos de resistA?ncia, lavrando mais uma peA�a nesse teatro jurA�dico que dissimula a realidade e transforma vA�timas em bandidos, e assassinos, em herA?is da lei. Corporativismo! Seria digno que as associaA�A�es de classe policiais reconhecessem publicamente que a violA?ncia urbana no Brasil atingiu patamares alarmantes tambA�m por causa da truculA?ncia em abordagens, do abuso em diligA?ncias e da promiscuidade na relaA�A?o entre agentes policiais e traficantes de drogas.

E o que dizer de mA�dicos que batem ponto em hospitais pA?blicos e deixam os pacientes amontoados nos corredores para ganhar dinheiro em suas clA�nicas particulares? Ou de parlamentares que discursam pelo bem-estar do povo, mas nA?o abrem mA?o das verbas milionA?rias que recebem anualmente para pagamento de contas telefA?nicas, passagens aA�reas e um batalhA?o de assessores?

A� o ego corporativista inflamado que faz o A?rgA?o de classe dos advogados repudiar a crA�tica A�quilo que A� constante no cotidiano forense: muitos de seus profissionais possuem graves deficiA?ncias de formaA�A?o, o que fica patente em petiA�A�es que maltratam o direito e ultrajam a lA�ngua portuguesa. Ao embaA�ar a visA?o, o corporativismo impede a correA�A?o dos erros do presente e o desenho de um futuro livre deles.

Este A� o grande demA�rito do corporativismo mimado: tA?o apaixonado por si mesmo, esquece-se de olhar para dentro e ao redor. Contrariado, bufa e rilha os dentes.

O amadurecimento das instituiA�A�es e o aperfeiA�oamento da prestaA�A?o dos serviA�os pA?blicos passam pela superaA�A?o do protagonismo dos interesses corporativistas.

Diziam os antigos que cautela e canja de galinha nA?o fazem mal a ninguA�m. Humildade e autocrA�tica tambA�m nA?o.