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Solidão virtual

Dependência digital é uma síndrome psicológica cujos efeitos se assemelham aos de vícios tradicionais

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Por Paulo Cassiano Júnior
24 de junho de 2018 - 8h03

Por PAULO CASSIANO JÚNIOR*

Quem nunca entrou num restaurante e observou pai, mãe e filhos sentados à mesa para um almoço em família, mudos, cada um absorto em seu aparelho celular? Essa cena, tão comum na sociedade contemporânea, expõe o predomínio que a tecnologia tem exercido sobre os relacionamentos pessoais.

A dependência digital ou nomofobia (acróstico do inglês “no mobile phobia”) é uma síndrome psicológica séria cujas causas e efeitos se assemelham aos de vícios tradicionais, como o álcool e as drogas.

O problema agravou-se pela recente popularização dos “tablets” e “smartphones”. Dados da Anatel apontam que, em janeiro de 2017, o Brasil contava com 243 milhões de terminais ativos. Ou seja, há mais linha telefônica do que gente no país. Segundo algumas pesquisas, o celular é o objeto mais oferecido por pais a bebês, à frente inclusive da mamadeira e da chupeta.

Faz tempo o telefone deixou de servir exclusivamente para as comunicações de voz. Pelo aparelho, o indivíduo é capaz de realizar operações bancárias, pedir uma pizza e chamar uma corrida até a rodoviária. Como se desvencilhar de um equipamento que funciona como computador, filmadora, máquina fotográfica, rádio, biblioteca, agenda, GPS e ainda cabe no bolso?

Influenciadas por tanta facilidade, muitas pessoas passaram a adotar, talvez inconscientemente, um estilo de vida cada vez mais virtual, criando vínculos fugazes e superficiais com os seus milhares de amigos no “Facebook” e seguidores no “Instagram”.

De fato, o mundo tecnológico oferece infinitas possibilidades de experiências indutoras de prazer e bem-estar, o que ajuda a compreender por que é tão sedutor dedicar sempre mais tempo para explorá-lo do que o planejado.

Nas mídias sociais, todas as pessoas são felizes, legais e bem-humoradas. A vida no “Facebook” é bem mais suave e divertida do que no mundo real. O indivíduo que dela não participa é logo tomado por um sentimento de desajuste e exclusão. Ao ser confrontado com os seus próprios dramas, angústias, medos, dúvidas e aflições, sente-se vazio, solitário e perplexo, pois se considera um peixe fora d’água nesse oceano onde todos nadam nas ondas do sucesso. Viver permanentemente conectado afasta o ser humano da reflexão e do enfrentamento de seus problemas cotidianos e provoca uma sensação de alívio temporário de suas dores e frustrações.

Além disso, a interação virtual oferece a ilusão de companhia, sem as exigências próprias de uma amizade verdadeira. As publicações seriadas denunciam um anseio narcisista de pessoas inseguras por aceitação social, as quais lutam para superar a própria baixa autoestima.

Na rede, é fácil customizar o acesso à informação e evitar a fricção social. Assim, ao limitar a aproximação a pessoas com interesses comuns, o indivíduo nivela sua vivência com a impressão de que a diversidade social não ultrapassa o que se comenta nos seus grupos de “WhatsApp”.

Entretanto, nada substitui a vida real, os relacionamentos de verdade, o amor expresso no toque e no olhar. Portanto, se você é dos que pensam que a vida está no seu celular, experimente deixar o aparelho em casa quando receber o próximo convite para jantar.

*Delegado da Polícia Federal – cassiano.pcbcj@gmail.com