

André Vasconcellos é sociólogo e pesquisador em políticas sociais e urbanas, com mestrado pela UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense). Atualmente mora em Campos dos Goytacazes (RJ), cidade onde desenvolveu uma pesquisa sobre o Centro Histórico e seu apagamento diante do crescimento de estacionamentos em locais onde antes existiam prédios tombados pelo Coppam.
O estudo teve início em 2014 e acompanhou o Centro Histórico de Campos por oito anos, com levantamentos de campo realizados em 2017, 2018 e 2022. A pesquisa foi concluída em 2025 e publicada pela Revista Geografia em Atos, da UNESP. O tema foi destaque na última edição do J3News. Nesta entrevista, ele analisa a situação da área central de Campos.
O que mais chamou atenção sobre o apagamento do patrimônio substituído por estacionamentos?
O que mais me impressionou foi perceber que a destruição dos prédios históricos não é um acaso nem uma fatalidade — é uma estratégia calculada. Muitos donos de imóveis demoliram suas construções antigas para transformar os terrenos em estacionamentos, que garantem uma renda temporária enquanto eles esperam uma valorização do solo. Ou seja, o terreno fica vazio, rendendo um pouco, até que uma mudança na lei ou uma nova onda de investimentos permita construir algo mais lucrativo – essa é sua expectativa. Porém, enquanto isso, esse processo cria vazios urbanos e substitui a história viva da cidade por áreas sem função social, mas com alto valor especulativo.


Considera que a tua pesquisa na Uenf pode ajudar gestores e sociedade ?
Sim — e esse é um ponto importante. A pesquisa pode ajudar os gestores a entenderem que a preservação do patrimônio é também uma questão econômica. Quando o centro histórico perde vida, o comércio local enfraquece (e isso é muito discutido em nossa cidade), o turismo se esvazia e, ao contrário do que se almeja, o valor do solo no entorno cai. Com políticas públicas bem planejadas — como incentivos fiscais, linhas de crédito para restauração e programas de ocupação criativa —, é possível transformar os imóveis antigos em motores de desenvolvimento, em vez de deixá-los virar ruínas.
O que está acontecendo no Centro Histórico de Campos em sua avaliação?
O centro histórico de Campos está passando por um apagamento silencioso. A antiga região que simbolizava a vida comercial, cultural e política da cidade vem sendo abandonada. Hoje, quem anda pelo centro vê terrenos murados, estacionamentos improvisados e casarões em ruínas.Além do comércio cada vez mais vazio. É um cenário que mistura pouca ação pública e especulação privada — e, no meio disso, a memória da cidade vai desaparecendo pouco a pouco.


Como reverter o apagamento e o esvaziamento urbano?
Não existe solução simples, mas há caminhos possíveis. Primeiro, é preciso parar de tratar o patrimônio como um fardo. Proprietários de imóveis tombados precisam de apoio, orientação técnica e incentivos reais para cuidar de suas construções. Sem isso, o abandono se torna o caminho mais fácil — e, às vezes, o único financeiramente viável. Além disso, o poder público tem o desafio de transformar o centro histórico em um espaço vivo e economicamente ativo, criando condições reais para que ele volte a ser frequentado e produtivo. Isso significa estimular moradias, pequenos comércios e atividades culturais; além de eventos regulares e incentivos ao turismo local. O objetivo não é transformar o centro em um museu a céu aberto, mas em um ambiente funcional, seguro e atraente, onde preservar o passado caminhe junto com gerar renda, empregos e pertencimento urbano.


O que é indispensável compreender sobre a situação do centro Histórico de Campos?
O ponto essencial é entender que a destruição dos prédios históricos segue uma lógica racional dentro do sistema econômico atual. Para o proprietário, manter um imóvel antigo e tombado é caro, burocrático e pouco recompensador — enquanto demolir e usar o terreno como estacionamento é simples e rentável. Ou seja, não é só falta de consciência ou descaso, mas uma reação previsível a um modelo urbano que não oferece alternativas sustentáveis de preservação.
Se quisermos mudar esse cenário, precisamos mudar os incentivos, não apenas os discursos: preservar deve ser viável, recompensador e parte de um projeto de cidade que valorize o que tem de único — sua memória. Finalmente, é preciso pensar a cidade de forma integrada: o desenvolvimento sustentável abrange as dimensões ambiental, econômica e social, que devem atuar de maneira articulada. Preservar e valorizar a cultura local é também estabelecer bases para uma sociedade economicamente próspera e ambientalmente saudável.