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Centro Histórico de Campos com estacionamentos no lugar de prédios tombados

O geógrafo e professor da UENF, Marcos Pedlowski, comenta sobre pesquisa realizada na região central da cidade

Cidade
Por Ocinei Trindade
29 de dezembro de 2025 - 10h00

Geógrafo e pesquisador da Uenf, Marcos Pedlowski (Arquivo)

Em reportagem especial publicada recentemente pelo J3News, “Centro Histórico de Campos: apagamento e especulação” (leia aqui), o geógrafo e professor Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro”, analisa pesquisa feita na região. Cada vez mais, surgem estacionamentos no lugar onde existiam prédios, sobrados ou residências de valor arquitetônico reconhecido, tombados pelo patrimônio histórico da cidade. Nesta entrevista, o pesquisador comenta sobre a pesquisa e artigo científico do sociólogo André Vasconcellos (leia aqui) sobre o apagamento do Centro Histórico de Campos.

Como foi iniciada a pesquisa sobre substituições de prédios históricos por estacionamentos na região central de Campos, e qual a sua avaliação sobre o momento atual?

Na verdade, a pesquisa foi iniciada em 2014 a partir de um trabalho de campo que eu realizo anualmente no Centro Histórico de Campos com os alunos do curso de Ciências Sociais e do programa de pós-graduação em Políticas Sociais.  Foi a partir daquele período que eu passei a detectar a derrubada de prédios no Centro. A pesquisa mais propriamente dita ocorreu entre 2017 e 2022 quando um aluno de graduação iniciou o paciente trabalho de identificar os prédios derrubados e marcar as coordenadas dos lotes usando um aparelho de GPS.

Eu também quero dizer que a pesquisa não está conclusa, mesmo porque o processo de destruição de prédios para a instalação temporária de estacionamentos não parou, o que fica visível em qualquer caminhada pelo Centro.   Pelo menos uma colega pesquisadora já demonstrou interesse em continuar com o mapeamento dos lotes esvaziados, e penso que isso será feito.

O que mais chama à atenção em relação ao apagamento de patrimônio histórico tombado sendo substituído por estacionamentos?

Eu diria que é a falta de entendimento dos proprietários dos imóveis em relação ao potencial econômico que existe na proteção e manutenção de prédios em áreas adensadas como é o caso do Centro Histórico de Campos.  Quem já teve a oportunidade de visitar cidades europeias ou mesmo na América Latina, já pode presenciar como a recuperação dos centros históricos atrai negócios e turistas.  Um belo exemplo disso está na capital de Porto Rico, San Juan, onde a proteção de um patrimônio arquitetônico muito similar ao de Campos resultou em grande dinamismo econômico e reocupação daquele espaço.

Aqui, aparentemente está se derrubando prédios históricos sem muita parcimônia à espera de algum tipo de ciclo virtuoso. O problema é que ao esvaziar o Centro Histórico do seu rico patrimônio arquitetônico, os proprietários podem estar dando um belo tiro no pé.  É que ao esvaziar o Centro de um patrimônio arquitetônico único, eles estão diminuindo a atração para novos investimentos, criando uma espécie de “ciclo de perde-perde”.

Estacionamento no Centro de Campos onde antes existia um prédio histórico tombado, mas que foi demolido e o espaço transformado

Considera que a pesquisa pode auxiliar gestores públicos e setores da sociedade sobre preservação e manutenção do Centro Histórico?

Eu penso que o papel da pesquisa científica é identificar processos e documentá-los.  Foi isso o que fizemos com essa pesquisa, seguindo padrões rigorosos de procedimentos metodológicos.   Na prática, registramos e quantificamos um processo que estava na cara de todo mundo, mas sem que se soubesse a sua dimensão. Agora, com a nossa pesquisa, os interesses em proteger e preservar o patrimônio arquitetônico do Centro Histórico de Campos, já sabemos qual é a dimensão e a velocidade com que o fenômeno está se desenvolvendo. E mais, com os mapas que produzimos, poderão identificar em quais ruas o processo de desmantelamento do patrimônio arquitetônico está mais acelerado. 

Com base nessas informações, os gestores públicos e também os membros do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos dos Goytacazes (Coppam), poderão agir de maneira informada para estabelecer procedimentos que coíbam as ações ilegais de derrubada de prédios históricos.  Pode não ser muita coisa, mas já seria um bom ponto de partida.

Qual a tua observação sobre o que acontece no Centro Histórico de Campos?

Creio que estamos assistindo a um processo estruturado de destruição de um rico patrimônio arquitetônico, o qual expressa com clareza os diferentes ciclos de formação do espaço urbano campista.  É importante dizer que existem proprietários preocupados com a preservação da história arquitetônica da nossa cidade e que temos alguns casos de recuperação das condições estéticas e estruturais dos prédios. Com isso, penso que poderíamos também focar nos bons exemplos para disseminar a ideia de que é melhor e mais interessante preservar e proteger, do que colocar prédios belíssimos no chão para instalar estacionamentos.

Tapumes foram erguidos em frente ao Museu Olavo Cardoso (Foto: Silvana Rust)

Como reverter ou combater o apagamento da história e o esvaziamento do centro urbano com locais destinados a estacionamentos particulares?

A primeira coisa é responsabilizar judicialmente quem derrubar prédios históricos sem sequer se preocupar em pedir autorização ao governo municipal. Além disso, há que se criar incentivos positivos para quem se dispuser a proteger o patrimônio arquitetônico campista, mas também de penalidades econômicas e civis para quem não o fizer.

Mas o exemplo tem que vir do próprio governo municipal que tem abandonado vários prédios históricos de sua propriedade, como é o caso do palacete que abriga o Museu Olavo Cardoso que está em vias de desabar, após ser fechado em 2012.  Eu tive a oportunidade de visitar o museu logo após a sua abertura e é dramático ver a que ponto de precarização o prédio se encontra neste momento.

Por outro lado, há que retomar com recursos e rigor técnico o Projeto de Revitalização do Centro Histórico, mas com foco na manutenção e recuperação dos prédios históricos, e não em algum programa que vise a gentrificação da área.

Antigo Hotel Flávio antes de ser demolido completamente

O que considera importante e indispensável mencionar sobre o tema?

Eu diria que a cidade de Campos, e, principalmente suas elites, deveriam valorizar e proteger o seu rico patrimônio arquitetônico. Quem visita hoje a Casa de Cultura Villa Maria, pode presenciar o ganho incrível que é ter aquele edifício devidamente protegido. Ali, ocorrem dezenas de funções artísticas.

Quem adentra aquele espaço aprende sobre a história da cidade apenas por colocar os pés dentro da casa.  E o melhor é que hoje o prédio já incorporou novidades tecnológicas, o que apenas exponencializa os ganhos dessa integração entre passado, presente e futuro. Eu penso que se o exemplo da Villa Maria fosse seguido, a cidade de Campos teria muito mais a ganhar do que continuar assistindo à destruição do seu patrimônio histórico.

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