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Adenomiose: doença pouco conhecida que impacta a vida das mulheres

A ginecologista, obstetra e cirurgiã Maria Eliza Guimarães fala sobre um caso grave e os avanços no tratamento com cirurgia robótica

Saúde da Mulher
Por Ocinei Trindade
12 de julho de 2025 - 8h00

Dra. Maria Eliza Guimarães explica sobre adenomiose e tratamentos (Divulgação)

Embora ainda pouco discutida, a adenomiose é uma condição ginecológica que afeta de forma significativa a qualidade de vida de muitas mulheres, especialmente em idade reprodutiva. Frequentemente confundida com a endometriose — por compartilhar sintomas como cólicas intensas, sangramentos excessivos e dor pélvica crônica —, a adenomiose é caracterizada pela presença do endométrio, o tecido que reveste o interior do útero, infiltrado no próprio músculo uterino. Essa infiltração pode causar inflamações graves, aumento do útero, anemia e dor incapacitante, exigindo, em muitos casos, internações frequentes e tratamentos complexos. Em entrevista, a médica Maria Eliza Guimarães, ginecologista, obstetra e cirurgiã com vasta experiência em procedimentos minimamente invasivos, comenta um caso severo de adenomiose e explica os desafios e possibilidades de tratamento com o auxílio da cirurgia robótica.

O que é a adenomiose e quais são os principais sintomas que levam uma mulher a procurar ajuda médica?
A adenomiose é uma condição em que o tecido que normalmente reveste o interior do útero, o endométrio, começa a se infiltrar na musculatura uterina, causando aumento do volume do útero e gerando inflamação crônica. Os sintomas mais comuns são dores intensas durante o período menstrual, sangramentos abundantes e prolongados, cólicas incapacitantes e, em alguns casos, dificuldade para engravidar. Muitas mulheres também relatam inchaço abdominal e sensação de peso na pelve.

No caso específico desta paciente, qual a idade dela e há quanto tempo enfrenta o problema de internar toda vez que menstrua?
Essa paciente tem 26 anos e enfrenta esse quadro grave há cerca de seis anos. Nos últimos seis meses, todos os meses, durante o período menstrual, ela precisou de internações hospitalares por conta de dores incapacitantes e sangramento excessivo.

O que torna a condição tão grave a ponto de exigir internações frequentes durante o período menstrual?
A gravidade se dá tanto pela extensão da adenomiose — a resposta inflamatória que o organismo gera — quanto pela hemorragia grave causada pelos múltiplos miomas. Quando a infiltração do endométrio atinge camadas profundas do útero, o órgão se torna volumoso, rígido e extremamente doloroso, além de haver sangramentos intensos que podem causar anemia e queda no estado geral da paciente. No caso dela, o impacto na qualidade de vida era tão significativo que as crises só podiam ser controladas com internação, medicação intravenosa e, em alguns momentos, transfusão sanguínea.

Por que foi escolhida a cirurgia robótica para o tratamento da adenomiose neste caso?
Optamos pela cirurgia robótica porque ela oferece uma visão ampliada e em alta definição das estruturas pélvicas, além de proporcionar movimentos mais precisos e delicados — o que é fundamental em casos complexos onde queremos preservar o útero. No caso dessa paciente, a adenomiose e a endometriose estavam muito avançadas, mas o desejo de preservar o útero e, possivelmente, a fertilidade, foi determinante para essa escolha.

Cirurgia robótica no Beda feita por Maria Eliza Guimarães

É possível tratar a adenomiose sem retirar o útero? Em quais situações a preservação uterina é viável?
Sim, em alguns casos de adenomiose focal, o trabalho cirúrgico pode ser resolutivo, mas tudo depende do grau de comprometimento do útero e dos sintomas. A preservação uterina costuma ser viável em pacientes mais jovens, que desejam engravidar, ou quando conseguimos delimitar e retirar apenas as áreas mais afetadas sem comprometer a estrutura do órgão. É uma cirurgia tecnicamente desafiadora, mas a robótica nos dá mais segurança para isso.

Quais são os desafios técnicos e clínicos de uma cirurgia como essa, que busca preservar o útero?
Os principais desafios são identificar com precisão as áreas afetadas, retirar o tecido infiltrado sem comprometer a musculatura saudável e manter a integridade do útero. Além disso, é necessário minimizar o risco de sangramentos e garantir uma boa cicatrização para que o útero continue funcional. Tudo isso exige experiência, tecnologia de ponta e um planejamento cirúrgico muito cuidadoso. Essa paciente, além de endometriose e adenomiose, tinha 69 miomas que também foram retirados.

Que tipo de preparo pré-operatório é necessário para uma paciente com esse grau de comprometimento?
É fundamental otimizar o estado geral da paciente antes da cirurgia. Isso inclui o controle da anemia, caso esteja presente, avaliação cardiológica, exames de imagem detalhados, como ressonância magnética, e, em alguns casos, uso de medicações para reduzir temporariamente o volume uterino. Também fazemos acompanhamento psicológico, pois o impacto emocional da doença costuma ser grande.

Essa paciente tem chance de manter a fertilidade após o procedimento?
Sim, essa é uma das grandes vantagens de realizarmos o procedimento com foco na preservação uterina. Embora cada caso seja único e dependa do grau de comprometimento e da resposta pós-operatória, ela tem boas chances de manter a fertilidade, especialmente porque preservamos a estrutura e a vascularização do útero.

Quanto tempo, em média, dura esse tipo de cirurgia robótica e qual o tempo estimado de recuperação?
A cirurgia costuma durar entre duas a cinco horas, dependendo da complexidade do caso. A recuperação, por ser minimamente invasiva, é mais rápida: a paciente geralmente recebe alta em 24 a 48 horas e, em cerca de quatro semanas, pode retomar grande parte das atividades cotidianas, sempre respeitando as orientações médicas.

Há risco de a adenomiose retornar mesmo após o procedimento?
Existe, especialmente em casos muito avançados, pois a adenomiose é uma doença de difícil erradicação completa. Porém, com a retirada adequada das áreas afetadas e o acompanhamento médico rigoroso, conseguimos controlar os sintomas e oferecer uma melhora significativa na qualidade de vida.

Miomas retirados de paciente em procedimento robótico

Além da cirurgia, que outros tratamentos podem ser oferecidos para pacientes com adenomiose?
O tratamento pode incluir o uso de medicamentos hormonais, como o DIU medicado com progesterona, anticoncepcionais de uso contínuo ou análogos do GnRH. Também recomendamos dieta anti-inflamatória para reduzir o fluxo e as dores. Em alguns casos, terapias complementares como fisioterapia pélvica e acompanhamento psicológico também são indicadas.

A senhora tem visto aumento nos diagnósticos de adenomiose nos últimos anos? A doença ainda é subestimada?
Sem dúvida, temos visto um aumento nos diagnósticos, principalmente devido ao maior acesso a exames de imagem de qualidade, como a ressonância magnética. Ainda assim, a adenomiose é uma doença subestimada e muitas vezes confundida com outras condições, como a endometriose. Por isso, é fundamental ampliar a conscientização e capacitação dos profissionais de saúde.

Após a cirurgia, qual a sua expectativa e por quanto tempo a paciente será acompanhada?
A expectativa é que ela tenha uma melhora significativa dos sintomas, com redução ou eliminação das crises de dor e dos sangramentos intensos. O acompanhamento será contínuo, inicialmente com consultas mensais nos primeiros seis meses e, depois, de acordo com a evolução clínica. Também monitoramos a função uterina e, caso ela deseje engravidar, daremos o suporte necessário para essa etapa.