O médico geneticista Isaías Soares Paiva integra a equipe do laboratório XY Diagnose, em Campos dos Goytacazes. Professor universitário e pesquisador, ele tem se dedicado a estudos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O tema foi abordado por ele no II Simpósio de Genética do Norte e Noroeste Fluminense, realizado nos dias 27 e 28 de junho, em palestra seguida por discussão e debate (leia aqui). Nesta entrevista, doutor Isaías destaca a importância do evento científico em Campos, além de apresentar dados recentes sobre o TEA no Brasil e no mundo.
Qual a importância de abordar o TEA em um evento científico e, como geneticista, como observa o interesse da sociedade e dos pesquisadores?
Na minha opinião, o tema Transtorno do Espectro Autista deve ter prioridade absoluta, porque tem-se observado um aumento acentuado, um crescimento muito grande na prevalência do autismo. Segundo o CDC americano (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), em 2020 a prevalência era estimada em 1 para cada 150 crianças. Em 2023, essa proporção passou para 1 em 36. Observem como aumentou. E, para 2025, a estimativa é de que 1 em cada 27 crianças seja diagnosticada com TEA.
O autismo é definido pelo DSM-5, uma publicação da Academia Americana de Psiquiatria que normatiza os transtornos mentais e define critérios para o diagnóstico do TEA. Ele é caracterizado por déficit na comunicação, na socialização e comportamentos com estereotipias, padrões restritos ou ritualísticos.
Então, qual é o interesse da sociedade, da medicina e dos pesquisadores em geral sobre o TEA?
Em consequência desse grande aumento da prevalência do TEA, muitos têm discutido a etiologia, ou seja, as causas desse crescimento. Em termos etiológicos, o TEA pode ser dividido em causas genéticas e causas multifatoriais ou ambientais.
No TEA genético, a criança apresenta uma alteração genética que leva ao desenvolvimento do autismo. Já no TEA multifatorial, o transtorno decorre da interação entre predisposição genética e fatores ambientais. A grande pergunta é: quais fatores ambientais estão contribuindo para esse aumento tão expressivo?
Os estudos sugerem que uma das causas está na maior capacitação dos profissionais de saúde para reconhecer o fenótipo autista, o que melhora o diagnóstico. As pesquisas atuais sobre a etiologia do TEA têm se concentrado, principalmente, em fatores perinatais, como hipertensão materna durante a gravidez, uso de medicamentos (inclusive anticonvulsivantes) e outros aspectos do período gestacional.
Outro fator etiológico que vem sendo amplamente discutido é a exposição precoce às telas. Nos últimos anos, tem havido uma profusão de estudos científicos sobre os efeitos dessa exposição, e muitos concluem que ela é prejudicial ao desenvolvimento infantil. Durante os primeiros anos de vida, em que ocorre o maior desenvolvimento cognitivo, a exposição excessiva às telas é extremamente nociva.
O que a comunidade em geral precisa observar em relação ao TEA e às implicações genéticas no diagnóstico e no tratamento?
É fundamental que a sociedade, especialmente pais e cuidadores, esteja atenta aos sinais e sintomas do TEA, que já podem ser percebidos nos primeiros meses de vida. O reconhecimento precoce permite buscar atendimento especializado — inicialmente com o pediatra, que pode encaminhar a criança ao neuropediatra, que por sua vez avaliará a necessidade de investigação genética.
Essa investigação é importante porque cerca de 30% dos casos de TEA têm origem genética. Identificar essa causa abre janelas para intervenções mais específicas e tratamentos direcionados. Diagnosticar a origem do transtorno é essencial. Dizer que a criança tem TEA não é suficiente — o mais importante é descobrir a causa. Ao identificá-la, conseguimos personalizar o tratamento, o acompanhamento e o manejo clínico.
O TEA é uma condição com forte implicação genética
Como mencionei, cerca de 30% dos casos de TEA são causados por alterações genéticas. Nestes casos, as crianças costumam apresentar alterações no crescimento, no exame físico, no perímetro cefálico, além de características dismórficas e comorbidades como deficiência intelectual, distúrbios de comportamento e de sono.
Os outros 70% são classificados como multifatoriais, ou seja, resultam da combinação entre fatores ambientais e predisposição genética. Já foram catalogados mais de mil genes que, associados a fatores externos, podem levar ao desenvolvimento do TEA. Esse componente genético, mesmo nos casos multifatoriais, é chamado de herdabilidade e pode ser mensurado.
Em alguns estudos, o componente genético do TEA multifatorial chega a representar até 90% da causa, ficando os 10% ou 15% restantes atribuídos exclusivamente aos fatores ambientais. Ou seja, mesmo no TEA multifatorial, os aspectos genéticos são altamente relevantes. O TEA é, portanto, uma condição genuinamente genética.
O que o senhor gostaria de destacar em relação ao TEA e ao desempenho do XY Diagnose em abordagens rotineiras?
O TEA genético é 100% dependente de alterações nos genes. E no TEA multifatorial, a genética também desempenha um papel importante. Por isso, os testes genéticos são fundamentais na investigação do transtorno e devem ser indicados por profissionais habilitados, pois são exames complexos e muitas vezes de custo elevado.
O laboratório XY Diagnose tem papel essencial nesse cenário por meio da realização desses testes, que são imprescindíveis não apenas nos 30% dos casos em que o TEA é de origem genética, mas também nos casos multifatoriais, nos quais a ciência vem avançando na identificação de genes de predisposição ao TEA.
Conhecer esses genes é um grande avanço da medicina, e isso só é possível por meio da análise genética. A importância do trabalho realizado pelo laboratório XY se confirma na própria natureza do transtorno.
Qual sua avaliação sobre o II Simpósio de Genética promovido pelo XY Diagnose em 2025?
A expectativa foi enorme, e acredito que a cidade de Campos e sua comunidade médica estavam também muito entusiasmadas. O evento foi espetacular e trouxe grandes contribuições para a medicina local. Participei com duas palestras, sendo uma delas dedicada aos aspectos genéticos do TEA e à investigação diagnóstica em crianças com suspeita do transtorno.
Foi uma oportunidade para discutir quais exames devem ser realizados, quando estão indicados e qual a importância de identificar o fator genético associado ao TEA. Reforço que é essencial sensibilizar os médicos para a relevância dos aspectos genéticos do transtorno.
Nos casos em que há comprometimento do crescimento, da morfologia e comorbidades como deficiência intelectual, o TEA é predominantemente genético. Já quando há crescimento e exame físico normais e ausência de comorbidades, estamos diante do TEA multifatorial. Por isso, é vital que os profissionais de saúde estejam capacitados para diferenciar esses perfis e conduzir corretamente o diagnóstico.
O que o senhor considera indispensável mencionar sobre o TEA?
Outro ponto importante a ser destacado é que, devido ao aumento da prevalência do TEA, surgem questões relacionadas ao acolhimento, à assistência, ao acompanhamento e ao tratamento dessas crianças. Os serviços de saúde pública precisam estar preparados para atender essa demanda, e infelizmente sabemos que ainda há muitas carências nesse sentido.
É fundamental iniciar o mais cedo possível as terapias de reabilitação multidisciplinar, que incluem fisioterapia, fonoaudiologia, psicopedagogia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras. O tratamento mais eficaz hoje é justamente o início precoce dessas terapias.
Além disso, é necessário aprofundar as pesquisas sobre os fatores ambientais que possam estar contribuindo para o aumento da prevalência do TEA. Identificar e evitar esses fatores podem ser essencial para a prevenção de novos casos.
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