No início de junho, um idoso de 81 anos morreu em Campos dos Goytacazes após ser atacado por dois cachorros da raça pitbull que pertenciam a ele. A vítima chegou a ser hospitalizada por cinco dias, mas não resistiu. No ano passado, em Saquarema, a escritora Roseana Murray perdeu um braço após ser atacada por pitbulls de um vizinho. Nos últimos anos, ataques de cães ferozes têm sido frequentes em todo o Brasil, com várias vítimas fatais. No Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual 4.597/2005 estabelece regras para a posse e circulação de cães considerados perigosos — como pitbull, fila, doberman e rottweiler — com obrigatoriedade do uso de focinheira em locais públicos, por exemplo. No entanto, é comum haver desconhecimento e descumprimento da determinação legal por parte de tutores ou donos de animais.
A reportagem buscou dados estatísticos com a Secretaria de Saúde sobre registros de pessoas feridas ou mortas por ataques de cães em Campos, mas não obteve respostas. De acordo com informações do Ministério da Saúde, entre 2020 e 2023, o Brasil contabilizou 156 fatalidades decorrentes de mordidas ou ataques de cães. Em 2023, foram 51 vítimas, representando um aumento de 27% em comparação com 2022, que registrou 40 óbitos. Em 2020 e 2021, foram listadas 32 e 33 mortes, respectivamente. Subnotificações ocorrem em todo o território nacional, o que indica que o número real de vítimas pode ser ainda maior.
O técnico em mecânica Victor Manhães tem um cão da raça pitbull há quatro anos, chamado Brutos. Ele afirma que o animal é dócil com pessoas de casa e de fora, e costuma sair com ele na rua usando apenas coleira e guia. “Por ser muito tranquilo, não vejo necessidade do uso de focinheira”, diz. Ele declarou desconhecer a obrigatoriedade do item de segurança previsto na lei estadual. A legislação também proíbe a circulação de filas, dobermans e rottweilers em praias e exige a castração desses animais a partir dos seis meses de idade. O descumprimento pode gerar multa de até R$ 22 mil, além da apreensão do animal em caso de reincidência.
O aposentado Fernando Drummond mantém dois cães grandes e sem raça definida em sua casa de praia. Já teve três rottweilers, que ficavam soltos no quintal, sem contato com pessoas de fora. “Não eram exatamente pets, mas cães de guarda, e, por isso, hostis com estranhos. Os atuais só saem de casa quando há real necessidade — e sempre devidamente equipados. Felizmente, nunca houve incidentes. Na minha opinião, quem cria cães perigosos soltos está sob risco de cometer um crime doloso. Mesmo que não haja intenção de causar um infortúnio, como a morte de alguém, ao permitir que o animal tenha acesso a outras pessoas, o tutor está assumindo um risco iminente e real”, considera.
Adestramento e atenção à lei
As irmãs Sofia e Raquel Pessanha são estudantes de medicina veterinária e também atuam como adestradoras de cães. Já lidaram com animais da raça pitbull com comportamento considerado agressivo e defendem o cumprimento e a fiscalização da legislação estadual. “É uma lei necessária e muito importante, pois cães fora da guia, infelizmente, são um cenário comum. E isso vale para cães de grande e de pequeno portes, pois estes também podem causar acidentes. Os riscos envolvem desde ataques a pessoas e outros animais, com feridas graves e até morte, até acidentes como atropelamentos e tombos. Portanto, é necessário haver mais conteúdo informativo sobre a lei e também medidas corretivas para os infratores”, afirmam.
O médico-veterinário Breno Garone, mestre e doutor em Psicofarmacologia e pós-graduado em Medicina Veterinária Comportamental, reforça os perigos da má condução no manejo de cães de raças potencialmente agressivas. “Existem raças que, aliadas à falta de socialização e à ausência de preparo dos condutores, tornam-se perigosas. Se você tem uma raça potencialmente agressiva, mal socializada, com condutas inadequadas desde o início da criação, há um risco evidente. Coloca-se em risco não só outras pessoas, mas também o próprio cão. Proteger o cachorro significa reduzir a probabilidade de incidentes negativos”, alerta.
Para Garone, cães considerados perigosos exigem cuidados desde filhotes. “Nesses casos, é essencial contratar um profissional — seja um médico-veterinário comportamentalista ou um adestrador qualificado — que saiba orientar o tutor desde os primeiros momentos com o animal. Quando esse processo é bem conduzido, há uma redução significativa na probabilidade de comportamentos agressivos. O cão se adapta ao que já está acostumado, habituado e condicionado”, conclui.