O pesquisador Roberto Uchoa tem livro publicado acerca do uso da arma de fogo no Brasil. Ele é mestre em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense, além de doutorando em Portugal. O especialista faz análise sobre o projeto do uso de arma de fogo em Campos e sobre ter guardas armadas pelo país.
A reportagem especial desta semana do J3News “Guarda se prepara para armar seus agentes” (leia aqui) retoma o debate sobre a tendência nacional de ter guardas civis municipais armadas, amparadas por dispositivos legais e pelo Supremo Tribunal Federal. Em Campos dos Goytacazes, desde o fim de 2022 com a aprovação do Estatuto da Guarda Municipal , espera-se pelo uso de armas de fogo. O processo é lento e requer uma série de treinamentos e cautela, diz o governo municipal.
Acredita que a Guarda Municipal armada pode contribuir com o aumento da segurança pública?
Acredito que a arma de fogo não deve ser compreendida como uma solução ou uma ferramenta com eficácia absoluta na segurança pública. Trata-se de um instrumento a ser utilizado por uma instituição de segurança dentro de um contexto de uso progressivo da força. Ela não resolve todos os problemas. Agora, se pode auxiliar no trato da segurança pública? Sim, desde que inserida em um planejamento adequado. Não se trata de simplesmente armar todo mundo achando que isso será positivo. É preciso considerar o contexto: quem utilizará, por que utilizará, em que tipo de serviço. Esse debate e esse planejamento podem, de fato, contribuir para a melhoria da sensação de segurança da população — mas nunca o armamento isolado.
Como deveria ser esse processo de início da implantação do uso de armas pelas guardas civis pelo país afora?
Esse processo já começou há bastante tempo no Brasil. Não é algo novo. O estado de São Paulo, por exemplo, tem o maior número de guardas municipais armadas, e há outros estados com números expressivos também. O Rio de Janeiro era, até pouco tempo, uma exceção. Mas nos últimos quatro ou cinco anos, observamos um movimento crescente pelo armamento de diversas guardas municipais. Isso reflete, por um lado, a percepção de que os municípios também devem participar de forma mais efetiva da segurança pública. Por outro lado, revela uma limitação na compreensão de como esse trabalho deve ser conduzido. Preocupa-me muito a militarização das guardas, essa tentativa de copiar o ethos da Polícia Militar. Vemos hoje guardas portando fuzis, o que não faz sentido para uma instituição que deveria priorizar a proximidade com o cidadão. O enfrentamento direto ao crime organizado não é e não deve ser o papel da Guarda Municipal.
O que acha sobre essa suposta ação da Prefeitura de Campos de permitir o porte ou uso de armas em serviço na Guarda Municipal?
Confesso que não tenho acompanhado de perto esse processo em Campos, pois atualmente estou em Portugal desenvolvendo uma pesquisa sobre armas de fogo em contexto nacional. Mas acredito que esse é um debate que deve envolver toda a sociedade, e não apenas ser decidido pela gestão municipal. Trata-se de uma medida que terá impacto direto na população. Esses profissionais estarão realmente preparados? De que maneira serão capacitados? Ter um convênio com a Polícia Federal não resolve, por si só, todos os problemas que podem surgir com o comportamento de servidores armados. O debate precisa ser feito com transparência e responsabilidade.
O que o Poder Público e a sociedade devem observar em relação a esses profissionais que estarão armados no período de trabalho?
A primeira preocupação deve ser compreender como esse armamento será estruturado. Serão apenas grupos táticos? Guardas em rondas específicas? Todos os agentes serão armados? Haverá armamento em patrulhas escolares? É preciso deixar claro qual o modelo de implantação e que evidências sustentam essa decisão. Políticas públicas de segurança devem ser baseadas em evidências — algo que, infelizmente, ainda é pouco valorizado no Brasil. Devemos analisar como esse processo foi implementado em outros lugares, o que deu certo, o que fracassou, o que pode ser adaptado. Armar por armar não resolve nada. Colocar mais armas em circulação pode gerar efeitos positivos, mas também pode resultar na milicianização de agentes, o que sempre foi um temor sério no estado do Rio.
O que é importante destacar sobre esse tema que eu não tenha perguntado e que considere relevante mencionar?
Acredito que uma das questões centrais é como será feita a integração da Guarda Municipal com as demais forças de segurança. Se não houver integração, corremos o risco de sobrepor funções — como colocar uma viatura da Guarda ao lado de uma da Polícia Militar, duplicando o policiamento ostensivo sem ganhos reais. Também existe o risco de disputas por ocorrências entre as instituições, o que já ocorreu em outros lugares. Sempre defendi, e continuo defendendo, o armamento de setores específicos da Guarda Municipal, dentro de um contexto estratégico. Por exemplo, um grupamento de motocicletas armado poderia funcionar como força de deslocamento rápido para auxiliar a PM em ocorrências cotidianas. Mas tudo isso exige planejamento tático e operacional detalhado: quais serão os pontos de apoio, como serão feitas as rondas, qual o sistema de comunicação, se haverá integração com a PM, onde estarão as bases. É um debate muito mais amplo do que apenas a discussão sobre armar ou não armar.
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