×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Inclusão ainda é desafio para portadores de TEA

Falta de conhecimento e empatia dificultam acolhimento de pessoas com autismo

Especial J3
Por Yan Tavares
6 de abril de 2025 - 0h01
Foto: Silvana Rust

O mês de abril é marcado no país e no mundo pela luta por mais empatia e inclusão para as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). No dia 2 de abril, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo.

A data foi estabelecida no calendário da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, com o intuito de difundir informações para a população e, desta forma, combater a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas afetadas pelo transtorno.

De acordo com o Senado Federal, a estimativa é de que haja, no mínimo, 2 milhões de pessoas com TEA, mas o país ainda não dispõe de números oficiais sobre o contingente real. No último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE, em 2022, foram inseridas pela primeira vez questões específicas sobre o tema.

O Governo Federal publicou no último dia 2 de abril que agora o TEA faz parte da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. “São mais de R$ 540 milhões investidos na rede de cuidados. Mais acesso, mais inclusão, mais direitos garantidos”, disse a publicação.

Foto: Silvana Rust

Realidade em Campos
Em resposta à reportagem, a Prefeitura de Campos declarou que a rede municipal de ensino atende, atualmente, cerca de 1.100 alunos com diagnóstico de TEA.

Mais de 1.180 famílias atípicas (com TEA e outros transtornos) são assistidas por três entidades conveniadas com a Prefeitura: Associação de Pais e Pessoas Especiais (Apape), Associação de Pais, Amigos dos Excepcionais (Apae) e Associação de Proteção e Orientação aos Excepcionais (Apoe). O dado foi apurado pela reportagem do J3News na última semana, em conversas com representantes de cada uma das instituições.

A cidade sedia ainda o maior projeto esportivo para pessoas com deficiência do país: o Paraesporte, que hoje assiste 400 famílias vinculadas à Apape, Apae e Apoe, promovendo a inclusão por meio da prática de várias modalidades esportivas. 

Foto: Silvana Rust

A Apape, por exemplo, atende atualmente no Centro de Referência do Autismo 400 famílias,  inscritas no programa de proteção social especial para pessoas com deficiência. O atendimento com equipe transdisciplinar especializada trabalha em cumprimento à Lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com TEA. Em parceria com a Fundação CDL, pessoas assistidas pela entidade, já com autonomia desenvolvida, são encaminhadas ao mercado de trabalho, recebendo a oportunidade do primeiro emprego.

Em maio do ano passado, a primeira-dama Tassiana Oliveira visitou as dependências do Centro de Referência de Atendimento e Monitoramento de Portadores de Doenças do Neurodesenvolvimento, situado na Cidade da Criança. De acordo com o município, o equipamento passava por obras de reforma e melhorias, para se tornar um dos serviços do Programa NeuroAção. Depois da visita, o município não fez novas atualizações sobre o funcionamento do espaço.

Ao contrário do ano passado, em 2025 a Prefeitura não realizou nenhum evento aberto ao público no dia 2, em menção à luta pela causa. Ao menos, nada que tenha sido divulgado.

2 de abril|Evento no Jardim São Benedito lembrou a importância da inclusão – Foto: Silvana Rust

Programação na cidade
A principal iniciativa em Campos em menção ao Dia Mundial do Autismo, foi o evento promovido na última quarta-feira (2) – pelo quinto ano consecutivo – pelo vereador Leon Gomes (PDT), no Jardim São Benedito. Pai atípico, Leon é uma das principais representatividades engajadas na causa no município, desde que assumiu o primeiro mandato na Câmara de Vereadores, em 2021. Com o tema “Inclusão é regra”, o encontro reuniu famílias típicas e atípicas, com atividades interativas, brinquedos, diversão e especialmente, inclusão. 

Leon Gomes – Foto: Silvana Rust

“A ideia é mostrar que se pode fazer inclusão com pouco. Porque às vezes se diz que é necessário gastar muito para isso, o que não é real. Depende do olhar, da empatia. A nossa luta é para que tanto o poder público como a sociedade em geral entendam que é importante abrir espaço para momentos de lazer como esse. Porque não é o que acontece nos outros dias do ano”, pontua. E acrescenta:

A realidade é que pais e mães atípicos no dia a dia dificilmente têm a oportunidade de levar seus filhos em uma pracinha da cidade, em um parquinho dentro de um shopping, porque não são oferecidos a estrutura e o suporte necessários, nem há empatia da sociedade. E essas famílias acabam ficando isoladas em suas casas. O que é muito ruim. Porque uma criança atípica precisa da convivência com crianças típicas para desenvolver a socialização fora do seu universo”, diz.

Dias antes do evento, a maquiadora Ester Gomes, mãe atípica, fez um relato emocionado nas redes sociais e chamou atenção para o significado de falar do dia 3 de abril, bem de todos os outros dias seguintes e todo o ano, para o avanço da luta pela causa.

“Com o dia 2 chegando, a gente fica observando as movimentações nas escolas, nos consultórios, toda uma programação especial. Sou mãe do Benjamin, uma criança autista, e quero falar aqui sobre o dia 3 de abril. Sim, o dia 3. Porque é nesse dia que tudo volta ao normal para a nossa família e de milhares de mães e pais atípicos. Não adianta vários setores e segmentos fazerem a melhor programação possível na semana específica, se durante todo o resto do ano a família atípica não tiver o acolhimento, a escuta, que ela realmente merece. O dia 3 de abril sempre chega outra vez. E com ele, chegam juntos a indiferença, o preconceito, a discriminação dos nossos filhos”, alertou.

Em Campos|Cerca de 1.000 alunos com de TEA são atendidos na rede municipal de ensino – Foto: Silvana Rust

Empatia mais que necessária
A Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde destaca que embora algumas destas pessoas possam viver de forma independente, existem outras com deficiências severas que precisam de atenção e apoio constante ao longo de suas vidas.

“As intervenções psicossociais baseadas em evidência, tais como terapia comportamental e programas de treinamento para pais, podem reduzir as dificuldades de comunicação e de comportamento social e ter um impacto positivo no bem-estar e na qualidade de vida de pessoas com TEAs e seus cuidadores. As intervenções voltadas para pessoas com TEAs devem ser acompanhadas de atitudes e medidas amplas que garantam que os ambientes físicos e sociais sejam acessíveis, inclusivos e acolhedores”, indica o órgão federal.

Desafio diário

Foto: Silvana Rust

Taiane da Conceição é mãe da pequena Rafaela Pereira, de 4 anos. Durante o evento no Jardim São Benedito, ela encantou a equipe de reportagem pela sua relação com instrumentos musicais.

“Ela é seletiva com alguns barulhos, mas adora música. A gente vem de Baixa Grande duas vezes por semana para ela fazer o acompanhamento com fonoaudióloga, terapia, atividades pedagógicas. Desde dezembro, começou a se desenvolver bastante, soltando a voz, se comunicando melhor e socializando bem melhor também. Só de vê-la se desenvolvendo assim, vale a pena cada desafio diário” disse Taiane.

Foto: Silvana Rust

Kissila Souza é mãe do Ravi, também de 4 anos. Ela conta que tem visto seu filho avançar muito, mas sente falta de mais suporte do município.

“Ele entrou na Apape com 1 ano, sem andar e sem falar. Hoje, já desenvolveu bastante nos dois sentidos. Sinto falta de mais eventos assim, para que as crianças atípicas possam interagir melhor e se adaptar na sociedade. Ele estuda em uma escola da rede pública. Tem cuidadores, mas não tem mediadores. Seria importante que tivesse. Mas é uma realidade difícil. Temos que solicitar e passar por todo um processo burocrático”, relata.

Foto: Silvana Rust

Paula Sales é mãe da Bianca, de 3 anos. Ela detalha que no percurso de luta diária com a filha enfrentou várias dificuldades na rede pública.

“Entre os seis e os nove meses ela parou de interagir, não olhava nos olhos. Comecei a investigar, precisei trocar três vezes de pediatra na rede pública, até ter o diagnóstico, quando ela estava com 11 meses. Com encaminhamentos em mãos, não consegui vaga na rede para neuropediatra, otorrino, entre outras especialidades. Com 1 ano, ela entrou na Apape. A terapia foi um divisor de águas e hoje sabemos que ela é uma autista com QI elevado. Forma palavras, conhece formas geométricas, lê em inglês e espanhol”, comenta.

Foto: Silvana Rust

Michele Quitete é mãe do Luiz Miguel, de 6 anos, autista nível 2 de suporte. Ela conta que percebeu os primeiros sinais de autismo quando ele tinha 6 meses de vida.

“Ao amamentar, ele não olhava nos meus olhos. Outro sinal, foram os flaps com as mãozinhas. Foi chegando o primeiro aniversário, ele não fez o 1 aninho com o dedinho, como é normal nessa idade. Começou a andar e andava muito nas pontas dos pés e fazia flaps com as mãos. Não falou as primeiras palavras no tempo ‘ideal’, e isso foi chamando cada vez mais minha atenção para o autismo. Quando ele fez 1 ano e 6 meses, o levei na neuropediatra e já começamos as terapias e ela pediu que voltássemos quando ele tivesse 2 anos. Retornando, fechamos o diagnóstico”, conta.

Foto: Arquivo Pessoal

Ela complementa ainda, falando sobre a rotina que tem hoje com Luiz Miguel, da importância de ter o suporte da mediação na escola onde ele estuda, e finaliza apontando seus maiores desafios na rotina diária:

“Temos uma rotina puxada devido às terapias. Ele faz Terapia Ocupacional, Psicóloga, Fonoaudióloga, Psicopedagoga, Psicomotricidade e Equoterapia, durante toda a semana. Também pratica esporte: Natação e Takewondo. Estuda à tarde em uma escola particular, onde com muito esforço consegui uma mediadora para ele, que é de suma importância na vida de uma criança atípica. Assim, ele consegue ser incluído na turma e participar de todas as atividades, tendo alguém que o oriente mais de perto, respeitando as suas necessidades e promovendo a inclusão. O nosso maior desafio é a inclusão, o que é muito lindo nas redes sociais, mais no dia a dia não acontece”, completa.

Posicionamento da Prefeitura


Segundo a Prefeitura, em 2025 a Secretaria de Educação já convocou cerca de 470 mediadores por meio de processo seletivo simplificado. Segundo o secretário Marcelo Feres, esses profissionais estão em fase de exames admissionais e estão sendo encaminhados para as unidades escolares. 

Feres acrescentou ainda que em 2022 foi criada a Escola de Aprendizagem Inclusiva, onde é oferecido reforço escolar para crianças típicas e atípicas, incluindo os autistas. Por fim, ele afirmou que foram adquiridas vans escolares adaptadas e conjunto escolar adaptado para utilização dos alunos com necessidades educacionais especiais. 

Já a subsecretária de Ciência e Tecnologia, Tânia Alberto, destacou que, em 2023 e 2024, 44 escolas municipais receberam recursos no valor total de R$ 904 mil, do Programa Sala de Recursos Multifuncionais. A iniciativa aconteceu por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 

Foto: Silvana Rust

J3News reconhecido na Câmara pelo engajamento
Na abertura dos trabalhos da Câmara Municipal neste ano, no dia 18 de fevereiro, o vereador Leon Gomes  apresentou como a sua primeira indicação na Casa de Leis uma moção de aplausos ao J3News, com destaque para o programa Manhã J3, pela atuação e o engajamento na pauta da inclusão da pessoa com deficiência.

“Dentre tantos veículos de comunicação na nossa cidade, o grupo J3News tem sido o único a abrir espaço para debater o assunto de verdade. Não está preocupado somente com audiência, mas também em dar voz a inúmeras famílias atípicas. Pela primeira vez de fato, no interior do Estado, existe uma emissora que está comprometida a dar voz a quem por muito tempo esteve calado”, declarou Leon, destacando a apresentadora Gabriela Lessa e o diretor do J3, Fábio Paes, pelos serviços prestados.

Foto: Silvana Rust

O papel da sociedade
Psicóloga, psicopedagoga e neuropsicóloga, Jéssyka Gomes é especialista no assunto e chama atenção para a importância da sociedade ter mais conhecimento sobre a neurodiversidade, para que assim a inclusão possa acontecer nos mais diversos espaços.

Foto: Arquivo Pessoal

“O autismo é um universo vasto e único. Cada pessoa com TEA tem suas próprias cores, formas de sentir o mundo, comunicar-se e se relacionar. Conscientizar-se sobre o autismo é entender que não há um único jeito de existir no mundo. Cada criança tem sua própria forma de brilhar, e nosso papel é ajudar todas a encontrar esse brilho”.

A importância do papel da sociedade foi destacada também neste início de mês pela página “Dois Filhos Autista”, dedicada à maternidade atípica.

“Abril nos lembra da importância da conscientização sobre o autismo, mas a inclusão verdadeira acontece todos os dias. O respeito não pode ser passageiro, e a empatia não pode ter prazo de validade. Pessoas autistas não precisam de aceitação. Eles precisam de oportunidades, acessibilidade e um mundo que compreenda suas singularidades”, enfatizou.