Uma missa celebrada na Igreja São Judas Tadeu, em Niterói, no início da noite do último sábado, 30 de novembro, marcou o primeiro ano do falecimento do empresário Renato Ribeiro Abreu. Católico fervoroso, a missa poderia ter sido celebrada na Igreja do Outeiro da Glória, no Rio, da qual era provedor, ou ainda na réplica da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, que ela construiu na Barra da Tijuca.
Mas a Igreja de São Judas Tadeu, na beira-mar de Icaraí, na quadra do edifício de sua família, pareceu o lugar mais adequado, o mesmo onde foi velado com missa de corpo presente. Um ano depois e a certeza de que Renato Ribeiro Abreu não está ausente, apenas parece adormecido no tempo.
Nascido em São Fidélis, fruto da união de Renan Perlingeiro Abreu com Lídia, Renato foi o segundo filho de uma prole de oito – Heloísa Helena (in memoriam), ele, Paulo Rogério (in memoriam), Manuel , Ângela , Renan Júnior, Lídia Beatriz e Aparecida Maria (in memoriam).
Para Renato, família era o alicerce de toda sua obra, tanto que o instituto família virou o Instituto IRLA- Instituto Renan & Lídia Abreu-, tendo como sede a casa onde todos foram criados, à beira do Rio Paraíba do Sul, em São Fidélis. Em 2011, Renato encadernou todos os fragmentos de momentos da família lançando o livro “A Casa do Norte”, convidando cada membro, incluindo todos os primos, para escrever um capítulo. Esse livro pode ser resumido no escrito pela prima Maria Abreu do Valle, que conta que na infância todos brigavam, mas que na Casa do Norte, após as brigas, era obrigatória a reconciliação imediata. O ficar “de mal” não poderia durar mais 10 minutos.
Vendendo seu peixe
Na infância, em São Fidélis, Renato gostava de passarinhos e de peixes. Aos 7 anos seu espírito empreendedor já se revelava com a venda dos peixes que pescava no Paraíba, engordando a mesada que recebia de seus país.
Deixou São Fidélis para estudar no Instituto Abel, em Niterói, tendo feito o mesmo Lurdinha Maia, sua então namorada fidelense. Foram o primeiro e único amor um do outro. Renato atravessou a ponte para cursar engenharia civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enquanto Lurdinha foi estudar medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se especializando em dermatologia. A surrada frase de que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher não cabe neste contexto. Lurdinha ficava ao lado. Fizeram Bodas de Ouro, em uma cerimônia íntima poucos dias antes de Renato partir – ele morreu na UTI do hospital Sírio- Libanês, em São Paulo, onde faria uma cirurgia na coluna.
Renato e Lurdinha tiveram uma única filha, Cristiane, que, como o pai, se fez engenheira. Casou-se também com um engenheiro, Paulo Massa. Deram dois netos a Renato e Lurdinha: Ana Paula Abreu Massa, já advogada, e Renato Abreu Neto, cursando engenharia como fizeram seus pais e o avô que lhe dá nome.
Renato deixou São Fidélis sem saber que um dia se tornaria um dos maiores empresários do país. Aí entra na história o engenheiro Mário Aurélio Cunha Pinto. Os dois trabalharam juntos na multinacional GE, que quando encerrou as atividades no país, passou para os então jovens engenheiros, o seu acervo de negócios por julgar merecedores. Os dois criam então o Grupo MPE, com um conceito de soluções em engenharia.
Nos anos de 1990, Renato e Mário foram capa da revista “Isto É”, em reportagem que citou o Grupo MPE como um dos 200 maiores grupos empresariais do país. Se os homens morrem e deixam suas obras, Renato e Mário deixaram centenas, entre elas no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, usinas nucleares em Angra do Reis, linhas de metrô nas principais cidades brasileiras, aeroportos e outros mil negócios.
A virada do milênio se aproximava e o Grupo MPE decidiu se diversificar, investindo no agronegócio com plantio de soja no Mato Grosso, criação de gado e suínos, além de fazendas marinhas na Bahia. Para ilustrar a influência de Renato no agronegócio, na festa dos seus 70 anos, na Fazenda da Pedra, em São Fidélis, estava entre seus convidados o maior plantador de soja do Brasil, Iraí Maggi.
Naquela festa também estava um médico, protagonista de uma das mais fantásticas histórias de Renato Abreu. Ele, nos anos de 1990, embarcou em um táxi no Rio. Ao sentar-se no banco de trás do carro, percebeu livros empilhados. Como marido de médica, notou que eram livros de medicina.
– Amigo, algum passageiro esqueceu livros aqui e deve ser um estudante de medicina – disse Renato para o motorista.
– O senhor me desculpe. Esses livros são do meu filho, que começou a cursar medicina e tenho que dirigir muito para pagar a faculdade – disse o motorista,
Renato tira um cartão de visitas do bolso, entrega ao motorista e pede para que o filho o procurasse. Renato custeou todas as despesas do curso até a formatura.
Essa festa de 70 anos, ao som de Martinho da Vila, só não foi perfeita porque Mário Aurélio já era saudade. Sua alma gêmea no mundo dos negócios morreu em 2010, vítima de enfarte. Um detalhe: em 30 de novembro, mesmo dia que Renato se despediu da vida, aos 76 anos.
Voltando para casa
Renato Abreu nasceu para voar – tinha um jatinho e um helicóptero- , mas nunca esqueceu que um bom plano de voo precisa decolar do chão e, desta forma, nunca esqueceu suas raízes em São Fidélis, a eterna da Casa do Norte.
Nos anos de 1990, ele desembarca no aeroporto de Campos e compra de Rubens Venâncio a fazenda Unidas do Sertão, que chegou a ter como hóspede o presidente da República Emílio Garrastazu Médici. Essa fazenda fica entre Campos e São Fidélis. Em seguida, inaugurou, também em São Fidélis, a fábrica de Suco Bella Joana e comprou a joia da coroa, a fazenda da Pedra, que hospedou Dom Pedro II em sua visita a São Fidélis.
Ainda em São Fidélis comprou o que sobrou da Usina de Pureza, onde está sendo construído um museu e um teatro. O museu contará a história do ciclo áureo do açúcar e o teatro será voltado para a Música Popular Brasileira. Terá anexo ao maior acervo de MPB do país, comprado por ele do professor e pesquisador Ricardo Cravo Albim.
Renato adorava música. Produziu artistas como Zélia Duncan e tantos outros. Fez coletânea de luxo da obra de Dorival Caymmi, entre mil outras ações na área das artes, chegando a receber uma justa homenagem em noite de gala no Theatro Municipal do Rio, como empreendedor cultural. Na Fazenda da Pedra, levou Sérgio Reis e Renato Teixeira para cantar, assim como também o MPB-4 e vários outros artistas.
Dias antes de partir, pediu ao seu amigo inseparável em São Fidélis, João Barroco, para levar até ele, o violeiro Saliano para tocar “Boate Azul”, sua canção preferida.
Negócios em todas as áreas
Voltando aos investimentos, Renato comprou o parque fabril da usina Sapucaia, em Campos e em parceria com Frederico Paes, da Coagro, a transformando em uma das maiores usinas de açúcar e etanol do país.
Com Renato existia sempre um vinho a caminho. Sua bebida preferida, tanto que decidiu montar sua própria vinícola, sem objetivar lucro ou ostentação. Encravada em um vale, em São Fidélis, a vinícola, tendo em anexo uma queijaria, era para fazer um brinde à vida. Não era sobre rótulos ou rolhas, embora a Vinícola Joana D´Arc esteja na sua terceira safra. Em 2025 será feita uma degustação em data especial em homenagem a Renato Abreu.
É preciso de muito tempo e espaço para contar da vida de Renato. Talvez o tempo e o espaço, assim como a régua e o compasso, definam essa engenharia de saudade, o vácuo sempre preenchido por ele.
Sobre São Fidélis, cabe bem a letra da clássica canção “Sabiá”, para definir o menino que soube vender seu peixe. O menino que gostava de passarinhos – “Vou voltar… sei que ainda vou voltar e sentar à sombra de uma palmeira…”.
E ele voltou antes de ir, ou de certa forma continua aqui, como fica clara em outra canção que ele adorava: “Não aprendi dizer adeus”, cantada por violeiros em sua despedida. Renato dizia que muitas vezes o tamanho do homem pode ser medido pelo número de amigos em seu adeus e, naquele 30 de novembro de 2023, o Parque da Colina, em Niterói, onde foi sepultado, ficou pequeno para tanta gente.