Em Campos, a campanha “Julho Verde” que aborda a prevenção e combate ao câncer de cabeça e pescoço, é avaliada pelo médico-cirurgião Raphael Sepulcri, como oportuna e eficaz. Integrante das equipes do IMNE. Hospital Dr.Beda, OncoBeda e Beda Prime, divulga informações sobre a doença que deve afetar 40 mil pessoas no Brasil de 2023 a 2025. Nesta entrevista, ele detalha ações capazes de evitar esse tipo de câncer, além de abordar o uso da cirurgia robótica em procedimentos pioneiros na cidade e no interior do Rio de Janeiro.
O cirurgião Raphael Sepulcri estudou Medicina em Teresópolis, onde nasceu. É pós-graduado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca); foi professor da Universidade de Federal em São João Del Rey (MG), atuou em Itaperuna (RJ), e, nos últimos oito anos vive e trabalha em Campos dos Goytacazes.
Como o senhor avalia a campanha desenvolvida pelo Hospital Dr.Beda e ações em Campos durante o período?
Para nós, o Julho Verde é o ano inteiro. A gente não trabalha mais, atende mais pacientes ou faz menos ou mais cirurgia por causa do Julho Verde. É o mês de conscientização e combate para trazer nesse mês mais informações. A Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço considera que a falta de informação também é um fator de risco. Não levar informação é um fator de risco para qualquer tipo de câncer.
O que destacaria?
A gente fez palestra aqui para funcionários com as principais informações; os fatores de risco desse tipo de câncer; o que pode gerar esse tipo de câncer; os principais sinais e sintomas; o tratamento; a importância da equipe multidisciplinar nesse tipo de câncer.
A gente pretende fazer um evento com a Prefeitura. É adequado fazer uma capacitação para os profissionais, principalmente dentistas e os médicos da área da atenção primária em postos de saúde; capacitá-los para eles tentarem identificar casos da doença, para que os pacientes possam chegar mais cedo aos tratamentos. Quanto mais cedo chegar ao diagnóstico precoce, maior a chance de cura.
Por que esses profissionais precisam estar atentos em relação esses exames preventivos ou preliminares?
Quem está na atenção primária, ou seja, todo mundo de posto de saúde ou unidades básicas de família deveriam saber e conseguir identificar (sintomas do câncer de cabeça e pescoço), principalmente o dentista porque está sempre examinando a boca do paciente. Fiz um trabalho quando morava em Divinópolis, pela Universidade Federal de São João Del Rey, para compreender onde a identificação da doença atrasa, onde o paciente mais perde tempo. A maioria dos pacientes chega com alguma doença muito avançada.
Tentamos ver o paciente do primeiro sintoma até ele procurar um médico, se era isso que atrasa; o tempo que ele chegou ao médico; se foi passado um antibiótico; se o médico não identificou que era um câncer, achou que fosse uma infecção; se um profissional dentista fez o mesmo. Constatamos que quem está atendendo na frente, quem poderia fazer esse diagnóstico, não está sabendo. Então a intenção é que esses pacientes cheguem cada vez mais cedo para que a gente tenha uma maior chance de cura.
O que as pessoas leigas e profissionais precisam ficar atentos? O que deve despertar o sinal de alerta?
Bom, primeiro o profissional que está atendendo tem que colher a história do paciente. Esses cânceres acontecem primeiro pelo tabagismo. É um fator de risco principal. Aquele paciente que fuma muito, 20, 30 anos; um, dois ou três maços; já atendi gente que fuma quatro maços, por exemplo. O segundo fator principal é o etilismo. Paciente que fuma, geralmente consome bebida alcoólica. Quando se junta os dois, aumenta em 100 vezes a chance de ter um câncer de cabeça.
Hoje em dia, é muito frequente pegar paciente com tumor de orofaringe, uma localização pelo vírus HPV. Isto é um outro fator de risco. Se já teve alguma doença relacionada ao vírus HPV, e, aí, vêm os sinais e sintomas. Geralmente, é uma ferida na boca ou na garganta que depois de 15 dias não melhora.
Paciente que tem essa história de abuso dessa substância (cigarro e álcool) e está com uma ferida que não melhora é um sinal. Por exemplo, uma afta não dura 15 dias. Pode ocasionar uma afta e com sete dez dias aquilo estar resolvido. Passou desse tempo, a gente tem que suspeitar.
Paciente que muda a voz; o tom de voz; uma rouquidão há mais de 15 dias ou um mês, é um outro fator de risco. O paciente precisa ser examinado se aparece com caroço no pescoço; com perda de peso; dor e dificuldade para engolir; tudo isso são sinais e sintomas que podem fazer a gente suspeitar que o paciente tenha esse tipo de câncer.
A transmissão do vírus HPV pode ser evitada de que maneira?
Nesse caso é por via sexual. Há recomendação da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP) para o uso de preservativo em práticas de sexo oral. É o mesmo vírus que vai dar o câncer de colo que é por via sexual; câncer de pênis pela mesma via; na garganta, por causa do sexo oral.
Quando os pacientes precisam de tratamentos e quais são os recomendados?
A grande maioria dos pacientes, quando eles chegarem no estágio inicial, eles podem fazer cirurgia ou radioterapia. Só que a maioria, mais de 70% ou 80% dos pacientes chegam em estágios avançados, o que a gente diz estágios 3 e 4. Geralmente, eles passam por uma cirurgia e, depois, complementam com radioterapia; algumas vezes, rádio e quimioterapia. Alguns chegam com a doença tão avançada que não dá nem para operar. Eles vão para rádio e quimioterapia. As modalidades podem ser uma ou podem ser todas combinadas. Depende do estágio e do local para determinar.
Quais são as chances de sobrevivência e manutenção da qualidade de vida do paciente?
Se ele chegar no estágio 1, são 90% de chance de cura. Agora, se chega no estágio 4, geralmente é menos de 50%. A gente está falando em cinco anos. Quem chegar no estágio 4, mais da metade desses pacientes vai morrer por causa do câncer de cabeça e pescoço. No estágio 2, são 70% de cura; estágio 3, por volta de 60% e 70%, depende muito da localização do câncer.
Depende de quê?
Quando você fala câncer de pulmão, sabe que está no pulmão. Câncer de mama é na mama. A gente fala câncer de cabeça e pescoço, e isso engloba língua, garganta, laringe. Pode estar em vários locais ao mesmo tempo. É diferente do câncer de mama, câncer de próstata, câncer de pulmão. Em cabeça e pescoço, pode estar em vários sítios. Por exemplo, na língua o câncer é pior. Na orofaringe, onde está a amígdala, essa região tem um prognóstico pior do que se for na laringe, nas cordas locais. Isso também determina.
Existe uma estatística ou estimativa de quantas pessoas podem ser acometidas pelo câncer de cabeça e pescoço?
O Instituto Nacional de Câncer prevê no triênio de 2023, 24 e 25 em torno de 40 mil novos casos em todo o Brasil. Eu não consigo te estimar quantos a gente faz por ano aqui em Campos. Temos a realidade de chegar paciente cada vez mais avançado com a doença. Nesta região do Estado do Rio de Janeiro, há mais de um milhão de habitantes. Muitos vêm para a nossa unidade porque só aqui está atendendo. Há cada vez mais serviços de SUS de cabeça e pescoço em todo o Brasil. A tendência é cada vez ter mais volume aqui do serviço em Campos, no convênio SUS e o OncoBeda.
Há alguma diferença de casos de câncer e cabeça e pescoço na rede pública e privada?
Tem. A diferença sociocultural é muito grande. É muito raro a gente tratar esse tipo de câncer no privado. O que a gente tem de câncer cabeça e pescoço no privado é câncer de pele; muito câncer de tireóide e, às vezes, de parótida, que é uma glândula salivar. Não vou dizer que é só o abuso de substâncias (álcool e cigarro), mas do estilo de vida. Tem a ver com as condições socioeconômicas do paciente. Para uns, a higiene bucal é um fator secundário que ajuda também na gênese desse tipo de tumor; uso de cigarro de pior qualidade ou sem filtro, por exemplo.
Quais são suas atividades no IMNE, Hospital Dr.Beda, OncoBeda e Beda Prime?
Trabalho no ambulatório duas vezes por semana. Atendo cerca de 40 a 50 pacientes; quem vem para primeira consulta; que vai tratar e que já foi tratado também para controle. A gente faz ultrassom desses pacientes. Há dois dias para cirurgias, além de visitas em quartos e enfermarias para avaliação de pacientes internados.
Para cirurgia desse tipo de câncer, o Hospital Dr.Beda, em Campos, dispõe de um robô. O que pode destacar sobre isso?
Na unidade, a gente tem o robô usado no primeiro procedimento do interior do Rio de Janeiro para tratar um câncer de base de língua por via robótica. Este é um dos primeiros casos no interior do Brasil, segundo eu pesquisei. Outras cidades do interior como Camboriú (SC) e Santos (SP) fizeram esse tipo procedimento. Assim, Campos dos Goytacazes está entre as pioneiras no Brasi,l também.
Explique mais sobre esse pioneirismo e a técnica robótica, se comparada a uma cirurgia convencional.
A principal vantagem é ocasionar menos dano ao paciente. É uma cirurgia que é muito menos mórbida. A recuperação é bem mais rápida para o paciente. Para se ter uma idéia, para eu operar um tumor da base da língua, eu tinha que abrir a mandíbula, cortar esse osso para abrir para chegar lá. Hoje, o robô me dá a visão por dentro da boca. Então, eu já diminuo muito a morbidade para o paciente em recuperação. Ele volta mais rápido a comer e a falar.
O que pode falar desse primeiro caso e como foi esse procedimento com a cirurgia robótica?
É uma paciente do sexo feminino, de 60 anos, ex-tabagista. Tinha tratado primeiramente esse tumor com radioterapia, só que ele não sumiu totalmente. Ficou ainda uma parte do tumor. Aí, a gente fez essa retirada por via robótica, tirou toda a lesão de segurança. A paciente teve alta dois dias depois do procedimento. Hoje, ela já está comendo, falando com menos de um mês. Não precisou usar sonda para se alimentar; geralmente, precisa usar sonda ou traqueostomia, mas com a cirurgia robótica, a gente poupou a paciente disso tudo. Ela está sem evidência de doença.
Como é que o senhor avalia a questão de técnica além da robótica?
Bom, na área de cabeça e pescoço a gente tem tudo em tecnologia na especialidade aqui no hospital. Além do robô, a gente pode fazer ablação de nódulo tireoidiano, com uma agulha especial em que se evita uma cirurgia da tireóide. Literalmente, a agulha vai queimando o nódulo. Então, evita que corte o paciente, que tire uma glândula, que precise repor hormônio; evita que o paciente ganhe uma cicatriz. Esse tipo de tratamento geralmente faz para nódulos benignos, mas pode ser usado para câncer de tireóide também. O câncer de até um centímetro a gente tem como tratar também com essa tecnologia. E o resto é a maneira convencional que a gente sempre tratou: cirurgia, radioterapia e quimioterapia.
O que o senhor gostaria de acrescentar em relação à prevenção do câncer e às atividades do IMNE em Campos?
Quando a gente fala de câncer, a principal estratégia é conseguir prevenir; levar essas informações nos primeiros sinais e sintomas dos fatores de risco. Se a gente conseguir prevenir, nem vai precisar chegar a tratar. Por isso que as campanhas são tão importantes. Nós somos o único serviço na região Norte Fluminense que atende esse tipo de paciente. Há três unidades aqui na cidade que são Unacons e tratam o câncer pelo SUS. Mas só a nossa tem essa especialidade. O Grupo IMNE sempre deu todo o apoio em tudo que a gente precisou.