Da nova geração de advogados, o escritório Ciro Freitas, que leva seu nome, tem se notabilizado em uma área essencial na vida em sociedade que é o Direito das Famílias e Sucessões, com demandas cada vez mais freqüentes e crescentes. Formado pela tradicional Faculdade de Direito de Campos (FDC), Ciro Freitas, nesta entrevista, discorre sobre as ferramentas que podem ser utilizadas para evitar problemas na sucessão patrimonial, o que ele define como planejamento sucessório. O escritório também é especializado em outro segmento muito em voga nos dias de hoje que é o chamado Divórcio Humanizado, onde o objetivo é desenvolver uma escuta ativa e apta a atender os clientes que enfrentam o luto do fim do casamento. Em suma, a proposta é tornar esse momento de tensão e grande desgaste emocional, menos técnico e mais humano, partindo da premissa da interdisciplinaridade, contando com o auxílio de outros profissionais, como psicólogos, por exemplo.
O senhor é especializado em Direito das Famílias e Sucessões, uma área que tem sido bastante demandada. Ao que o senhor atribui essa procura?
O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman em sua obra “Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos” afirma que até mesmo a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de extrema descartabilidade. Essas relações liquidas são potencialmente frágeis e, de igual modo, descartáveis. Por essa razão, a busca por profissionais especializados em Direito das Famílias e Sucessões tem crescido, não somente entre aqueles que desejam o divórcio, como também entre os que buscam meios de dirimir potenciais danos futuros e optam pelo planejamento matrimonial, o que também ocorre quando o assunto “morte” entra em pauta e surge a questão: aguardá-la chegar ou preparar-se para ela? Será que vale a pena proteger minha família de um futuro inventário interminável? São questões que tem uma resposta simples e objetiva: planejamento sucessório.
Na questão da sucessão, principalmente no que se refere ao patrimônio, o senhor defende uma ação de prevenção, ou seja, uma orientação para evitar ações judiciais futuras. Como isso funciona?
A lentidão do judiciário brasileiro é de conhecimento de toda sociedade, e os processos que envolvem questões de famílias e sucessões carregam consigo uma carga emocional muito intensa, o que acaba tornando uma simples espera em algo extremamente desgastante. Sendo assim, a melhor alternativa é a solução mais efetiva e rápida possível, principalmente diante da maior dor que sofreremos na vida: a perda de um ente querido. E a alternativa é o planejamento sucessório, que em linhas gerais, é um conjunto de estratégias que organiza a transmissão patrimonial. Tudo isso é realizado em vida e evita uma série de conflitos.
Nesta área da sucessão, que se comunica também com a questão do Direito das Famílias, existem pessoas que herdam patrimônios, sem saber que estão herdando problemas, por falta de uma programação. Isso é fato?
Sem dúvidas. Não são poucos os exemplos de situações em que heranças se tornam verdadeiros cavalos de troia. E toda essa problemática tem sua origem na falta de planejamento. E quando o assunto é morte, o brasileiro não trata com naturalidade. Existe um misticismo de que falar a respeito da morte “atrai o azar” e, por essa razão, não temos o hábito de contratar seguro de vida, assim como, ainda, não praticamos em escala significativa a doação de órgãos para serem utilizados após a morte, e da mesma forma não priorizamos a organização patrimonial, o que acaba gerando muitos prejuízos.
Como se faz esse planejamento neste processo de sucessão, no sentido de dar sequência ao patrimônio familiar?
Antes de qualquer coisa, é importante destacar que o planejamento precisa ser elaborado por um profissional especializado. O planejamento sucessório, na prática, se inicia com uma série de estudos prévios que serão realizados com o intuito de conhecer a realidade e a saúde do patrimônio, possíveis dívidas, etc. A partir daí, e considerando o interesse do cliente, começa a fase de elaboração do planejamento e definição das ferramentas que serão utilizadas. Com o planejamento estruturado, encaminha-se para a execução e finalização.
É inevitável essa pergunta. Campos, o maior município em extensão territorial do estado, tem um histórico de inventários e partilhas de patrimônios rurais bem, digamos assim, travados, e que se arrastam por décadas. É neste contexto que se antecipar ao problema é essencial?
Exato. Existem muitos casos de inventários intermináveis, onde o patrimônio envolvido é dilapidado. Alguns acreditam que não há problemas em buscar autorização de venda de determinado imóvel do espólio, o que é possível ocorrer, mas, causa prejuízo e desvalorização. Já percebeu como acontecem as negociações de imóveis com pendências? A dilapidação está ali. A perda evidente de dinheiro, como resultado da falta de planejamento. Quem não se planeja já está em prejuízo.
O senhor é presidente da Comissão do Direito das Famílias e das Sucessões da 12ª Subseção da OAB/RJ e vice-presidente do núcleo Norte e Noroeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) – e pode avaliar o crescimento deste segmento do Direito no país. A cultura do brasileiro está mudando, se antecipando aos problemas dos intermináveis inventários?
Existe no Brasil o que chamo de “cultura do inventário”, que é nitidamente percebida no hábito de deixar tudo para última hora e pela falta de planejamento. Essa cultura foi profundamente abalada nos últimos anos, principalmente pós-pandemia, quando a morte se tornou frequente e inevitável. Ali, diante daquele caos universal, percebeu-se que não dá para permanecer cultivando uma cultura que multiplica processos judiciais infindáveis, congestiona o judiciário e não é resolutiva. O planejamento sucessório é a contracultura. Uma proposta de solução prática, inteligente e econômica.
Pelo que se falou até aqui, Campos com esse perfil do agronegócio é um grande laboratório para essa área do Direito. Mas em questões de sucessão empresarial, o mesmo se aplica?
A sucessão empresarial é um grande desafio, principalmente para empresas familiares. E, respondendo a sua pergunta, o planejamento se aplica e é extremamente eficiente nesses casos. Uma das ferramentas muito utilizadas no contexto empresarial é a holding, que é essencialmente uma sociedade que tem como objeto social a participação em outras empresas/sociedades. Entretanto, a criação da holding como instrumento de planejamento sucessório deve ser avaliada caso a caso. A realidade dos interessados deve ser considerada para definir se esse instrumento será mesmo o mais adequado. Pelo menos em dois casos principais, a criação da holding familiar, representará vantagens, seja pelos ganhos tributários ou pela organização administrativa:
1) Famílias com grande quantidade de bens ou com bens de grandes valores; e
2) Grupos Familiares detentores de diversas empresas.
É importante esclarecer que existem outras ferramentas utilizadas no planejamento sucessório, como por exemplo: o testamento e a doação.
O senhor falou em ferramentas de planejamento para esses casos, como testamento e doações. Existem outras que possam ser aplicadas?
O planejamento sucessório, nada mais é do que um conjunto de ferramentas que, inclusive, podem ser utilizadas de forma concomitante. São ferramentas do planejamento: testamento, doação, partilha em vida, seguro de vida e previdência privada e holding familiar. Ainda existem as ferramentas utilizadas para planejar questões meramente existenciais, como por exemplo: diretivas antecipadas de vontade, deliberações sobre o funeral e destinação de cadáver, herança digital e autocuratela.
Existe uma coisa interessante, que se aplica na área urbana e também rural, que são impostos sobre esse patrimônio, que muitas vezes são verdadeiras caixas-pretas. O planejamento evita surpresas?
Quem planeja antecipa e resolve possíveis problemas. Entretanto, é necessário esclarecer que a “blindagem patrimonial” que alguns buscam é utópica. No Brasil é impossível fugir dos impostos, mas é absolutamente possível pagar menos e garantir uma considerável economia, que não é a realidade de quem vive a “cultura do inventário”.
Seu escritório também tem se notabilizado pelo chamado Divórcio Humanizado. O senhor poderia falar sobre isso?
O luto é minha matéria prima, e é originado seja a partir do fim da relação via divórcio ou pela morte. No caso do divórcio humanizado é preciso, antes de qualquer coisa, desenvolver uma escuta ativa e capaz de captar questões que vão além da necessidade jurídica, e caminham de mãos dadas com a interdisciplinaridade e participação de profissionais da psicologia, por exemplo, ao longo de todo processo. E aqui, é importante diferenciar o psicólogo que atua no processo judicial como assistente técnico e aquele que acompanha o cliente, com o devido tratamento terapêutico, durante o processo judicial. Indico e recomendo o tratamento terapêutico a todos os clientes, pois entendo ser extremamente necessário para lidar com o luto.