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Doutor em Física – Marcelo Souza

Um astro na prática de ciência Currículo do físico o credenciou a participar da equipe de transição de governo

Entrevista
Por Aloysio Balbi
17 de julho de 2023 - 5h01

Marcelo Souza é graduado em Bacharelado em Física pela Universidade Federal Fluminense e em Licenciatura em Física pela Universidade Federal Fluminense. Possui mestrado em Física pela Universidade Federal Fluminense e doutorado em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É um currículo e tanto e, por isso, foi credenciado, por exemplo, a participar da equipe de transição dos governos Bolsonaro/Lula na área de educação. Atualmente é professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro e Coordenador Geral do Clube de Astronomia Louis Cruls.

Dentre as coordenações às quais está à frente estão a coordenação, no Brasil, da entidade internacional Astrônomos sem Fronteiras (Astronomers Without Borders), também é coordenador do programa UNAWE no Brasil, sendo ainda diretor no Brasil do Charlie Bates Solar Astronomy Project. Além disso, Marcelo coordena a Ópera Mundial da Ciência no Brasil, o Projeto da ESA Missão X e o projeto Jovens Astros do Amanhã que é apoiado e financiado pelo Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro mediante acordo de patrocínio viabilizado. O físico está, ainda, como editor chefe da revista global Sky’s Up e Diretor do DarkSky Chapter no Rio de Janeiro, primeiro do Brasil. Nessa entrevista, Marcelo fala, dentre tantas atuações, sobre o Clube de astronomia de Campos.

Como nasceu o clube de astronomia de Campos?
Em março de 1994 fui convidado pelo professor Eugenio Lerner para trabalhar na UENF. Nesta época já desenvolvia atividades de ensino e popularização da Astronomia como um dos fundadores de um Clube de Astronomia em Niterói, o Clube de Astronomia Mario Schenberg. Em dezembro de 1995 realizamos um grande evento no Museu Histórico de Campos dos Goytacazes e na Praça São Salvador. Como resultado deste evento houve um grande interesse na continuidade da realização de atividades de Astronomia aqui na cidade. Após a realização de mais algumas atividades, no dia 26 de maio de 1996 foi fundado o Clube de Astronomia de Campos dos Goytacazes, um grupo de serviço voluntário sem fins lucrativos. Nos primeiros anos realizávamos reuniões nos finais de semana, na UENF. Poucos anos depois iniciamos uma parceria com o Cefet, hoje IFF. Tivemos contato com o professor Oswaldo Bellei que realizava projetos de Astronomia, com destaque para a observação do cometa Halley em 1986. Com nosso telescópio e um telescópio cedido pelo Cefet começamos a realizar atividades em praças públicas da região.

De lá para cá, quantos jovens passaram pelo Clube?
Começamos realizando eventos regionais, depois, eventos nacionais e desde 2008 realizamos, também, anualmente, um dos maiores eventos mundiais de ensino e popularização da Astronomia, o Encontro Internacional de Astronomia e Astronáutica. Coordenamos no Brasil diversos projetos e entidades internacionais. Já estiveram em Campos dos Goytacazes, sete astronautas: dois que pousaram na Lua, o Buzz Aldrin e o Charles Duke, dois cosmonautas russos, um astronauta da ESA, uma exploradora espacial, o astronauta brasileiro Marcos Pontes! Contamos com a participação em nossos eventos de mais de 180 pesquisadores e divulgadores científicos de 35 países do Mundo. Os eventos sempre são gratuitos e abertos para a participação de todos. O nosso grupo contou com grande apoio no governo da ex-prefeita Rosinha Garotinho no período que o professor Avelino Ferreira foi presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. Realizamos observações de eclipses com a participação de públicos gigantescos. Tivemos mais de 200 jovens como membros do clube.

Alguns destes jovens talentosos foram percebidos internacionalmente. Pode falar sobre isso?
Vários jovens estudantes daqui da cidade de Campos dos Goytacazes tiveram oportunidade de participar de visitas e cursos e capacitações no exterior, em Centros da NASA nos EUA, no Very Large Telescope do ESO no Chile, no Rádio Observatório de Green Banks nos EUA, no Observatório da Universidade de Tarleton nos EUA e na Universidade de Leiden, na Holanda. Temos parcerias com grupos de 25 países do mundo. Estudantes dos projetos Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Pro Jovem foram recepcionados oficialmente no Centro Espacial Kennedy da NASA na Flórida. Outro grupo de estudantes foi recepcionado oficialmente com um jantar com a presença de membros da equipe do Centro Espacial Johnson, da NASA, em Houston, e com a participação especial de um astronauta e do seu famoso diretor George Abbey.

O Clube também estreitou relações com a Nasa e outras entidades dos Estados Unidos. Como foi?
Nosso grupo, desde a sua fundação, tem se destacado pelo uso de novas tecnologias e da busca de realizar contatos com outros grupos e entidades com a utilização de e-mails e redes sociais. Fazemos isto desde 1996. Os modernos sistemas de comunicação nos ajudaram a rapidamente estabelecer contato com grupos internacionais e a participar de grupos internacionais. Coordenamos, no Brasil, durante anos o único concurso oficial da NASA que permitia a participação de estudantes de outros países, o Concurso Cientista por um Dia, e o projeto da NASA Missão X. Hoje, continuamos a coordenar no Brasil o projeto Missão X, mas agora, é coordenado pela Agência Espacial Europeia (ESA).

Você, agora, parte para um centro de observação em Santa Maria Madalena no projeto Dark Sky. Como isso vai funcionar?
Participamos da equipe, como responsáveis pela área de Astronomia, que coordenou o projeto que levou ao reconhecimento do Parque Estadual do Desengano (PED) como primeiro Dark Sky Park da América Latina. Como consequência de nosso esforço contínuo pela preservação do céu escuro, eu tive a satisfação de ser o primeiro brasileiro a ser premiado pela International Dark Sky Association (IDA) com o Dark Sky Defender Award. A razão de nosso envolvimento com o PED está associada ao contato que tive com duas pessoas amantes da ciência e da preservação do Céu Escuro: o Sr, Mário Vahia, proprietário da Pousada Verbicaro, e o inglês Sr. David Straker, já falecido. Com apoio de ambos realizamos em 2015 um evento na cidade de Santa Maria Madalena que acabou levando a um inimaginável desfecho alguns anos depois. Hoje o Dark Sky Park fez com que despertasse o interesse pelo Astroturismo nas Regiões Serrana, Norte e Noroeste Fluminense. Pela primeira vez uma representante da IDA esteve no Brasil, e somente aqui na região, em abril deste ano.

Muito se fala em uma espécie de planetário no litoral da região. Isso é um sonho próximo de ser realizado?
No momento ainda é um sonho. Tinha grande esperança que teríamos neste ano, um moderno planetário aqui na região, infelizmente há ainda uma grande incerteza. Continuo na torcida. Para colaborar com a realização deste sonho estou desenvolvendo um projeto inovador de um sistema moderno de projeção. Houve uma grande evolução e os complexos sistemas ópticos utilizados no passado como projetores de planetários estão sendo substituídos por sistemas modernos e mais simples com uma qualidade de projeção muito melhor. O primeiro planetário digital móvel desenvolvido no Brasil foi produzido por nosso grupo. Utilizamos este planetário durante muitos anos. Hoje em dia, um planetário digital é uma ferramenta pedagógica importante para diversas áreas da ciência.

Você acompanhou todos os eventos de queda de fragmentos de meteoros na região. Nossa região é fértil para esses acontecimentos?
Não há uma região preferencial na Terra para queda de meteoritos. O que ocorre é a maior parte da superfície terrestre é coberta por água ou são regiões com poucos habitantes. Assim a maior probabilidade é que as quedas ocorram nestas regiões. Todos os dias uma grande quantidade de meteoroides cruza a órbita da Terra. A maior parte destes objetos é muito pequena e são destruídos no contato com a atmosfera. Os maiores não são totalmente destruídos e, uma parte deles, consegue chegar ao solo. Os meteoritos são os resquícios destes meteoroides ou asteroides (corpos maiores) que chegam ao solo. Estima-se que, por dia, ocorrem de 10 a 50 quedas de meteoritos. A probabilidade de caírem em um local habitado é pequena, mas ocorre. O caso mais notório aqui na região foi a queda de meteoritos ocorrida no município de Varre-Sai.

A partir do Clube você percebe que os estudantes, as crianças passaram a fazer uma nova leitura da ciência?
A observação da Lua, do planeta Saturno, do planeta Júpiter, com auxílio de um telescópio é uma experiência que pode mudar a vida das pessoas. Incontáveis vezes eu vi expressões de completo maravilhamento. É algo inexplicável. Quem já teve a oportunidade de observar o firmamento com auxílio de um binóculo ou telescópio sabe o que estou dizendo. É um momento muito especial. A Astronomia é uma das áreas da ciência que desperta mais interesse na população em geral, e de modo mais intenso nas crianças e nos jovens. É a porta de entrada para despertar na juventude o interesse pela Ciência. Vários países no Mundo, como os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Índia, o Japão, a Alemanha, a França, e outros, têm as suas agências espaciais como referências para a popularização da Ciência. Eu considero muito importante a existência de Clubes de Astronomia e de Clubes de Ciências nas escolas e nas comunidades. Vivemos um momento em que vários paradigmas estão sendo fortemente questionados. É necessário buscar novos caminhos para atrair o interesse dos jovens pela ciência, que é a mais poderosa ferramenta desenvolvida pela humanidade em poucos milhares de anos de existência.

Você esteve remotamente na transição dos governos Bolsonaro/Lula na área da ciência. Como foi participar disso?
Foi uma grande satisfação ter participado de um dos grupos criados para auxiliar as equipes que participaram da transição. No grupo que participei de divulgação científica, havia pessoas de todas as regiões do Brasil. Para mim foi uma ótima experiência que me permitiu conhecer o que está sendo realizado por diversos grupos e também apresentar o que fazemos. Novas portas se abriram. Foi possível conhecer distintas opiniões sobre questões atuais que afligem a todos nós. As Universidades precisam mudar seus paradigmas. Os seus campi estão se esvaziando. O ensino à distância é uma realidade. Os cursos semipresenciais são as escolhas dos estudantes. É necessário considerar uma proposta pedagógica moderna que inclua o uso dos novos recursos tecnológicos. Em minha opinião, finalmente, teremos por necessidade mudanças nas estruturas ainda arcaicas dos cursos de graduação. Devemos retornar a ter debates sobre grandes temas contemporâneos no ambiente universitário.