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Ambientalista Aristides Sofiatti analisa garimpo de ouro clandestino e outros danos ao Rio Paraíba

Aristides Sofiatti: "Do ponto de vista social, a mineração de ouro geralmente está associada à ilegalidade"

Entrevista
Por Ocinei Trindade
2 de dezembro de 2021 - 10h34

O professor e ambientalista Aristides Sofiatti acompanha há décadas a degradação do Rio Paraíba do Sul nas regiões Norte-Noroeste Fluminense. Nesta entrevista, ele amplia a análise sobre o garimpo de ouro ilegal nas águas do rio e outros problemas ambientais. Este tema faz parte da reportagem da semana “Extração ilegal de ouro no Rio Paraíba do Sul chama a atenção” (clique aqui).

O senhor tem acompanhado a situação de extração irregular de ouro no Rio Paraíba do Sul em cidades próximas como São Fidélis há quanto tempo?

Enquanto ambientalista, a questão dos impactos da mineração de qualquer tipo me interessa desde 1978, quando o Centro Norte Fluminense para a Conservação da Natureza começou sua atuação na região Norte Fluminense. Não existia ainda a região Noroeste Fluminense, apenas a Norte, que abrangia 14 municípios.

Quais são os maiores problemas e impactos para o meio-ambiente?

Nós estamos assistindo aos estragos ambientais e sociais que a mineração na Amazônia, sobretudo a de ouro. No Norte Fluminense, ela foi mais praticada dentro do Rio Paraíba do Sul, em São Fidélis. Várias balsas flutuavam no rio à procura de ouro. Para separar o caro mineral de outros, os mineradores se utilizam do mercúrio, que incorpora apenas o ouro. Depois, ele é evaporado, restando apenas o ouro. O problema é que o mercúrio é um metal pesado em forma líquida, para melhor entendimento. Ele é extremamente prejudicial à saúde animal. No ser humano, causa problemas neurológicos. Assim, o minerador aspira o mercúrio evaporado. Ele mesmo é vítima do mercúrio. No ambiente, ele contamina peixes e outros organismo aquáticos que, ingeridos pelo ser humano, causam contaminação.

Não apenas isso. A mineração em rios revolve o fundo e causa turbidez da água, destruindo o ambiente. Do ponto de vista social, a mineração de ouro geralmente está associada à ilegalidade: falta de licença para minerar, contrabando, violência, prostituição, drogas. 

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Extração ilegal de ouro no Rio Paraíba do Sul chama a atenção

Pelo menos desde os anos 1980 há denúncias de garimpo ilegal e agressão ao meio-ambiente. Como observa a ação das autoridades no combate aos crimes?

A atividade mineradora nos anos de 1980 movimentou a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), hoje absorvida pelo INEA. A polícia também interveio. A FEEMA buscou uma solução intermediaria, se bem me lembro, definindo áreas em que a mineração pudesse ser praticada. Mas os próprios mineradores desistiram da prática, talvez porque os rendimentos não compensassem.

A extração de areia passa por uma autorização de órgãos ambientais. Sabe-se que, em alguns casos, confunde-se a extração de areia com a retirada de ouro. Como proceder?

É muito difícil lidar com o minerador. Geralmente, entre eles, vigora a violência e a ilegalidade. Sob pretexto de retirar areia, ele pode estar à procura do ouro. Como a retirada de areia é uma prática muito generalizada nos rios do sudeste, sul e centro-oeste, os órgãos de controle devem definir áreas de extração de areia e exercer rígida fiscalização. Sei também que isso é difícil por falta de fiscais.

Balsa de garimpeiro clandestino encontrada pela Polícia Federal no Rio Paraíba do Sul, em São Fidélis (Reprodução)

O senhor tem conhecimento sobre o potencial para existência de ouro nos rios da região?  O que poderia ser legal quanto a esta prática?

Da minha parte, entendo que o ouro possivelmente existente nos rios da região Norte-Noroeste Fluminense é pouco e não justifica mineração. Se justifica, os órgãos fiscalizadores devem definir áreas restritas, proibir o uso do mercúrio e exercer fiscalização permanente e rigorosa.

Nos anos 1980/1990 houve mortandade de peixes atribuída ao uso de mercúrio nessa mineração clandestina. Qual o perigo para o meio-ambiente e as pessoas?

O peixe morto não é o maior problema para a ingestão humana, pois a morte do animal já indica algum problema. A questão é que o peixe morto pode ser vendido como peixe pescado. Para a flora e a fauna aquática, a mineração é desastrosa por revolver fundo, provocar turbidez da água e poluição do ambiente. O problema maior é o peixe vivo contaminado. O mercúrio entra na cadeia alimentar, chegando ao ser humano pelo pitu, lagosta, peixe.

Sabemos que a poluição do Rio Paraíba do Sul ocorre em praticamente todos os seus trechos urbanos. No caso do garimpo ilegal, o que isto pode causar até a sua foz?

Já houve um acidente ocorrido em Rezende que chegou até o mar. Foi causado pela empresa Servatis. O vazamento foi de um produto venenoso e não apenas de algum material que mata peixes por falta de oxigênio dissolvido na água. Vários outros animais que retiram o oxigênio do ar morreram, como tartarugas, bois e cavalos, que respiram como o ser humano. Quanto ao mercúrio, deve-se mensurar o volume que pretende-se usar para avaliar seus danos. Espero que não haja essa avaliação, e que ele seja sumariamente proibido.
 

Garimpeiros também agem na região de Itaocara (Reprodução)

O que mais pode ser destado neste momento?

É preciso atentar para outros produtos minerados no Norte-Noroeste Fluminense. O mais comum é a areia, que usa o pretexto de reduzir o assoreamento. Dentro d’água, a retirada de areia causa turbidez. A pequena retirada ainda é tolerável. A grande, por aparelhos de sucção, tem feito estragos profundos, cortando ilhas ao meio, por exemplo. Outro material minerado é a argila na margem esquerda do Rio Paraíba onde existem tabuleiros. Esse tipo de mineração está nivelando as duas margens. Na esquerda, perde-se terreno com a retirada. Na direita, eleva-se terreno com aterros. Na Baixada, a argila é retirada pelas cerâmicas, que estão recorrendo agora à energia solar. Deve-se louvar o uso desse energia renovável e não poluente. Mas a atividade esburaca o terreno. É preciso desenvolver formas de tamponar esses buracos ou transformá-los em lagoas, pois as existentes naturalmente foram drenadas e estão fazendo falta. Seria uma forma de reduzir o impacto de chuvas fortes.

Considere-se também a lavra de terras raras em São Francisco de Itabapoana, que causou muitos estragos ambientais e que agora parece chegar ao fim. Nunca se sabe. Em Italva, a exploração de mármore causou danos grandes, assim como a exploração de pedras decorativas em Santo Antônio de Pádua.