



A determinação da Justiça para demolir o Edifício Itu, na área central de Campos dos Goytacazes, nos próximos dias, voltou a provocar reações. Desde 2005, uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público busca solução na Justiça sobre o Edifício Itu. A Incorporadora Itu firmou contrato com as Centrais Elétricas Fluminenses S.A. (CELF), antiga companhia de energia estatal, na década de 1960, para ocupação parcial e finalização das obras. Com a privatização, caberia à concessionária Enel manter o contrato e o edifício reformado e em condições de uso. Segundo fontes ligadas ao empreendimento, isso não ocorreu e uma dívida milionária foi gerada. Há os que defendem a recuperação e os que afirmam que o prédio oferece riscos.
O Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos pediu ao MPRJ um novo parecer sobre a decisão judicial recente, especialmente pela tutela e o edifício estar inserido na Área Especial de Interesse Cultural (AEIC). Membros do Coppam consideram que o Itu pode ser preservado e ter importante função no atual debate que envolve setores da sociedade civil organizada e da prefeitura, para a revitalização do Centro Histórico de Campos.
Projetado pelo renomado arquiteto Joffre Maia, o prédio começou a ser construído em construído pela Incorporadora Itu em 1957. Apenas seis dos dez andares previstos foram concluídos. Na época, o prédio erguido na Rua 13 de Maio foi considerado um marco de modernização da área central de Campos. Essa relevância se tornou argumento para a Resolução nº 002/2025 da Prefeitura, que estabeleceu tutela provisória sobre 20 imóveis projetados por Joffre Maia, incluindo o Edifício Itu, impedindo reformas ou demolições sem autorização do Coppam.


“Pela Lei Municipal 8.487/2013, nenhum bem tutelado pode ser demolido sem laudo conjunto das secretarias de Obras e Defesa Civil e decisão final do Coppam. A tutela só expira com o tombamento definitivo e serve para preservar bens históricos”, explica o conselheiro do COPPAM, pós-graduando em Arquitetura e Patrimônio, arquiteto e urbanista Renato Siqueira. Ele considera a decisão judicial frágil por contrariar uma decisão transitada em julgado da juíza Flávia Justus, com base no robusto laudo pericial, há 12 anos, que recomendou categoricamente a reforma do Edifício Itu. “Se a justificativa for econômica e não técnica, há descumprimento, também, da legislação municipal, além da insegurança jurídica. Nestes 13 anos, não há o cumprimento da decisão judicial transitada em julgado, tão pouco a responsabilização pela não execução das reformas e, do suposto avanço das avarias no edifício, embora não seja possível identificar o iminente risco de desabamento”.
Inspeções recentes teriam apontado degradação no prédio, como lajes rebaixadas com água acumulada, falta de esquadrias e escadas fora das normas atuais, mas sem risco iminente de colapso. Especialistas afirmam que os problemas poderiam ser solucionados com técnicas modernas e materiais leves. A decisão judicial também citou dificuldades de adequação ao Código de Segurança contra Incêndio e Pânico (COSCIP), criado após a construção do edifício. O arquiteto Renato Siqueira considera esse argumento insuficiente, visto a aprovação do projeto e a sua construção, que se encontra com a volumetria finalizada, serem anteriores à normativa do COSCIP, passíveis de soluções alternativas, como acontece em edificações históricas.


Dados do processo
Entre maio e junho de 2023, a Enel apresentou um laudo recomendando a demolição total do Edifício Itu, mas o documento foi considerado apócrifo. No período, a juíza Helenice Rangel realizou audiência para autorizar a demolição, recusada pela incorporadora. Um relatório oficial da Defesa Civil de Campos, assinado pela engenheira Isabela Eduardo Rodrigues, afirmou que existem tecnologias capazes de recuperar a estrutura com custo menor do que uma demolição, posição vista como incompatível com a determinação de evacuação emitida posteriormente.
Em 4 de junho de 2023, a incorporadora anexou contrato demonstrando que o Estado do Rio de Janeiro assumiu responsabilidade por prejuízos e demandas relacionadas ao passivo da antiga estatal, hoje sob administração da Enel. Em 20 de agosto de 2025, a juíza Helenice Rangel aprovou a demolição, mas a incorporadora protocolou embargos para contestar a decisão. Em 29 de setembro de 2025, a Secretaria Municipal de Obras notificou que a demolição deveria ocorrer em até sete dias para cumprimento da ordem judicial.
Desocupação do prédio
Nas últimas três décadas, o Itu teve uso parcial no térreo. Uma loja de cosméticos e produtos de beleza estava instalada há 30 anos, disse a gerente Luana Maria. “Recebemos notificação da Defesa Civil para deixarmos a loja até o dia 16 de novembro. Disseram que o prédio oferece risco de desabar. Nunca tivemos nenhum problema aqui”. O dono de uma loja de ferragens não quis se identificar, mas falou sobre a saída às pressas. “A loja existe há 53 anos aqui no térreo. Depois da privatização da Cerj, o prédio entrou em decadência e abandono. Não sei para onde ir”, revela.






O jornaleiro Wellington Gonçalves mantém uma banca no local desde 1991. “Sou contra a demolição. Acredito que o prédio tem recuperação”, diz. Já o aposentado Sylvio Mattos pensa diferente. “Fui cliente da Cerj no prédio. Ele foi abandonado e está em ruínas. Precisa ser demolido antes que o pior aconteça”, opina.
Esforços para manter o Itu
A reportagem entrou em contato com a defesa da Incorporadora Itu sobre os problemas com a Enel e a decisão judicial pela demolição do prédio. De acordo com um integrante da Itu, que preferiu não se identificar, “a Justiça local proferiu uma decisão alterando outra, de cinco anos atrás, que determinava apenas a reparação da estrutura, nunca a demolição”. Ele complementou:
“Existe o princípio da intangibilidade da coisa julgada, segundo o qual uma decisão judicial definitiva não pode ser modificada. A incorporadora entrou com um recurso. Enquanto essa nova decisão não transitar em julgado — ou seja, enquanto o recurso não for analisado —, nada pode ser feito. Existem instâncias superiores às quais se pode recorrer. Primeiro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro avaliará. Se ainda assim o recurso não for aceito, será possível ingressar com recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até que todo esse processo seja concluído, a demolição não pode ser iniciada”, afirmou.
A concessionária Enel foi procurada para que comentasse sobre o processo que se arrasta há anos movido pelo MP e pela Incorporadora Itu. Por meio de nota, a assessoria de comunicação informou que “a Enel Distribuição Rio está cumprindo a decisão judicial que determinou a demolição do prédio da Rua Treze de Maio, 150, em Campos dos Goytacazes. A distribuidora esclarece que, tão logo foi intimada, iniciou as tratativas com os órgãos municipais para cumprimento da decisão”.
De acordo com a Defesa Civil de Campos, a decisão judicial determinando a demolição do Itu prevê multa diária de R$ 30 mil em caso de descumprimento. “Houve determinação de intimação de diversos órgãos para, em conjunto com as partes, promover a interdição do imóvel e da área circunjacente e notificar os ocupantes do edifício. A empresa responsável, especializada em demolições de edificações antigas, é contratada de São Paulo e deve iniciar os trabalhos dentro de 20 a 30 dias. O imóvel não pode ser implodido, por isso o método adotado será manual”, diz a nota.


Coppam e IHGCG
No dia 18 de novembro, o Coppam decidiu que qualquer intervençNo dia 18 de novembro, o Coppam decidiu que qualquer intervenção em bem de interesse cultural, obrigatoriamente tenha a avaliação e deliberação do Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal, ressaltados os aspectos da legislação em vigor. O documento ficou de ser encaminhado aos órgãos públicos competentes. Dias antes, o Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes (IHGCG) encaminhou ao Ministério Público manifestação destacando que o Edifício Itu está localizado em Área Especial de Interesse Cultural.
Para o pesquisador do IHGCG, Genilson Soares, do ponto de vista jurídico, trata-se de uma decisão de primeira instância. “Sob a ótica do patrimônio cultural, o caso ganha contornos mais sensíveis. O edifício é uma obra do mais importante arquiteto campista do movimento modernista, nas décadas de 1940 e 1960. Embora eu não tenha acesso ao laudo que apontaria problemas estruturais, externamente o edifício apresenta solidez. Esta é uma oportunidade de recuperação do Itu, parte significativa da memória arquitetônica campista”, conclui.