Tiago Abud – Articulista e Defensor Público – Com a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, em determinado momento foi amplificada a ideia da concessão de anistia para aqueles que participaram e foram criminalmente penalizados pelos atos antidemocráticos. É verdade que, no momento atual, o assunto esfriou, mas não passava de uma cortina de fumaça, que tinha apenas o potencial de aumentar a tensão entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal, porque eventual projeto, caso aprovado e sancionado, seria declarado inconstitucional. E com toda razão.
Reza a Constituição da República que cabe à União conceder anistia em ato subjetivamente complexo, porque depende de lei aprovada pelo Parlamento e sancionada pela Presidência da República. Anistia significa passar uma borracha em um crime, esquecer a sua existência e demolir os seus efeitos, extinguindo a punibilidade de quem o pratica.
Embora exista a previsão constitucional sobre a anistia, nem todos os crimes podem ser objeto de tal benesse. Na própria Constituição Federal, há menção à proibição da sua concessão para torturadores, traficantes de droga, terroristas e todos aqueles que sejam autores ou partícipes de crimes hediondos, assim definidos em lei como tal.
De igual modo, a anistia não pode ser concedida a quem pratica crime contra o Estado Democrático de Direito, porque é implicitamente proibido golpear a democracia por dentro dela. Nenhuma Constituição democrática do mundo permite perdão para quem atente contra o Estado democrático e para isso não precisa haver proibição expressa, sob pena de se admitir que a Lei Maior é autofágica. Se a própria Constituição veda, expressamente, proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação de poderes e os direitos e garantias fundamentais, ela não pode permitir, que uma simples lei ordinária (cujo quórum é menos qualificado que o de uma emenda), conceda perdão a quem atentar contra ela. De se lembrar que, por menos, o decreto de indulto concedido a Daniel Silveira foi declarado inconstitucional. Não coube a ele o perdão.
A anistia de 1979 somente foi possível porque o legislador reconheceu que naquele momento histórico não se vivia no Estado Democrático de Direito. Hoje o momento é diverso e sob a égide de outra Carta Política. Falar de anistia agora é pura perda de tempo, de um Congresso Nacional que deveria se preocupar em votar leis em benefício do povo, no lugar de legislar para os seus apaniguados. O assunto é claro como a luz do sol, menos para aqueles que creem na terra plana.
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