As mãos direita e a esquerda de Ana Paula Teixeira Vianna Aiube dialogam com uma elegância ímpar. Quando formam um par, ficando entrelaçadas, os dedos não precisam de anéis para serem percebidos. São gestos de uma cerimonialista profissional.
Os dedos que combinam com teclas de piano dispensam anéis, mas sempre apontaram em direção às alianças. Por isso, talvez, ou certamente, ela decidiu montar em Campos, embora seu domicílio seja em Niterói, um ateliê de vestidos de noivas, operando com o estilo prêt-à-porter, tendo o domínio de marcas de Nova York, Rússia, Itália, França e Espanha.
As mãos que parecem ter sempre ao alcance um leque apontam as tendências desta cerimônia chamada casamento. São toques de Ana Paula que devem ser anotados. Quando se trata de vestido de noiva, nem Nelson Rodrigues sabe tanto.
Você foi para o Rio, atuou profissionalmente como cerimonialista em eventos diversos, inclusive casamentos. Isso influenciou na sua decisão de montar o seu ateliê?
Com certeza, eu sou casamenteira de nascença, eu acho. Quem nunca gostou de ver uma noiva entrando na igreja, né? Aquilo sempre teve um encantamento especial na minha vida. E a oportunidade de fazer casamentos de 400 pessoas e 80 pessoas me deu meios para encarar as histórias daquela família, daquele casal, que fugia muitas vezes à regra do cerimonial oficial. O evento social não tem regra, né? O evento oficial você tem um decreto que você tem que seguir, né? O social é muito pautado na emoção, e o cerimonial me dava isso, essa coisa de eu poder sentir a emoção fora de um decreto oficial. E conheci muitas histórias, muitas famílias, eu virava meio que psicóloga das mães de noivos. Era um negócio muito engraçado, porque elas vinham para o meu escritório depois do casamento para a gente sentir junto a síndrome do ninho vazio. Então, assim, era uma coisa de emoção pura. E o cerimonial me fez enxergar o casamento com uma lente que poucas pessoas enxergam, principalmente a noiva.
O diferencial dele é justamente a pegada?
A pegada da visão da cerimonialista sim. Hoje, quando a noiva chega ao ateliê, a primeira pergunta que eu faço a ela, além de saber a data, é onde ela vai se casar. Eu pergunto qual é a imagem que ela quer passar para os convidados, para o noivo dela. O que ela quer sentir quando ela estiver dando aqueles 28 passos para mudar a vida dela para sempre. Então, ela não chega lá e eu jogo nela um vestido. Ah, você vai casar no campo? Então, esse aqui é o vestido ideal para você. Não é. Passa muito além dessa coisa. É uma consultoria, obviamente, profissional, que a gente indica. Olha, se você vai casar na praia, demanda um vestido mais leve, mais fluido, para você caminhar na areia sem se embaraçar pelas águas. Porque no cerimonial eu tive essa experiência. De elas se mostrarem de forma diferente. Então, eu acho que esse é o diferencial do ateliê.
Em que pese tempos modernos, o casamento é uma coisa de sempre. Nunca sai de moda?
Nunca, nunca, não sai. Eu acho que o casamento continua sendo a base da sociedade, o nascimento da família, independente de como as coisas mudaram durante esses anos todos, como que o conceito familiar mudou. Quando eu comecei a fazer cerimônia, dificilmente uma noiva saía de casa para morar com o namorado antes de casar. Elas saíam para casar. Hoje não, hoje eles vivem juntos, eles dividem a vida desde cedo, eles pagam as suas despesas. A grande parte das minhas noivas paga os seus vestidos. O pai hoje tem uma participação bem menor do que tinha antigamente, que era o pai da noiva que bancava tudo. O dote. Hoje isso mudou muito. O mundo moderno fez com que elas quisessem primeiro se formar, ter o salário delas, começar a vida delas e o casamento vir depois, né? É uma consequência do caminho que elas começam a trilhar, mas o casamento continua muito em alta e é um evento que mexe com o emocional, porque se você parar para pensar e olhar aquilo ali com a razão, você nem faz, você não gastaria um dinheiro altíssimo numa festa que vai durar cinco horas. Se você fizer a conta, você corre disso, mas não, é o casamento da minha filha, é o início da família da minha filha, né? Vai casar com um rapaz que eu adoro, que os pais são pessoas que a gente gosta, então é pura emoção, é sentimento puro.
A semana terminou com um grande evento de noivas que aconteceu em Campos e você participou. Como foi?
Participei pela terceira vez. Um evento que acho necessário para a gente, para ver um congraçamento entre essas pessoas. A gente precisa saber se relacionar com o mercado. Eu prezo muito a minha relação com o mercado, com os meus parceiros, com os fotógrafos, com o pessoal da filmagem, com maquiador, com o cabeleireiro. Esse é o meu mercado. Então, eu tenho que privilegiá-lo de alguma maneira. E nesses eventos a gente tem a oportunidade de se encontrar mesmo, de poder estarmos juntos, de desejar sucesso… cada um tem seu estande, mas a gente acaba meio que comungando das mesmas noivas, dos mesmos sonhos. Então, é muito importante.
As pessoas sempre ouviram essa prêt-à-porter. Qual é a mais completa tradução hoje?
Então, hoje eu acho que o meu grande sonho com o ateliê é ressignificar o conceito de locação de moda-noiva. Porque a gente sempre teve esse conceito de, ah, é vestir de aluguel. Não, não é. Eu hoje tenho uma linha que a gente fala para prêt-à-porter, que nada mais é, em uma tradução simples, “pronto para vestir”. Então é uma moda que eu importo, o vestido já vem pronto, eu não desenho, eu não executo projeto, eu compro, eu importo esses modelos, todos baseados no conceito da moda internacional, porque eu vivo a semana de moda-noiva de Barcelona, eu vivo a semana de moda-noiva de Nova York. Justamente por isso eu quero sair na frente. O ateliê tem que sair na frente, pegar aquela noiva que é moderna, que tem essa visão, que fica no Instagram pesquisando e olhando os modelos e dizem: “ah, aqui em Campos não tem isso”. É justamente proporcionar a essa noiva um vestido extremamente conceituado, inspirado num estilista renomadíssimo. É um sistema chamado “day use”.
Um dia de uso?
Sim, um dia de uso. É assim: a noiva chega ao ateliê, depois de passar por toda aquela classificação de onde vai casar e tal, ela escolhe nas araras, que é um outro diferencial em Campos. Os ateliers de Campos não permitem que a noiva mexa nos vestidos, não tem araras expostas. Ela chega, fala o que ela quer, então a funcionária traz o vestido. E lá não, lá no ateliê, como eu tenho essa gama de vestidos assim, tenho orgulho de mostrar. Eu quero que elas manipulem mesmo, que elas puxem o cabide, que elas olhem o vestido e que falam: “eu quero provar esse, tá”? Então, surgiu a ideia de realmente ressignificar esse conceito de locação. É um vestido que só é locado no máximo três vezes. Na quarta vez ele já é vendido para a gente colocar um novo na arara.
Exclusivamente para noivas?
Só! Eu acho que a gente tem que focar em uma coisa só. Primeiro, que você consegue enxergar com o olhar daquele tipo de cliente, sabe? Porque cada uma chega lá com uma intenção. Então, a noiva tem a intenção de mostrar para as pessoas como ela quer aparecer naquele dia. A mãe da noiva tem uma outra intenção. Ela quer mostrar que está recebendo no casamento da filha. E eu acho que muitas vertentes num só negócio, você acaba deixando de buscar a excelência naquilo que você faz.
Você pesquisa muito esse mercado, inclusive participando de feiras internacionais. Quase tudo vem de fora?
Sim. Eu hoje represento marcas internacionais. Tenho uma representação da Rússia. Foi uma estilista que eu conheci por acaso em uma das minhas viagens e ela casou-se com um brasileiro. Ela é russa mesmo, se casou com um brasileiro e veio morar aqui. Era estilista na Rússia e o marido brasileiro a incentivou a continuar a desenhar, então ela continua. A empresa dela fica em Santa Catarina. Desenha coleções inteiras, eu vou muito lá em Florianópolis, onde é a base dela.
Além da Rússia tem outros países também né?
Eu tenho umas grifes, principalmente da Espanha, que é o berço da moda nupcial, tanto é que acontece a semana de moda de Barcelona, que é como se fosse a semana de moda de Paris, para o nosso mercado. Então, tem algumas marcas espanholas que eu também tenho algumas peças. Agora, o momento é difícil hoje para a importação dessas peças, a gente está vivendo um momento de barreiras, o mercado é muito complicado, a importação, os impostos. Então, eu tenho que olhar para o meu mercado aqui e ver o que é viável economicamente para a minha coisa, porque, por mais que eu não queira, eu tenho que converter o euro em real. Mas eu tenho realmente grandes marcas, tem uma marca inglesa que eu também gosto muito, várias espanholas e as de Nova York, que são muito marcantes também nesse mercado.
A clientela vai além de Campos?
Sim, e muito! Vamos colocar toda a região, citando Macaé e Itaperuna, parte do Espírito Santo e de Minas Gerais, como Muriaé. Hoje não existe mais aquela noivinha do interior, de porta de igreja, que quer aquele vestido com aquela saia bem volumosa. Ela não é. Ela é ousada, ela é irreverente, ela vem justamente buscando o que ela sabe que ela vai encontrar lá. E o que ela não tiver, como eu represento várias marcas, eu tenho catálogos. Ela pode escolher o modelo que ela quiser, que a gente importa para ela. Eu tenho representação em São Paulo. Então, todas as coleções deles vêm para mim.
Hoje o seu negócio está na casa onde você praticamente nasceu. Como é isso?
Ah, eu até choro, às vezes. Eu nasci naquela casa. Meus pais compraram aquela casa no antigo sistema financeiro habitacional da época. Aquela casa que comprava, prestação. Minha infância foi muito feliz, e eu saí de Campos em 1996. Vivi ali, e as raízes ficaram. Tem dias que eu chegava na obra, na reforma, que levou três anos e pensava no passado, na felicidade, Eu vi o sacrifício dos meus pais, o quanto eles priorizavam isso. E aí eu falei: “vou reformar esse troço”. Vou reformar, porque eu não vou deixar cair. Veio a oportunidade de ter o ateliê e, na época da reforma, eu lembro bem, eu chegava a ouvir a voz da minha mãe dentro da casa “ tá na hora do almoço, vamos embora, gente, tó na hora do colégio”… a gente estudava de manhã, sempre aquela confusão de ter que sair. Então, como eu acho que hoje o ateliê é um berço de recordações lindas, eu acho que eu fui tão feliz ali, que aquele sentimento continua. As noivas entram ali e sentem uma coisa diferente, principalmente quando conto essa história. Olha, eu vivi tanta coisa bonita aqui que hoje eu posso continuar vivendo histórias de amor, né? Podia ser uma clínica para falar de doença! Mas é local para falar de amor, todas que entram ali entram para falar de amor. Então, isso foi um privilégio, uma bênção muito grande, que eu recebi.