Ela transita com desenvoltura nos bastidores dos grandes eventos literários do país. Renomada neste segmento, Suzana Vargas assume a curadoria pela quarta vez da Bienal do Livro de Campos. Também é poeta, autora de literatura infantil e juvenil, ensaísta e especialista em leitura.
Professora de Literatura, mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj), tem seis livros publicados. Desde 2021 é curadora do Clube de Leitura Internacional do CCBB.
Além de ser uma expert no que se propõe, ou seja, Literatura, Suzana Vargas tem uma imensa capacidade de organização, sendo múltipla e plural. Pela 4ª vez, ela será curadora da 12ª Bienal do Livro de Campos, que acontece de 30 de maio a 8 de junho de 2025, no Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop).
Essa será sua quarta bienal em Campos. Preparada para o desafio?
Uma alegria estar de volta à Bienal de Campos, onde fiz amigos queridos e que sempre me acolheu tão carinhosamente. Se estou preparada? Para esta Bienal venho me preparando desde quando surgiram os primeiros convites em abril do ano passado. Estava pronta para decolar quando, por razões que independeram da organização, precisamos transferir. E depois de três Bienais, me sinto mais à vontade para propor temas, trazer a nova literatura que se faz no país, através da presença de seus autores.
Como curadora, como avalia o atual momento destes eventos, em um contraponto com a cultura do livro que fala, ou seja, o mundo digital, onde as pessoas ouvem livros e não os lêem?
O momento atual da literatura brasileira é o da diversidade temática, formal, de gênero com tantas nuances que fica difícil fazer uma análise. Com a entrada do livro digital, mais acessível, as publicações se multiplicaram e se diversificaram. O ebook, as possibilidades de comunicação e de leitura. A própria leitura é percebida não somente pela escrita, mas encarada de forma ampla. Lemos uma voz, um perfume, um gesto, uma cor. Tudo é leitura e a internet encarna essas mil possibilidades, por isso não consigo ver nenhum obstáculo ao desenvolvimento do gosto pela leitura se esses materiais de que dispomos forem usados com inteligência, com criatividade por pessoas que reconhecem no livro uma das grandes possibilidades de transformação do mundo.Quero mais é que o cinema reconheça na literatura um campo para adaptações, por exemplo. Aliás, todo filme ou audiovisual é, antes de tomar essa forma, literatura.
Tem aquela máxima de “assista ao filme e leia o livro”. O Brasil parou diante de “Ainda estou aqui”, cujo roteiro brotou de um livro.
Como falei na resposta anterior, toda escrita é passível de transformação num audiovisual, seja um romance ou um documentário. Claro que um campo sempre vai influenciar o outro. Assim como, a exemplo do livro de Marcelo Rubens Paiva publicado em 2015, premiado, só chegou a um grande público agora em 2025, outros cineastas poderão buscar na literatura excelentes argumentos para suas obras, para novelas, minisséries e outras das muitas formas que hoje existem para se contar uma história.
Inevitável essa pergunta. A Inteligência Artificial apenas perfila palavras ou tem ou terá a genialidade de um Machado de Assis?
A Inteligência Artificial tem e terá seu lugar na história da civilização, seja para facilitar nossa vida em infinitos aspectos, seja para complicar, atrapalhar mesmo, a exemplo das redes de fake news disparadas aos milhares sem a possibilidade de nenhum tipo de interdição ou controle. E controle acaba sendo a palavra de ordem com relação à IA. Ela pode representar um ganho de tempo a curto prazo, mas a longo prazo vamos perceber como a criação pode ser única. Machado tem um livro que jamais poderia ser escrito por uma inteligência artificial, que é Alienista, por exemplo. Ou um Quincas Borba e suas voltas, reviravoltas e reflexões. Machado é único. Guimarães Rosa também. Você também. Mas ela chega (e quero pensar assim, para nos fazer avançar nessa selva escura) e já está no meio de nós, definitivamente.
Apesar de tudo, os eventos literários estão em alta?
O Brasil nas últimas décadas é uma espécie de campeão em festas literárias que se espalham país afora. Campos não promove sua Bienal sem uma tradição que a justifique. É a primeira cidade do Brasil a ter uma livraria, a Livro Verde, infelizmente fechada. Com um rol de grandes escritores, e artistas, a literatura faz parte da tradição desta cidade. Muitos artistas e uma Academia de Letras atuantes, nada mais fazem do que corroborar essa tradição.
Você gosta de mesclar todos os estilos literários, desde livros de receitas gastronômicas até romances. Essa receita continua valendo?
Essa receita continua e continuará valendo, me parece, para toda Bienal que deseje atingir uma diversidade grande de leitores. Os livros não tratam apenas de literatura. Eles traduzem a vida em toda a sua variedade: culinária, moda, esporte, ciência. Importante é as pessoas encontrarem nos livros as respostas que precisam para o seu cotidiano, às suas necessidades, alegrias e aflições. Esse, talvez, seja o maior encantamento que um livro pode provocar em quem o lê; companhia, informação, instrução, diversão, lazer.
A Ciência deixou as estantes das bibliotecas de universidades para ser lida por todos, pelo menos por uma parcela de pessoas. O cientista e escritor carioca Marcelo Greiser relevou em recente entrevista que esse interesse aumentou? É verdade?
Não vi a entrevista desse cientista maravilhoso, que é o Marcelo Gleiser, mas o fato é que a Ciência deixou de ser um assunto “de cientistas” e está sendo reconhecida como um dos pilares da civilização hoje. Sem Ciência eu não estaria me comunicando com você da forma como estamos a quilômetros de distância. O mundo como o vemos, é natureza por toda parte e ciência na parte toda. Em todos os gestos cotidianos estamos imersos na Ciência. E a proliferação de livros científicos mostra isso. Ela faz parte da nossa vida.
E os livros nessa nova era digital?
A internet colocou a produção literária mundial em completa ebulição. A velocidade com que se multiplicaram editoras alternativas e novos selos surgindo sinaliza uma produção intensa. Se antes necessitávamos ser “escolhidos” pelas poucas editoras comerciais existentes, hoje, com a autopublicação, com a possibilidade de publicarmos nossos escritos em blogs e sites, podcasts na internet, a criação individual ganhou o mundo. Com isso, surgiu toda uma geração de bons escritores (e também de pessoas que deviam pensar mais vezes antes de publicar). A democratização dos meios gerou esse fenômeno que eu, pelo menos, acho incrível. Escrever ainda é, para mim, uma das atividades mais satisfatórias e independentes da face da Terra. No Brasil, a quantidade de Prêmios Literários também revela grandes autores que antes estavam escondidos no interior do país. Vocês irão conhecer alguns nesta Bienal.
Livros que debatem religiões e costumes estão realmente em alta ou continuam perdendo para os chamados livros de auto-ajuda?
Os livros que têm a religião como tema nunca vão deixar de ser vendidos em quantidades imensas. Não à toa, a Bíblia é o maior best seller de todos os tempos. No Brasil, grupos editoriais criaram selos específicos para essa imensa camada da população que busca na fé um direcionamento. E os livros de autoajuda seguem esse caminho, que é infinito. Mas, de fato, ambos os segmentos são responsáveis pelos maiores percentuais de vendas no nosso país e no mundo.
O que esperar desta bienal?
Finalmente a pergunta esperada! Campos deve esperar uma Bienal diversa, preparada com muito carinho e profissionalismo. Especialmente nesta Bienal tive a assessoria preciosa desta campista admirável que é Nana Rangel. A programação atende a diversos segmentos, crianças, jovens, adultos e está homenageando Ziraldo, esse grande artista, amigo de Campos e essa incrível poeta que é Roseana Murray, que estará conosco em vários momentos. Teremos Arenas diversas, para faixas etárias distintas, oficinas de criação literária para novos autores, shows, exposições. E presenças honrosas como a de Itamar Vieira Júnior, Jeferson Tenório, Viviane Mosé, Juca Kfuri, Eliana Alves Cruz e tantos outros.